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Entrevista Especial

- Publicada em 22 de Julho de 2013 às 00:00

Para João Gilberto, há deformação no sistema político do País


MARCO QUINTANA/JC
Jornal do Comércio
Militante histórico do antigo MDB, o ex-vice-governador do Estado João Gilberto Lucas Coelho afastou-se da política no início dos anos 2000 por entender que o PSDB - partido que ajudou a fundar em 1988 - havia se distanciado de suas raízes sociais-democratas.
Militante histórico do antigo MDB, o ex-vice-governador do Estado João Gilberto Lucas Coelho afastou-se da política no início dos anos 2000 por entender que o PSDB - partido que ajudou a fundar em 1988 - havia se distanciado de suas raízes sociais-democratas.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, João Gilberto avalia que o presidencialismo brasileiro acabou sofrendo uma deformação, já no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), gerando uma submissão do Executivo aos partidos que compõem o Congresso Nacional a fim de garantir a governabilidade. Esta subserviência acabaria por tornar o sistema político frágil e permeável à corrupção.
Na opinião do ex-vice-governador, isso não teria ocorrido se os “primos ideológicos” PSDB e PT tivessem firmado uma aliança no início dos anos 1990. “A saída para governar o País da melhor maneira teria sido lá atrás, PT e PSDB juntos”, defende, argumentando que, depois, o PT acabou empurrando o PSDB para a direita.
João Gilberto também analisa os movimentos que tomaram as ruas do Brasil a partir de junho, fala da impossibilidade de se convocar uma Constituinte exclusiva para tratar da reforma política e defende a necessidade de que as campanha eleitorais sejam financiadas por recursos públicos.
Por último, diz que não quis se filiar a outro partido depois de deixar o PSDB porque não viu opções possíveis. “Eu sou um cara de esquerda. E sou uma figura em extinção, porque sou um cara da esquerda não petista”, define-se.
Jornal do Comércio - Quais as causas das recentes manifestações sociais no Brasil?
João Gilberto - As pessoas estão descontentes, e o descontentamento une a todos. Também por um desejo de liberdade, parece que pairou bem isso.
JC - Aqui começou com uma pauta específica que era o preço da passagem de ônibus.
João Gilberto - E este assunto é que está tendo os resultados imediatos. Mas isso é algo que vai continuar. Que vai produzir efeitos a médio e a longo prazo que se vai conhecer mais adiante a real dimensão disso.
JC - Analistas falaram em crise de representatividade política.
João Gilberto - Acho que isso caracterizou o início do movimento. Uma grande sensação de descrédito da forma representativa política, e isto é um traço universal. Não é brasileiro. É universal. Está no Ocuppy Wall Street, está na Espanha, está na Primavera Arábe, em determinado momento, no momento inicial, ou seja, está muito forte.
JC - A reforma política era uma das pautas?
João Gilberto - Não estava em pauta essa reforma política, mas estava em pauta talvez a mais profunda das reformas políticas, que seria a reforma do próprio caráter da democracia, e isso está mexendo com as pessoas, só que sequer elas estão sabendo para onde querem ir. Elas estão sabendo o que não querem, mas não estão sabendo o que querem.
JC - Por que há dificuldade de realizar a reforma política no Brasil?
João Gilberto - Acho que a maior dificuldade, e que a mídia não alcança, é que há uma profunda divergência sobre os modelos políticos que os brasileiros querem ou não. É a mesma coisa que reforma tributária. É uma unanimidade. Faz uma pesquisa de opinião. “Quem é a favor da reforma tributária?” Dá 90%. Agora vê de qual reforma tributária. O cidadão quer pagar menos imposto, o município quer ter maior arrecadação, o Estado quer ter maior arrecadação, e a União quer no mínimo não perder a arrecadação. Então não tem uma proposta de reforma tributária que seja hegemônica, que tenha o apoio da opinião pública. Não tem. Eu diria que reforma política quase não tem, é pior que escalação da seleção brasileira. Não vai encontrar vários cidadãos brasileiros com a mesma ideia de reforma política.
JC - Qual seria a sua ideia de reforma política?
João Gilberto - Destes temas que estão em debate no Congresso são muito pontuais e não são uma grande reforma política. Mas considero, por exemplo, que o financiamento público de campanha vai ser um avanço no Brasil.
