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Publicada em 17 de Agosto de 2025 às 18:52

A Justiça sem rosto

ARTE/JC
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Dartagnan L. Costa
Dartagnan L. Costa
Estamos nos aproximando de transformar o Direito em um deserto. A Inteligência Artificial, vendida como solução milagrosa para a morosidade judicial, já ameaça engolir não apenas advogados, mas também juízes. O que se anuncia é um tribunal sem rosto, sem alma e sem compaixão, onde decisões serão assinadas por máquinas que jamais sentiram o peso de uma injustiça.

O discurso oficial é sedutor: “celeridade”, “eficiência”, “redução da carga processual”. Mas basta olhar por trás da cortina para ver o real perigo — a substituição da análise humana por estatísticas e padrões programados, que tratam dramas reais como meros códigos. Um processo não é um arquivo digital; é a vida de alguém, com todas as suas complexidades e contradições.

O que importa não será a verdade, mas sim a capacidade de cumprir metas. E há ainda um risco pior, que pouco se fala: algoritmos não nascem neutros. Eles são “treinados” com decisões antigas, alimentados por um passado que carrega preconceitos, distorções e injustiças sedimentadas ao longo de décadas. Ao invés de corrigir essas falhas, a máquina as cristalizará, transformando erros humanos em verdades matemáticas. O que antes era uma injustiça pontual proferida por um Tribunal, agora poderá se multiplicar milhares de vezes, com velocidade e escala industriais.

É a reprodução em massa de vícios processuais, desigualdades sociais e visões parciais de mundo, mas com a frieza de quem não hesita, não reflete e não se arrepende.

A advocacia e a magistratura, com todos os seus defeitos, ainda são guardiãs da dimensão humana da Justiça. Retirá-las do centro do processo é amputar a única parte capaz de ponderar, compreender e até mesmo perdoar.

O Direito nasceu para proteger o homem do arbítrio. Entregar esse poder a máquinas significa assinar a certidão de óbito da Justiça como a conhecemos. 
O risco não é apenas técnico; é civilizatório. No dia em que aceitarmos que um software passe a decidir, estaremos dizendo que a vida humana pode ser julgada sem que um ser humano sequer a tenha olhado nos olhos. E esse será o dia em que todos nós, advogados ou não, nos tornaremos reféns de um juiz
que nunca existiu.
CEO de Dartagnan & Stein Sociedade de Advogados

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