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Publicada em 02 de Outubro de 2025 às 14:00

Práticas abusivas no planejamento patrimonial

Ana Clara Martins Fernandes, advogada especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório e Família e Sucessões no Briganti Advogados

Ana Clara Martins Fernandes, advogada especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório e Família e Sucessões no Briganti Advogados

Divulgação/JC
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Ana Clara Martins Fernandes
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O planejamento patrimonial é um mecanismo legítimo para que as famílias e formadores de patrimônio possam garantir a perenidade dos bens. Todavia, é fato que existe uma linha tênue entre o que é permitido como ferramenta de eficiência e o que é considerado planejamento abusivo.
Exemplo disso é a recente operação que a Receita Estadual do Rio Grande do Sul, implementou um programa de autorregularização para coibir planejamentos sucessórios considerados irregulares como é o caso do denominado sistema de Holding de 3 Células.
Essa estrutura de “Holding de 3 Células” – amplamente divulgada em redes sociais como uma promessa e o segredo para a redução de tributos – é um exemplo de abuso de planejamento com o intuito de reduzir artificialmente o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) em operações de planejamento sucessório.
Este sistema envolve a constituição de três entidades jurídicas distintas: Célula Destino – Responsável por receber as quotas doadas aos sucessores; Célula Cofre – Destinada à integralização do patrimônio; e Célula Veículo – Criada com capital formado por quotas subavaliadas da célula cofre, posteriormente transferida à célula destino mediante simulação de compra e venda.
Apesar da aparente sofisticação da estrutura, o Fisco do Rio Grande do Sul classificou a operação como planejamento tributário abusivo. A fundamentação está na ausência de qualquer propósito negocial ou operacional legítimo por parte dos grupos econômicos constituídos, sendo certo que a única finalidade da engenharia societária é a redução artificial do valor dos bens para fins de apuração do ITCD.
Além disso, a estrutura se vale de atos que são simulados, como por exemplo, a compra e venda de ativos por preço vil entre pessoas do mesmo núcleo familiar, muitas vezes de ascendentes para descendentes (pai para filhos) com o objetivo de se furtar do pagamento de ITCD.
Similar a esta estrutura é a chamada Holding Cofre. O formador de patrimônio aporta os imóveis no capital social para constituir a Holding Patrimonial (“Cofre”), e em uma segunda estrutura classificada como Holding Operacional, são recebidos os alugueres dos imóveis detidos pela empresa Cofre. Essa operação seria possível diante de um contrato de comodato entre as duas empresas. Assim, em tese, há argumentos jurídicos para requerer a imunidade do ITBI na integralização dos imóveis na Holding Cofre, por não haver receita imobiliária nesta sociedade.
Este sistema poderá servir como um paradigma para a fiscalização por outros estados da federação, que podem entender a abusividade desta estrutura. Haja vista que quando a motivação exclusiva é a economia tributária por meio de mau uso de formas e estruturas jurídicas válidas, desacompanhada de uma substância econômica, a operação torna-se vulnerável e pode ser desconsiderada pelas autoridades fiscais, haja vista a classificação do abuso de forma e de direito.
O envolvimento em práticas de planejamento tributário consideradas abusivas acarreta uma série de riscos e implicações significativas para os contribuintes.
A principal delas é a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos pela autoridade fiscal. Isso implica na exigência do tributo que seria originalmente devido, acrescido de multas variando, em geral, de 75% a 150% sobre o valor do tributo não recolhido e juros.
No contexto da “holding 3 células”, a Receita Estadual já está procedendo à notificação dos contribuintes e estabelecendo um prazo para a autorregularização, sob pena de instauração de procedimento de ação fiscal.
O planejamento tributário, quando conduzido com discernimento e em estrita observância aos preceitos legais, constitui-se em uma ferramenta indispensável para a gestão financeira e estratégica de qualquer entidade ou núcleo familiar. Contudo, a legítima busca pela redução da carga fiscal não pode, em hipótese alguma, sobrepor-se aos princípios da legalidade e da boa-fé.
Advogada especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório e Família e Sucessões no Briganti Advogados

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