Rafael Mihailovici
O trigo brasileiro enfrenta uma contradição. Apesar de o País contar com um consumo interno estável e crescente, o preço dessa cultura ainda é amplamente definido pela paridade com o mercado internacional, especialmente com a Argentina, ao invés de refletir a eficiência produtiva nacional. Isso cria um ambiente onde o produtor brasileiro não recebe o incentivo necessário para investir em tecnologia e inovação, o que resulta em um gargalo estrutural, e não produtivo. O modelo atual de precificação coloca em risco o desenvolvimento de uma cultura que poderia ser muito mais competitiva e sustentável no mercado interno.
Entre janeiro e setembro de 2025, o Brasil importou 5,218 milhões de toneladas de trigo, o maior volume para o período desde 2013, de acordo com dados do ComexStat. Apesar da demanda interna consumir 13 milhões de toneladas, a produção está concentrada na região sul (90%) e a demanda das regiões Sudeste e Nordeste representa 55% do consumo nacional. A distância, meio de transporte e impostos interestaduais acabam inviabilizando a circulação domesticamente e o trigo importado acaba chegando mais competitivo nessas regiões do que o próprio trigo produzido no País.
O modelo de precificação, que ainda é influenciado pelo preço internacional, desestimula a adoção de novas tecnologias, como sementes certificadas, fertilizantes de última geração e práticas de irrigação. O problema não está na falta de demanda, mas sim na dificuldade de capturar valor da porteira para dentro.
Em comparação, países como os Estados Unidos adotam uma abordagem diferente, considerando a eficiência produtiva interna ao formar os preços do trigo. Nos EUA, apesar de desafios como seca e uma redução na área plantada, os produtores mantêm sua rentabilidade por meio da adoção de práticas agrícolas avançadas. A produção americana de trigo chega a 1,927 milhão de bushels (aproximadamente 52,7 milhões de toneladas, com um rendimento de 52,7 bushels por acre).
Na União Europeia, a formação de preços também reflete a capacidade produtiva interna. Mesmo com uma produção recorde, com um aumento de 13% na safra de trigo, os preços se estabilizaram em torno de € 200 a € 215 por tonelada, um reflexo da oferta abundante e das dificuldades enfrentadas no comércio internacional. Esse modelo permite que os produtores europeus continuem a investir em tecnologias de ponta, mantendo sua competitividade.
A verdadeira mudança para o trigo brasileiro só ocorrerá quando o preço interno for ajustado para refletir a eficiência do produtor nacional. Atualmente, a formação de preços não tem uma bolsa ou praças de referência que reconheçam adequadamente o valor da produção interna, criando uma distorção entre cidades e estados. Quando o preço do trigo for ajustado de maneira que recompense a qualidade e a consistência da produção nacional, os agricultores brasileiros terão o incentivo necessário para investir.
O Brasil, um País gigante que possui terras e clima adaptáveis para todas as culturas de grãos e se tornou referência para produção mundial de soja e milho, ainda enfrenta dificuldades de se tornar autossuficiente no trigo. Para isso, no entanto, é necessário um modelo de precificação que recompense a produção eficiente e não dependa das flutuações do mercado internacional.
Ao alinhar a remuneração com a produtividade e qualidade internas, o País pode aproveitar sua grande capacidade produtiva para capturar valor no mercado doméstico e fortalecer sua posição no mercado global. A mudança não dependerá de subsídios governamentais, mas sim de um ajuste no preço que valorize quem entrega padrões industriais consistentes. Somente assim a produtividade no setor de trigo crescerá, se retroalimentando com mais investimento, inovação e eficiência.
Wheat Head da OpenSolo