JC - Por quê?
João Gilberto - Porque a campanha tem um gasto elevado. Como é que alguém, um cara como João Gilberto, que está conversando contigo aqui, de onde é que vou ter patrimônio, bens, ou ter arrecadado entre os militantes de um suposto partido - hoje não participo de nenhum - que eu estivesse participando? Como é que vou arrecadar R$ 4 milhões numa eleição? Não vou. Vou depender de grandes empresas. Então, o cidadão hoje para ser candidato em um cargo desses, quer dizer, seria meu caso, para não atribuir a outras pessoas, eu teria que ceder, teria que transigir com coisas que não concordo.
JC - E a sugestão de uma Constituinte para fazer a reforma?
João Gilberto - Para começar, a Constituinte ou é uma Constituinte ou não é. Você fazer uma Constituinte, que exige uma palavrinha que é a ‘soberania’, limitada a um item da Constituição, uma parte da Constituição, é complicadíssimo. E eu tenho sempre citado, lá atrás, quando eu estava no Congresso Nacional, quando foi convocada a Constituinte, eu me afastei da Comissão que iria dar o voto convocatório, por ser defensor da Constituinte exclusiva.
JC - Por quê?
João Gilberto - A Constituinte eleita em 1986, instalada em 1987, eu queria que fosse exclusiva, como as entidades queriam. Todavia, uma conversa com o então candidato à presidência Tancredo Neves me deixou muita minhoca na cabeça para o resto da vida, e eu fui amadurecer depois que eu vi a Constituinte e vi a crise entre Constituinte e Executivo. Em certa ocasião, discutindo o tema com Tancredo, fui a ele para defender a Constituinte exclusiva, e ele contraditou: “quem administra uma crise entre dois colegiados: a Constituinte e o Congresso? É inadministrável. Uma crise entre governo e Constituinte é administrável. Agora, entre dois colegiados grandes, é inadministrável. Então, eu teria as seguintes alternativas: ou eu não elejo um Congresso e só funciona a Constituinte e o povo vai dizer: viu? O governo militar manteve o Congresso, ele fechou. Ou elejo o Congresso e a Constituinte e vai dar crise.” Aí ele fazia a defesa da Constituinte congressual.
JC - Qual a lição?
João Gilberto - Lembro que a Constituinte de 1987 fez uma norma que dava a ela poder para suspender qualquer ato da presidência da República. Isso é soberania. Ela podia anular qualquer coisa que entendesse que estava no caminho dela, impedindo, prejudicando. Isso é soberania. Agora, imagina uma Constituinte para fazer parte da reforma política e o Congresso paralelo. De repente a Constituinte diz que reforma política significa o Congresso: “Vou mexer”... O Congresso iria reagir de uma forma dramática. Acho que não é viável.
JC - Há críticas de que as relações políticas entre Executivo e Legislativo se dão como um grande balcão de negócios, nos vários níveis, municipal, estadual, federal.
João Gilberto - Acho que, em parte, isso aconteceu com o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Criamos uma espécie de presidencialismo de partidos, que não é da gênese do presidencialismo. O presidencialismo é um sistema que se sustenta na autoridade e na responsabilidade pessoal do presidente. Não pode ser na responsabilidade do colegiado.
JC - Como?
João Gilberto - Estamos com governos que são formados por indicações partidárias. É claro que governos de coalizão existem em várias partes do mundo, onde tem vários partidos, mas aqui no Brasil é o seguinte: o partido se reúne e decide “É o Pedro” para secretário municipal, estadual ou para ministro.
JC - Todos acabam cedendo?
João Gilberto - O Fernando Henrique tinha uma autoridade tal, um tal poder de convencimento, que ele conviveu com o Congresso, cedendo em algumas questões programáticas, especialmente para os liberais, coisas que ele pensava de um jeito, ele aceitou fazer de outro. Mas ele conseguiu compor isso por programas e conseguia cativar as pessoas. O Lula também entrou com muita força, mesmo assim de repente se revelou esse negócio do mensalão que foi um rolo. Outro (esquema de compra de apoio) teria acontecido no governo do Fernando Henrique, não sei, não ficou provado, mas os boatos existem, na história da reeleição. Em algum momento surgiu essa história aí do intercâmbio da base sendo alimentada com recurso etc. Mas eu acho que mesmo se Lula não tivesse feito isso, se segurava. Pela autoridade dele.
JC - E a presidente Dilma Rousseff?
