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Legalidade - 50 anos

- Publicada em 31 de Agosto de 2011 às 00:00

Livro destaca o papel do rádio na Campanha da Legalidade


GABRIELA DI BELLA/JC
Jornal do Comércio
O jornalista e escritor Juremir Machado da Silva conta em Vozes da Legalidade - política e imaginário na era do rádio (Editora Sulina, 4ª edição) a resistência à tentativa de golpe militar em 1961. O livro-reportagem recém-lançado faz o relato pela voz dos protagonistas da história e de testemunhas oculares da Campanha da Legalidade. O movimento foi liderado pelo governador Leonel Brizola, a favor da posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto daquele ano. Juremir observa que a mobilização não teria alçando a força necessária sem a Rede da Legalidade, cadeia de rádios que emitia os discursos de Brizola dos porões do Palácio Piratini, onde ficava o setor de imprensa do governo. O rádio foi o elemento de coesão entre o líder Brizola e a população disposta a resistir pela legalidade da posse de Jango.
O jornalista e escritor Juremir Machado da Silva conta em Vozes da Legalidade - política e imaginário na era do rádio (Editora Sulina, 4ª edição) a resistência à tentativa de golpe militar em 1961. O livro-reportagem recém-lançado faz o relato pela voz dos protagonistas da história e de testemunhas oculares da Campanha da Legalidade. O movimento foi liderado pelo governador Leonel Brizola, a favor da posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto daquele ano. Juremir observa que a mobilização não teria alçando a força necessária sem a Rede da Legalidade, cadeia de rádios que emitia os discursos de Brizola dos porões do Palácio Piratini, onde ficava o setor de imprensa do governo. O rádio foi o elemento de coesão entre o líder Brizola e a população disposta a resistir pela legalidade da posse de Jango.
Jornal do Comércio - O senhor comenta que a Rede da Legalidade foi o último grande ato da era do rádio.
Juremir Machado da Silva - A Legalidade foi o último levante brasileiro da era do rádio. Sem o rádio não teria acontecido grande coisa. A sacada genial do Brizola foi a requisição da rádio Guaíba e a constituição da Rede da Legalidade. Brizola tinha experiência pelo programa na rádio Farroupilha nas sextas-feiras. Na verdade, ele gostava e tinha familiaridade com o microfone. E quando a situação se apresentou, exigindo dele um discurso inflamado e a intimidade com o microfone, ele funcionou muito bem. O rádio na época foi tão importante que pode ser comparado hoje com as redes sociais nessas rebeliões no mundo árabe. Precisava um elemento tecnológico que mobilizasse a população e tivesse instantaneidade.
JC - Com capacidade de alcance e de mobilização.
Juremir - Os discursos são inflamados, mobilizadores, apaixonados, estão em sintonia com o espírito da coisa. Então, funcionou muito bem, senão ele ficaria isolado sem capacidade de comunicação com a massa. Há um cruzamento muito interessante: Brizola sozinho não conseguiria fazer muito; a população sem um líder não iria muito longe. Então, entre o líder e os liderados tem um elemento de ligação que é o rádio. Houve o encontro entre um líder carismático e uma população disposta a ser mobilizada. Isso foi determinante. Foi quando começou a se virar o jogo, porque a opinião pública contou muito, até na pressão sobre alguns atores sociais, cuja posição inicial era contrária como o general Machado Lopes, comandante do III Exército. Inicialmente, ele fica com a hierarquia, mas a pressão foi tão violenta... Ele sabia o que estava sendo veiculado pelo rádio, via a população mobilizada em Porto Alegre, havia os outros generais que aderiram e que disseram que ficariam com a Constituição e com Brizola.
