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Entrevista Especial

- Publicada em 17 de Dezembro de 2012 às 00:00

União transfere gestão de áreas prioritárias, reclama Ziulkoski


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Jornal do Comércio

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, acredita que a solução para as dificuldades financeiras enfrentadas pelos mais de 5,5 mil munícipios brasileiros é uma reforma estrutural. Em entrevista especial ao Jornal do Comércio, o dirigente municipalista garante que somente a regulação de competências sobre arrecadação e execução de políticas públicas poderá solucionar a frequente escassez de recursos. Ziulkoski sustenta que a população está cansada de soluções paliativas e diz que, se necessário, deve ser criada uma Constituinte exclusiva para avaliar a questão.

O representante também critica o governo federal pela sanção de legislações que oneram os munícipios e afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi mais atencioso à causa municipalista do que a presidente Dilma Rousseff (PT). Para o dirigente, existe um tratamento desigual na análise das contas públicas de prefeitos e governadores. Ziulkoski avalia ainda que os gestores que assumirão as prefeituras em janeiro encontrarão administrações municipais “caóticas”, em função da sobrecarga de responsabilidade aos prefeitos. 

Jornal do Comércio - O fechamento das contas municipais é a maior preocupação dos prefeitos neste fim de ano. Qual orientação a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) tem dado aos gestores? 

Paulo Ziulkoski - Há mais de um ano alertamos sobre as dificuldades que seriam encontradas no final do mandato, já mostrávamos o que era a crise mundial e o impacto que teria sobre as contas. Agora, este ano, o que foi colocado nos orçamentos dos municípios do Brasil de previsão para o Fundo de Participação dos Munícipios (FPM) era de R$ 76,9 bilhões. O governo já reestimou esse valor para R$ 68 bilhões, e estamos dizendo que talvez nem chegue a isso. Mas, o problema dos municípios não é o FPM, ele é parte do problema. Todo mundo costuma analisar superficialmente essa questão. Enquanto não for discutida a causa da crise, é como dar “Melhoral”. A questão gravíssima que vai se aprofundar é a crise que eu chamo de estrutural. A federação brasileira não foi regulada e os municípios foram atingidos no âmago da sua gestão de forma quase irreversível. O cidadão precisa ser atendido em áreas como saúde, educação e segurança, e essa responsabilidade tem sido repassada de Brasília, tanto pelo Congresso quanto pelo Executivo, para os municípios, sem os recursos correspondentes para efetuar os investimentos. 

JC - Como exemplificaria essa questão?

Ziulkoski - O piso do magistério é um de tantos exemplos. Todos afirmam que cumprem a lei do piso. Tenho dito que não tem nenhum governador ou prefeito que cumpra a legislação em sua plenitude. O problema é que não se lê o restante da lei, que manda passar o mesmo valor para todos os aposentados, isso porque deputados e senadores agiram de uma forma grave quando transgrediram o artigo 1.517, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que quando tu contrais uma despesa nova, e ela é continuada na gestão pública, tens que indicar a fonte do recurso, que deve ser criação de novos tributos ou aumento ou então diminuição de despesa. Isso vai ficar nos restos a pagar; e talvez já ultrapasse os R$ 50 bilhões. Isso acontece todos os dias em todas áreas, então os municípios têm essa crise estrutural. 

JC – Qual discussão avalia que precisa ser realizada para uma solução a longo prazo?

Ziulkoski - A solução é radical, talvez nós tivéssemos que criar uma Constituinte exclusiva para debater a questão federativa e estabelecer critérios para o funcionamento. Não tem nenhum projeto em andamento para regular as competências comuns à arrecadação e quanto precisa para executar essas políticas. Então, não há uma análise e uma avaliação, e assim não tem solução, acaba caindo em cima das prefeituras. Os novos prefeitos vão entrar em uma situação terrível e terminar em uma situação caótica.

JC – É possível dizer que este não é um problema exclusivo do governo da presidente Dilma Rousseff? 