João Gilberto - A Dilma é uma pessoa maravilhosa, só que não tem a força política de um Fernando Henrique ou de Lula. Não tem o traquejo, aquela coisa de cativar na conversa, no envolvimento, na articulação.
JC - Qual a solução?
João Gilberto - Vou voltar lá atrás. O Brasil não teria passado pelo que está passando, em termos de uma ação política tão minada por práticas irregulares, se dois primos tivessem se entendido. Primos ideológicos que se chamam PT e PSDB. A saída para governar o País da melhor maneira teria sido lá atrás, PT e PSDB juntos, partidos que eram altamente programáticos, podiam se ajustar, tinham até então, ambos, excelentes condutas, e eu estou dizendo lá atrás, quando começou o primeiro governo social democrata do Brasil.
JC - O senhor defende a tese de que os governos do PSDB e do PT no País são a sequência de um programa social-democrata?
João Gilberto - O Brasil vai completar, com a Dilma, 20 anos de governo social democrata, e eu acho que o saldo é positivo, mas tem problemas, e os problemas teriam sido menores, os resultados teriam sido melhores se tivesse tido este entendimento lá atrás. E assim como o PT guarda na sua história alguns grandes equívocos, como ter sido contra a eleição de Tancredo, ter votado contra o texto da Constituição - alguns dizem que eles não assinaram, mas assinaram, mas votaram contra a redação final. Eles empurram para a extrema direita, diante da opinião pública, qualquer força de centro-esquerda que vá dividir o campo político deles.
JC - Como?
João Gilberto - Já empurraram o Roberto Freire (PPS), o líder máximo dos comunistas nas décadas de 1970, 1980, no Brasil, é hoje de extrema direita, segundo eles. E estão empurrando agora o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), o próximo candidato a se transformar num líder direitista do Brasil. Lá naquela formulação, naquele preparo para a campanha do Fernando Henrique, onde eles não aceitaram estar juntos, e era essa a preferência, eles jogaram o PSDB para a extrema direita diante da opinião pública. O que me angusita muito no caso do PSDB, que me levou a me afastar dele, é que o PSDB, perdendo o debate diante da opinião pública,  aceitou isso, mudou completamente. O PSDB era um belo projeto de centro-esquerda.
JC - O PSDB acabou se afastando de sua gênese?
João Gilberto - Não tenho dúvidas. Acho que todos os grandes partidos do Brasil, infelizmente.
JC - E aqui, no Rio Grande do Sul, o PSDB viveu uma crise interna particular...
João Gilberto - É, o PSDB aqui hoje vive um cenário que eu não quero analisar porque não sou mais do quadro.
JC - O senhor se afastou por que exatamente?
João Gilberto - Pelo que eu terminei de dizer lá antes. Porque o PSDB aceitou a descaracterização que o PT fez com ele. Então, foi ficando uma coisa. Eu sou um cara de esquerda. E sou uma figura em extinção, porque sou um cara da esquerda não petista do Brasil, que é uma coisa que não é vista. E hoje, no quadro que há no Brasil, ou você é petista ou é anti-petista. Eu não sou nem uma coisa nem outra. Não sou anti, gosto de vários, tenho amigos e sou capaz de colaborar com ideias ou iniciativas com o PT, não tem nenhum problema, considero eles meus primos.
JC - Pensou em integrar outro partido?
João Gilberto – Não, porque eu não vejo para onde ir e nem como eu posso participar.

Perfil

João Gilberto Lucas Coelho, 68 anos, é natural de Quaraí. Radicado em Santa Maria, cursou Direito na faculdade que depois viria a integrar a Universidade Federal de Santa Maria. Iniciou sua vida política no movimento estudantil, atuando na resistência contra a ditadura. Em 1972, elegeu-se vereador pelo MDB. Dois anos depois, foi para a Câmara dos Deputados, sendo reeleito em 1978 e 1982. Em 1986, concorreu ao Senado. Atuou no Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou por três anos, e foi consultor no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em 1988, participou da fundação do PSDB, integrando a direção nacional por diversas vezes. Voltou ao Rio Grande do Sul em 1990 para ser o vice na chapa de Alceu Collares (PDT) ao governo do Estado. Depois de sua gestão (1991-1994), quando também foi secretário de Ciência e Tecnologia, atuou no governo de Antonio Britto (PMDB) como secretário da Metade Sul. Foi presidente estadual do PSDB. Afastou-se da vida partidária nos anos 2000.
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