JC - Também houve forte mobilização dos jornalistas.
Juremir - Em 1961, os jornalistas e radialistas aderiram mesmo. Inclusive, foi das poucas vezes na história do Brasil em que a mídia não foi conservadora. Se engajou do lado justo, verdadeiro. Houve uma sintonia perfeita entre a população, a imprensa e as lideranças políticas. Foram poucos os jornais brasileiros que fizeram campanha pelo golpe, por exemplo, a Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda (governador do estado da Guanabara e oponente de Jango), e o Estado de S. Paulo, pelo seu conservadorismo. Não é à toa que o Estado de S. Paulo e a revista Veja, também conservadora, agora não estão fazendo matérias sobre os 50 anos da Legalidade. Estão abordando o cinquentenário da renúncia do presidente Jânio Quadros. É como contar a história pelo avesso, quando o importante é como, através da Legalidade, se evitou um golpe militar.
JC - Machado Lopes adotou uma posição controversa.
Juremir - Jânio, Jango e Machado Lopes vivem um conflito pessoal muito grande. Fico imaginando a crise interior de Machado Lopes, tendo que escolher entre a hierarquia militar, para a qual ele tinha sido formado - era muito conservador, anticomunista, não gostava do Brizola - e a tomada de uma decisão que contrariava toda a sua inclinação. O mesmo aconteceu com Jango em Montevidéu quando ele teve de decidir se aceitava ou não a solução parlamentarista. Ele sabia que seria chamado de frouxo, iria frustrar seus principais aliados, como frustrou até o Brizola, que não foi nem na posse. Jango deu um pouco o seu troco no discurso de posse, citou todo mundo menos Brizola.
JC - Já há uma revisão dos brizolistas sobre as críticas a Jango...
Juremir - O próprio Brizola fez a revisão. Achava até o fim da vida que dava para ter resistido mais e, quem sabe, ter tomado Brasília e chegado ao poder no presidencialismo. Mas chegou a admitir que Jango fez a coisa certa, porque se tratava de Jango chegar ao poder, o que era legítimo, mas não com banho de sangue. Acabou sendo uma estratégia que deu certo. Ele cedeu, aceitou o parlamentarismo, mas na emenda parlamentarista tinha um item que garantia o plebiscito. E em 6 de janeiro de 1963, foi restabelecido o presidencialismo. Olhando hoje, Jango deu um passo atrás para dar dois à frente. Menos de um ano e meio depois, retomou os seus poderes presidenciais. O sujeito aceita o parlamentarismo, é frustrante; evita a guerra civil, é ótimo; e um ano e pouco depois retoma seus plenos poderes por voto da população, é a redenção. O problema é que depois veio o golpe militar de 1964.
JC - A propósito das características pessoais, quanto teve da personalidade de Brizola na Campanha da Legalidade?
Juremir - Foi 100% a personalidade de Brizola. Era um espírito de fogo. Sujeito intempestivo, impulsivo, corajoso, destemido. Mesmo para a época, era um homem jovem, de 39 anos, e estava fazendo um governo que mostrava a ousadia dele, com encampação de multinacional... Tinha a tendência para o conflito. Há pessoas que fogem do conflito, ele era combativo. Jango era o contrário, preferia negociar. Brizola não tinha problema em entrar em conflito. Quando ele começa a resistência na Legalidade, as condições objetivas são mínimas e ele ousa e, por isso, as condições vão se criando. Depois, quando a rede de rádio se forma, ele ganha a batalha da opinião pública e, com a adesão do III Exército, começa a ter força militar. Então, a partir de algo improvável, com sua personalidade forte, ele foi gerando condições objetivas para a resistência. É o grande líder, sem ele não teria acontecido nada. E os discursos são maravilhosos.

