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Publicada em 05 de Setembro de 2025 às 14:00

A PEC 66 e o papel da jurimetria na gestão da incerteza judicial

Alexandre De Chiara, head jurídico da Artemis, startup especializada em tecnologia e inteligência na originação de crédito no mercado de ativos judiciais

Alexandre De Chiara, head jurídico da Artemis, startup especializada em tecnologia e inteligência na originação de crédito no mercado de ativos judiciais

Divulgação/JC
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Alexandre De Chiara
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A morosidade no pagamento de precatórios se tornou um símbolo da disfunção fiscal e judicial no Brasil. Enquanto credores, muitos em situação de vulnerabilidade, aguardam por anos ou até décadas, a Justiça parece inerte diante de um problema que é, em essência, de gestão. Nesse cenário, a jurimetria emerge como uma ferramenta estratégica para injetar previsibilidade em um sistema que deveria ser eficaz.
A base desse sistema está no Artigo 100 da Constituição Federal de 1988, que busca equilibrar o direito dos credores com a responsabilidade fiscal do Estado. A norma exige que os pagamentos sejam incluídos no orçamento público em ordem cronológica. Na prática, porém, essa regra não impediu que a fila se tornasse imensa. O Estado de São Paulo, por exemplo, ainda deve precatórios de 2011. Essa demora, que chega a 14 anos, é o que impulsiona o mercado de negociação, fazendo com que os credores optem por ceder seus créditos, mesmo com deságio, para não enfrentar décadas de espera.
A recente PEC 66, em fase avançada no Senado, propõe novos limites e flexibilizações para os pagamentos de precatórios municipais, permitindo parcelamentos de até 20 anos. Embora possa parecer um alívio fiscal, a medida traz um sério risco de insegurança jurídica. A extensão desses prazos pode levar a deságios maiores no mercado e à desvalorização de ativos judiciais, comprometendo o próprio direito do credor. 
É nesse contexto que a jurimetria deixa de ser apenas um apoio e se torna um pilar importante. No setor público, ela permite mapear precatórios prioritários, automatizar a ordem cronológica e garantir mais eficiência na liberação de pagamentos. No setor privado, auxilia investidores a identificar municípios com maior risco de inadimplência, precificar corretamente o deságio e definir estratégias de compra com base em análise preditiva. A tecnologia, neste caso, não substitui a lei, mas a fortalece.
O uso da jurimetria já tem influenciado o Judiciário. O caso da ACPCiv 0010531-94.2023.5.03.0111, no qual o uso de dados por uma empresa foi questionado e validado, mostra como a Justiça começa a reconhecer a legitimidade dessa ferramenta para decisões estratégicas. Ferramentas jurimétricas podem, inclusive, ajudar o próprio Judiciário a identificar temas repetitivos, monitorar varas com gargalos e fortalecer a gestão da prestação jurisdicional, auxiliando a navegação em um cenário de incerteza jurídica após o cancelamento de súmulas, por exemplo.
O caminho, no entanto, é desafiador. A resistência institucional e a complexidade da legislação criam barreiras para a adoção plena desse modelo. Além disso, há lacunas regulatórias sobre o uso de dados sensíveis e a ética no tratamento de decisões judiciais. O futuro da jurimetria depende, portanto, de uma modernização normativa e de uma mudança na cultura das instituições.
Ao final, a questão que se impõe é menos sobre tecnologia e mais sobre justiça. Se a função jurisdicional é entregar de forma efetiva, célere e justa, a jurimetria deve ser vista não como um acessório, mas como um instrumento fundamental para a garantia constitucional. É tempo de alinhar dados, direito e responsabilidade pública, e devolver ao credor a confiança em um Estado que, mais do que prometer, deve cumprir.
Head Jurídico da Artemis, startup especializada em tecnologia e inteligência na originação de crédito no mercado de ativos judiciais
 

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