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Meio ambiente

- Publicada em 05 de Junho de 2013 às 00:00

Paulo Brack critica “apagão ambiental”


JONATHAN HECKLER/JC
Jornal do Comércio
Antes de participar de um debate na Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre os problemas no licenciamento ambiental apontados pela Operação Concutare, da Polícia Federal, o biólogo e professor do Instituto de Biociências da Ufrgs Paulo Brack concedeu uma entrevista para o Jornal do Comércio para falar sobre o tema. No Dia Mundial do Meio Ambiente, festejado hoje, o ambientalista não via muito o que comemorar.
Antes de participar de um debate na Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre os problemas no licenciamento ambiental apontados pela Operação Concutare, da Polícia Federal, o biólogo e professor do Instituto de Biociências da Ufrgs Paulo Brack concedeu uma entrevista para o Jornal do Comércio para falar sobre o tema. No Dia Mundial do Meio Ambiente, festejado hoje, o ambientalista não via muito o que comemorar.
Dizendo que a expedição de licenças foi “desvirtuada” devido a “pressões econômicas e empresariais”, Brack, que também é integrante da ONG Ingá Estudos Ambientais, diz haver um “apagão ambiental”, com um atropelo nos processos, com justificativas governamentais de que é preciso enfrentar a crise econômica e é necessário crescer. “E esse crescimento é considerado pelos governos até, de uma forma fundamentalista, uma visão que desconsidera o futuro.”
Brack avalia ainda que os movimentos espontâneos, como o que se posicionou contra o corte de árvores para a duplicação da avenida Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio), são importantes, mas carecem de maior discussão de fundo que reflita sobre os modelos possíveis de desenvolvimento. O professor também reconhece que o movimento ambientalista vive momentos de enfraquecimento, que pode ser resultado de derrotas constantes.
Jornal do Comércio - O que há de errado com o licenciamento ambiental?
Paulo Brack - Eu creio que, no Brasil, o licenciamento ambiental foi desvirtuado. Nossa legislação ambiental é muito boa, mas ela foi desvirtuada pelas pressões econômicas e empresariais. As equipes técnicas, também, não tiveram o fortalecimento necessário nos órgãos ambientais, que não têm estrutura hoje para dar conta dos licenciamentos. Existe uma certa fragilização no licenciamento ambiental que favoreceu essa transgressão que a Polícia Federal acabou descobrindo.
JC - Como se dá a fragilização?
Brack - É um conjunto de problemas. Estamos passando por um apagão na área ambiental, como aconteceu com o sistema aéreo há alguns anos. Não são valorizadas as equipes técnicas, e existe muita pressão dentro dos órgãos para que essas licenças sejam dadas de uma forma muito acelerada, sem conhecer o arcabouço das condições ambientais naturais dos ecossistemas, como eles funcionam, e que tipo de impactos ambientais e que riscos teremos se fizermos as coisas de forma atropelada.
JC - O apagão é deliberado?
Brack - Em parte sim. Já trabalhei na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (da Capital) há cerca de 20 anos, e tínhamos uma proposta de definirmos o que era prioritário para ser conservado, como os morros, enfim. E, de 20 anos para cá, vimos que muito pouco avançou, e a gente não pode acreditar que isso seja, simplesmente, falta de interesse.
JC - Os problemas se repetem nos municípios, Estado e União?
Brack - Participei do Conselho Nacional do Meio Ambiente até o ano passado, quando tive contato com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, com o presidente do Ibama (Volney Zanardi Junior), e me parece que existe uma barreira muito grande que nos impede de avançar na área ambiental, até em função do cenário em que o Brasil aparece como um país emergente - e o próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) coloca isso - e não se dá tempo para colocarmos nossa legislação ambiental a funcionar. Está havendo um atropelo do arcabouço legal e de um processo de licenciamento em que se tem de considerar os zoneamentos ambientais, avaliações estratégicas, e não um licenciamento caso a caso, como vem acontecendo.
JC - E mesmo assim o País tem tido um crescimento econômico muito baixo. Mais rigor no licenciamento não entraria em conflito com a necessidade de desenvolvimento?
Brack - A questão do crescimento econômico é bastante complexa. Mas se não tivermos um lastro de uma água sem contaminação, do ar também em boas condições, para que as pessoas não adoeçam, também haverá perdas econômicas. A ONU reconhece que existe uma perda de 15% a 20% do PIB nos países - são cerca de US$ 7 trilhões -, devido a atividades mal planejadas.
