Sofia Cavedon
A proposta de Parceria Público-Privada (PPP) para a Usina do Gasômetro, recém-reformada com R$ 25,9 milhões de recursos públicos, configura um contrato desequilibrado e arriscado para a cidade. Os números revelam uma lógica perversa: enquanto os cofres municipais bancaram a revitalização do patrimônio, a iniciativa privada aportará apenas R$ 7,9 milhões em 20 anos – menos de R$ 33 mil mensais. Pior: o edital ainda obriga o poder público a pagar contraprestações trimestrais que podem somar R$ 95 milhões ao longo do contrato, transformando o “investimento privado” em subsídio disfarçado.
O conflito jurídico agrava o cenário. O prédio pertence à União desde 1959, cedido à Prefeitura em 1982 sob cláusula que restringe seu uso a “logradouro público”. A Superintendência do Patrimônio da União (SPU) já advertiu que não autorizou a privatização e o atual convênio veda a gestão por terceiros. A insistência no modelo gera insegurança jurídica e risco de anulação futura.
Culturalmente, o edital abre brechas para a elitização. A permissão de cobrança em “eventos exclusivos” pode excluir parte da população, replicando o ocorrido em outros espaços sob gestão privada, onde ingressos alcançaram valores proibitivos. A ênfase em exploração comercial (restaurantes, lojas) ameaça desvirtuar o caráter cultural do espaço, historicamente voltado a manifestações artísticas acessíveis para o povo.
Economicamente, a justificativa de "eficiência" não se sustenta. O custo anual da gestão pública direta é estimado em R$ 6 milhões, enquanto a PPP consumirá até R$ 4,9 milhões/ano em repasses, sem contabilizar os recursos públicos já investidos na reforma. A prefeitura estima que os futuros “parceiros” do espaço terão receitas na casa dos R$ 9 milhões, ou seja, o município abrirá mão de uma receita, ficando apenas com o ônus da manutenção do espaço.
Alternativas foram ignoradas, como modelos de gestão compartilhada com participação social, editais públicos para artistas locais e transparência no uso de recursos. Entrega-se um patrimônio simbólico recém restaurado com dinheiro público a um modelo que onera os cofres municipais, desrespeita restrições legais e ameaça o acesso à cultura. Um mau negócio que Porto Alegre pagará por décadas.
Deputada estadual do PT/RS