Filha de Breno Caldas resgata placa entregue por Brizola

Guilherme Kolling

Nilza Caldas encontrou objeto do pai em escritório FOTO JOÃO MATTOS/JC

Nilza Maria Kessler Caldas foi mãe em abril de 1961, quatro meses antes da Campanha da Legalidade. Por isso, não acompanhou tanto o movimento pela posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto daquele ano.
A rádio Guaíba, cujo dono era seu pai, Breno Caldas, teve papel decisivo no movimento, já que foi o canal pelo qual o governador Leonel Brizola divulgou seus discursos e iniciou a Rede da Legalidade.
Cinquenta anos depois do episódio, já com a dimensão histórica dos acontecimentos, Nilza Caldas teve uma grata surpresa no início de 2011 ao encontrar um objeto interessante sobre aquele período: a placa entregue por Brizola à rádio em reconhecimento aos serviços prestados pela Guaíba.
“Rede Nacional da Legalidade: Esta emissora prestou relevantes serviços ao povo e à Nação, integrando, a despeito de ameaças e violências, a Rede Nacional da Legalidade, na defesa da Ordem da Democracia e da Constituição”, diz o texto da placa, assinada pelo Eng. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, com data de agosto-setembro de 1961.
O fato ganha mais relevância porque as relações entre Breno Caldas e Leonel Brizola não eram as melhores. Mesmo assim, Nilza conta que o ex-governador foi visitar o dono da Companhia Jornalística Caldas Jr. quando ele estava doente, pouco antes de falecer, em 1989.
A placa foi descoberta por ela após a venda do haras do Arado, em Belém Novo, em Porto Alegre. A família Caldas negociou o imóvel no início deste ano. Coube a Nilza a tarefa de organizar os pertences pessoais deixados pelo pai em um escritório. “Tinha muita coisa, cartas, nossos boletins escolares, até canhoto de talão de cheque. E lá encontrei esta relíquia”, conta Nilza.

Cadeia da Legalidade teve mais de 100 emissoras

A cadeia de rádios que foi o veículo em que se cobrou o respeito à Constituição e a posse do vice-presidente João Goulart na presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros chegou a contar, em poucos dias, com mais de 100 emissoras, incluindo rádios na Argentina e no Uruguai.
Mas a operação, idealizada pelo governador Leonel Brizola, começou de forma quase amadora. O técnico da Rádio Guaíba Celso Costa, hoje com 81 anos, foi protagonista na operação.
Chamado ao escritório do empresário Breno Caldas, dono dos veículos da Companhia Jornalística Caldas Jr., foi informado de que a rádio havia sido requisitada pelo governador. O empresário pediu a Costa que ele chamasse o engenheiro Homero Simon para instalar os equipamentos no Palácio Piratini, de onde seriam feitas as transmissões.
Simon era chefe de Costa na Guaíba, mas naquele dia não estava em Porto Alegre. Era domingo, dia 27 de agosto de 1961. A urgência da tarefa levou Costa a montar a transmissora com móveis e equipamentos de sua própria casa: um toca-discos, algumas mesas e cadeiras. “Tudo foi feito de forma muito rudimentar”, conta.
Às 15h30min, menos de quatro horas após a rádio ter sido requisitada, Brizola fez seu primeiro pronunciamento. “Dali em diante, era um discurso a cada hora, até de noite. Durante a madrugada foram menos falas, com intervalos de duas ou três horas entre cada uma”, relata Costa.
O jornalista Carlos Bastos observa que Breno Caldas pediu a Costa que o som não passasse pela rádio, que saísse do Palácio Piratini e fosse direto para os transmissores da Ilha da Pintada. Foi possível porque a Guaíba já havia requisitado à CRT duas linhas para instalar no Palácio Piratini por causa da visita do presidente Jânio Quadros à Capital gaúcha, prevista para aquele período.
No primeiro dia, as transmissões se limitaram a Porto Alegre e cidades vizinhas. Mas, na segunda-feira, Simon, já de volta, reposicionou os transmissores, e os discursos atingiram o Brasil Central. Para que os políticos de Brasília pudessem acompanhar os pronunciamentos, Costa viajou para a capital federal, no dia 29, quando pôs uma rádio local em frequência com a Guaíba. “Foi a pedido dos deputados federais, que estavam completamente desinformados.”

