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Publicada em 10 de Julho de 2025 às 19:00

Brasil: o parlamentarismo que já vivemos

Mateus Wesp, doutor em Direito Público

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Divulgação/JC
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Mateus Wesp
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O Brasil experimenta, mais uma vez, uma de suas maiores ironias políticas: vive um parlamentarismo na prática, sem jamais tê-lo assumido na Constituição. A consequência negativa desta ironia é que esta realidade não nos leva à racionalidade de um modelo maduro de governabilidade, mas sim a uma versão confusa, sem responsabilização clara.
Hoje temos uma forma de governo que mistura a autocracia de um Executivo hipertrofiado — que concentra Estado, governo e administração numa só função — com uma aristocracia de toga, onde o Judiciário amplia suas funções e politiza o que deveria ser resolvido por quem tem voto. Fecha-se o quadro com uma demagogia parlamentar, que mostra força contra o Executivo, mas foge de decisões responsáveis e consequentes.
Nossos melhores juristas sempre alertaram: governo e parlamento devem coexistir sob o mesmo risco — se o governo não tem apoio, cai; se o parlamento bloqueia tudo, dissolve-se. Assim se protege a democracia e se evita a paralisia que alimenta aventuras autoritárias.
Os mesmos juristas também apontavam o risco de concentrar chefia de Estado, chefia de governo e toda a máquina administrativa numa única figura. Tudo passa pela mesma caneta, mas nada se resolve sem um Congresso que negocia cada voto, muitas vezes sem assumir o custo político.
A degeneração institucional se completa quando cada poder ocupa o espaço do outro: o Executivo governa por decreto, o Parlamento executa o orçamento, o Judiciário legisla por decisão monocrática. O que deveria coexistir em sistema de contrapesos acaba envergando com o sobrepeso de quem grita mais.
O resultado é um sistema onde ninguém responde plenamente pelos custos do poder. O Executivo governa sem força, o parlamento governa sem ônus, o Judiciário governa sem voto. E a sociedade fica refém de crises fabricadas em Brasília.
É hora de encerrar a simulação. Se queremos um governo funcional em um Estado de bem-estar social, o caminho não passa mais pelo presidencialismo puro. Ou se assume de forma clara o parlamentarismo — com responsabilidade recíproca — ou se adota um semipresidencialismo realista, como ocorre na França e em Portugal: chefia de Estado forte, chefia de governo responsável perante o parlamento, voto de confiança e possibilidade de dissolução parlamentar quando necessário.
Entre um modelo e outro, o que não se pode mais sustentar é esse híbrido disfuncional — uma autocracia, uma aristocracia e uma demagogia, misturadas, que corroem a democracia.
Doutor em Direito Público
 

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