Ziulkoski – Todos os governos vêm passando por cima disso. Nós temos dados e elementos que podem contribuir para esse debate. Agora, foi Brasília que colocou os municípios nessa situação com as leis votadas, e inviabilizou as gestões municipais. Não vejo solução no horizonte, é um problema gravíssimo, porque a prefeitura trabalha com cidadãos que têm as suas necessidades, e temos que de alguma forma atendê-las. O cidadão mora no município e demanda da prefeitura, ele não conhece o Estado por completo, é um ente abstrato. Se alia a isso também a falta de estruturas técnica e política e a omissão do Estado e da União. 

JC - Qual a sua avaliação a respeito da receptividade do governo Dilma às pautas municipais?

Ziulkoski – O Estado é o mesmo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Lula. Para os municípios, não há diferença entre um governo e outro. Mas o presidente Lula foi às marchas, nos atendeu nos oito anos de mandato. Tivemos vários avanços no governo dele e temos que reconhecer. Agora, atualmente, em função da crise, pelo contrário, nada foi atendido. Estamos pedindo a complementação para a presidenta Dilma para, pelo menos, restituir esse R$ 1,8 bilhão que ela tirou do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de automóveis e da linha branca, pelo menos isso, o que já é nosso e foi tirado pela mão pesada do governo. Agora, quem autorizou o governo a fazer isso? Discutem sobre encher as ruas de carros com uma política que não tem fundamento, e a população cobra do prefeito por que que o governo não investe em ruas e não aumenta as avenidas, por que está tudo engarrafado. 

JC – A divisão dos royalties do petróleo foi uma das grandes reivindicações do ano. Com o veto parcial da presidente Dilma Rousseff esta luta se intensifica?

Ziulkoski – Isso é algo incompreensível. Já votamos cinco vezes essa questão na Câmara, a sociedade brasileira se manifestou amplamente. Respeitamos, porque o veto é legítimo, mas vamos partir agora para a derrubada do veto, impor mais uma derrota ao governo. Não adianta, é um acordo político que existe e que é pago dessa forma pelos brasileiros, mantendo esses privilégios para o Rio de Janeiro.

JC – A CNM tem orientado os municípios para evitar a inscrição em programas dos governos federal e estadual. Por quê? 

Ziulkoski – Estou pregando, há muito tempo, que a solução dos municípios é abandonar os programas federais e estaduais. Os novos prefeitos correm atrás desses programas e se enterram cada vez mais. Alguém tem ideia de quanto custa o Programa de Saúde da Família? Alguém tem ideia de quanto custa para manter uma creche? Isso é gestão. Se perguntar no Brasil, ninguém sabe, nem a maioria dos prefeitos e secretários de Educação sabe. Não há dinheiro para sustentar esses programas. No governo federal, são 390, no total. Aí está o problema das prefeituras, e a sociedade não se apodera desses dados, o próprio legislador age pela emoção e pelo interesse eleitoreiro, muitas vezes. 

JC – Os novos prefeitos estão preparados para fazer esta avaliação?

Ziulkoski – Dos 5.564 municípios, temos 1.505 prefeitos reeleitos, no Brasil. Os novos vão organizar a sua equipe, e quem vai ser secretário da Saúde? Provavelmente, um médico. Mas o que ele entende de gestão? O secretário da Educação pode ser um professor qualificado, que conheça a comunidade, mas o que ele sabe de Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)? Ele sabe como funciona uma creche? Quem fará essa gestão? Quem o prefeito deve nomear? 

JC – Como a CNM tem orientado os novos prefeitos para evitar este tipo de situação?  