Um “foca” no Porão da Legalidade

Roberto Brenol Andrade
Tão logo percebeu que os militares não pretendiam cumprir a Constituição após a renúncia do presidente Jânio Quadros, o governador Leonel Brizola tratou de gritar ao Rio Grande que estava se armando um golpe contra a posse do vice-presidente João Goulart.
O dr. Breno Caldas - e ai de quem não o chamasse de “doutor”, não por ele, mas algo alimentado pelos seus auxiliares! -, da então mais do que toda-poderosa rádio Guaíba, colocou a emissora sob o comando do governo.
A Guaíba, após a Copa do Mundo de 1958, transmitida de maneira pioneira no rádio gaúcho pela emissora da Caldas Jr., inovando ao não aceitar “jingles”, era o sonho de trabalho de todos os jornalistas. Fui admitido no Departamento de Notícias mediante singular concurso feito pelo recentemente falecido jornalista Flávio Alcaraz Gomes.
Em agosto de 1961, houve a requisição oficial do governo para usar a emissora e lá foram os noticiaristas e locutores trabalhar no que seria conhecido como o Porão da Legalidade, no Palácio Piratini.
Os dias se passaram, o apoio popular era total, milhares de pessoas na Praça da Matriz e a Rede da Legalidade inflamando a mente e os corações dos gaúchos e brasileiros. No Porão da Legalidade, a disputa pelo microfone começou a ficar acirrada. Pessoal de outras emissoras se juntava à equipe da Guaíba, e ler os boletins feitos pelos redatores era uma disputa quase a tapa.
Para mim, pelo menos, foi, eis que o Éldio Macedo, da Gaúcha, praticamente me arrancou o microfone das mãos quando o recebi de um colega da Guaíba para ler a resenha seguinte. Novato, 20 anos, não resisti. Afinal, ele e os demais eram todos conhecidos, alguns “velhos”, na faixa dos 30/40 anos!
Para mim restou um gosto de aventura, de estreia “por cima” em uma cobertura jornalística na mais famosa emissora do Rio Grande do Sul, misturado a nomes que marcaram a minha vida para sempre na área profissional. E muita emoção.
Chegar em casa e falar aos meus pais sobre as horas passadas no Piratini foi “a glória”. Na juventude não se pensa em perigos, o futuro está muito longe e a possibilidade de morte só existe para os outros. Por tudo isso valeu demais ter estado no Porão da Legalidade.
Eu, um anônimo aspirante, conheci nomes memoráveis do rádio quando fui trabalhar na Guaíba ao lado de meu irmão, Renato Brenol Andrade, que estava na emissora desde 1957, quando entrara no ar em caráter experimental, como era hábito na época, por um mês. Se não me engano, também estavam lá Isnar Ruas, Riegel Junior, Remy Gorga Filho, Orlando Lioto e Petrônio Cabral, entre outros. E Jorge Alberto Mendes Ribeiro, Pedro Carneiro Pereira, Adroaldo Streck, Amir Domingues, Enio Berwanger, Antonio Gabriel, o Mestre Estrela, Naldo Charão de Freitas, os irmãos Lantieri, Luis Carlos e Enio, Sérgio Schüller, Carlos Eduardo Bergman e Lasier Martins. Uma constelação de locutores e noticiaristas aos quais se somaram, depois, Armindo Ranzolin, Antonio Augusto, Lauro Quadros e Ruy Ostermann. A seleção musical era feita pela dupla Osmar Meletti e o também há pouco falecido Fernando Veronezi.
Daqueles grandes nomes, está em plena atividade Milton Ferreti Jung, o último dos locutores de notícias tradicionais, na linha de um Heron Domingues e Lauro Hagemann, estes que foram o Repórter Esso da televisão pioneira e da Farroupilha. Nada mais que um “foca” no meio dos astros. Mas como foi bom e um tempo feliz de aprendizado!
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