JC - Meio ambiente e desenvolvimento são antagônicos?
Brack - É uma discussão mais profunda. O sistema capitalista parte de premissas que questionamos, que são o crescimento e a acumulação ilimitados. Vamos ter de criar um certo limite. Não tem como o planeta suportar, se continuarmos em escala global este processo de consumo e produção sempre crescente. Vamos precisar de dois ou três planetas Terra. Isso ninguém contesta mais. Vamos ter de criar uma barreira.
JC - Como a questão ambiental é vista hoje?
Brack - A partir da crise econômica que se verificou nos chamados países desenvolvidos e nos países emergentes, a questão ambiental ficou muito mais secundarizada e muito mais no discurso do que na prática. Tanto é que, na Rio+20, vários chefes de Estado não vieram. A temática ambiental foi jogada para escanteio, porque se diz que “temos que vencer a crise econômica” que está afetando a Europa e Estados Unidos, e não tanto os chamados países emergentes.
JC - Qual o custo?
Brack - Até podemos crescer, agora, mas estamos criando situações em que o prejuízo para a recuperação do nosso ar, da nossa água e dos ambientes, como um todo, terá um impacto muito grande.
JC - Em maio ocorreu o Dia Internacional da Biodiversidade. Há o que comemorar?
Brack - Hoje estamos passando por uma perda acentuada da biodiversidade. Então, o que sobrou de ecossistemas tem de ser visto com um cuidado muito maior, porque o que sobrou tem de ser protegido para as gerações futuras, para mantermos o que resta da nossa biodiversidade. O Brasil, que é o campeão da biodiversidade, tem como carro-chefe um modelo de desenvolvimento que considera os elementos da natureza, às vezes, como inimigos até. Como barreira para o suposto desenvolvimento.
JC - Neste cenário, como tem atuado o movimento ambientalista no Estado, que foi pioneiro?
Brack - O espaço para o ambientalismo está dificultado, inclusive pelos meios de comunicação, que não dão espaço para as causas. Na questão do corte de árvores em Porto Alegre, parece que até houve alguma visibilidade. Temos determinadas fases em que há alguma dificuldade de manter o movimento ativo, até em função de muitas derrotas em relação a um modelo que nos é perverso em muitos aspectos. Podemos até ganhar uma batalha, mas perdemos várias outras. Acho que isso acaba afastando as pessoas, porque são muitas derrotas, como com o Código Florestal, no ano passado, que piorou muito.
JC - Isso afasta as pessoas?
Brack - As pessoas, às vezes, têm pouco tempo para se envolver em uma causa que não está conseguindo atingir os Poderes, até por uma crise política que estamos vivendo, como um todo, e que também se reflete no movimento ambientalista, que, realmente, não está com a força que pode ter tido em outros momentos. Os movimentos sociais, em geral, no Brasil, estão passando por um processo de refluxo.
JC - A mobilização contra o corte de árvores no entorno da Usina do Gasômetro não chegou a ser organizada por grupos ambientalistas...
Brack - Os movimentos hoje têm sido mais espontâneos, com a juventude utilizando as redes sociais. Tenho uma acerta expectativa... Mas precisamos discutir o modelo de desenvolvimento, questões mais filosóficas, e a juventude que está atuando mais nesses movimentos como o Ocuppy, que também ocorreu aqui em Porto Alegre, parece que não chega a desenvolver uma discussão sobre modelos a serem buscados e paradigmas. Nós estamos passando por uma crise de paradigmas.
JC - O ambientalismo pensa questões de longo prazo. A sociedade não estaria mais preocupada com o curto prazo?
Brack - No ano passado, quando houve o incentivo ao consumo de automóveis e eletrodomésticos, com a redução de IPI, o governo, de certa forma, atuou para contornar a crise econômica, com mais e mais consumo. De certa maneira, grande parte da sociedade ainda está refém de um modelo de consumo, e permanece afastada destas questões. Mas a temática ambiental continua. Talvez até tenha ganhado dimensões, em função das mudanças climáticas, que não tinha há algumas décadas. As mudanças climáticas estão mostrando que causam impactos globais.
JC - Já é possível avaliar a entrada do ex-presidente da Agapan Francisco Milanez no governo do Estado?
Brack - Ainda não ficou muito claro que cargo ele irá ocupar. Hoje (ontem) o Nilvo (da Silva) está assumindo a Fepam. É um cargo, dentro do escopo da secretaria, que não chega a ser o mais importante. Não que não tenha importância. Ficamos frustrados com o fato de na Secretaria Estadual do Meio Ambiente ainda prevalecer a questão  político-partidária, em detrimento de uma trajetória necessária na área ambiental.
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