Ziulkoski – Em eventos pelo Brasil, orientamos os novos gestores. A primeira ideia que dei foi para que fizessem como o ex-presidente Lula, que deixou R$ 475 bilhões em um fundo do superávit primário e havia R$ 150 bilhões de restos a pagar. Por que que ele não foi incomodado pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Porque ele tinha mais e devia menos, então ele não deixou restos a pagar sem dinheiro em caixa. Quem não tem e deixou restos a pagar, é alcançado pela Lei 10.028, que criminaliza quem transgride a Lei Complementar 101, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, a primeira coisa é constituir um fundo, com uma parte do orçamento, e não mexer até o final do mandato. Quando chegar ao final, tu poderás tapar um furo eventual. A maioria não consegue fazer isso, porque o dinheiro que entra em caixa é pago na hora, o prefeito não tem nada em caixa. 

JC – Em 2013, os prefeitos de municípios com menos de 50 mil habitantes precisam se adaptar a Lei de Responsabilidade Fiscal e publicar em seus portais dados orçamentários. Como avalia este processo? 

Ziulkoski – No Brasil, 4.300 municípios têm perfil agropecuário, que estrutura eles podem ter se, morando em uma capital, às vezes, o celular não funciona? Imagina, no Interior, como funciona a internet. Não estou justificando, acho que o prefeito tem que assumir. Só que essas leis são para inglês ver, para enganar. Fazer a lei e fiscalizar é função do legislador, só que ele tem que ser responsável por fazer leis que possam ser cumpridas, e não leis que sejam uma ilusão. Não adianta escrever, tem que ter dinheiro e qualificar os gestores.

JC – O Executivo estadual encaminhou o orçamento para 2013 com a indicação dos 12% constitucionais para a saúde. Acredita que será cumprido?

Ziulkoski – Escrever, tudo é escrito. E quem cumpriu até agora? Se não cumpriram, quem examinou essas contas e por que as aprovaram? Por que alguém que deve fiscalizar aprova contas de quem não cumpre? Esse é o verdadeiro problema. O Rio Grande do Sul é o pior estado do Brasil na saúde. Mas, todo ano, as contas do governador são aprovadas, porque dizem que não existe dinheiro para cumprir. Passando pelos governadores Olívio (Dutra), (Germano) Rigotto, Yeda (Crusius) e Tarso (Genro), foram mais de R$ 7 bilhões que não foram aplicados na saúde. Se aplicassem a lei nesses gestores, fiscalizassem de forma adequada, todos seriam fichas-sujas. 

JC – Como o senhor avalia o projeto de lei do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para elevar a multa aos prefeitos que tenham cometido irregularidades durante atuação na função pública? 

Ziulkoski – Acredito que tem que haver uma atualização, mas não da forma que o TCE fez. Eu gostaria que todos que transgredissem a lei fossem penalizados, não apenas os prefeitos, mas os demais agentes públicos, de outras esferas de poder. Não pode ser uma lei apenas para os pequenos.  

JC – Qual a pauta de reivindicações prevista para 2013? 

Ziulkoski – Nós continuamos com a pauta, algumas coisas vão sendo vencidas e outras são recorrentes e, cada vez, se aprofundam mais. Acho que o grande debate tem que ser feito, não adianta mais ficar dando “Melhoral”. Está na hora, a população está esgotada, ninguém tem mais paciência, chega de enganação. Não sou pessimista, procuro ser realista, precisamos de uma reforma estrutural para solucionar o problema federativo. 

Perfil

Paulo Ziulkoski é advogado e presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Foi eleito prefeito de Mariana Pimentel (RS) em 1992 e 2000. No âmbito da representação municipalista, atuou em outras entidades, ocupando a presidência da Federação das Associações dos Munícipios do Rio Grande do Sul (Famurs), em 1996-1997 e 2002-2003, e a vice-presidência da Federação Latino-americana de Cidades, Municípios e Associações de Governos Locais. Foi membro fundador do Fórum de Governança Local de Índia, Brasil e África do Sul e é membro do Unacla - único comitê sugestivo de autoridades locais para as Nações Unidas. Seu ingresso na vida pública aconteceu na presidência do setor jovem estadual gaúcho do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ainda no período da ditadura militar. Na mesma época, assumiu a presidência nacional do setor jovem, na qual desenvolveu liderança política voltada para o movimento municipalista. Hoje, é filiado ao PMDB. 

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