Diógenes Guimarães Zãn
A maioria esmagadora das vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) no Rio Grande do Sul não recebe o tratamento que pode salvar vidas e reduzir sequelas. Embora seja um problema de saúde pública, sua raiz não está apenas na saúde — está, sobretudo, na educação. O tratamento em questão — que desentope artérias cerebrais — tem comprovação científica há mais de três décadas e está disponível na rede pública. Ainda assim, conforme dados do DATASUS de 2024, das 18.569 pessoas acometidas por AVC no estado, apenas 4,6% foram tratadas. A pergunta se impõe: por quê 95,4% ficaram sem?
Dois fatores ajudam a explicar. O primeiro é o tempo. Uma artéria entupida exige ação imediata — o tratamento deve ser feito em até 4h30min. Após, os neurônios morrem e o que poderia ser evitado acaba por se consolidar em sequelas. O segundo fator é a dificuldade em reconhecer os sinais do AVC. Ao contrário do que muitos imaginam, dor de cabeça ou no peito não são sintomas típicos. Os mais frequentes e, ainda desconhecidos por grande parte, são: boca torta, fala embaralhada e fraqueza em um dos lados do corpo.
Pesquisa conduzida em 2019 comprovou essa realidade: mais de 41% dos pacientes com sintomas iniciais de AVC não buscaram ajuda médica imediata. Muitos não perceberam a gravidade do que sentiam e outros nem sabiam o que fazer. E pasmem: entre os 154 pacientes do estudo, um deles foi de ônibus até o hospital.
Um projeto criado também em 2019, na Grécia, encontrou eco por aqui, com uma ideia tão simples quanto ousada: ensinar crianças a reconhecer os sinais da doença. O Fast Heroes tem feito da sala de aula um terreno fértil, onde o conhecimento floresce e, não raro, salva vidas. Na narrativa, três super-heróis de idade avançada guiam a história. Quando atingidos pelo vilão Coágulo, perdem suas habilidades. Surge então o netinho Tiago, o herói do Tempo, que corre para acionar o número mágico do SAMU (192) e garantir o socorro.
Apoiada por secretarias de educação e por parceiros como a Iniciativa Angels e o Instituto Mente e Cérebro, a ação já chegou a 12 municípios gaúchos. De forma lúdica, crianças aprendem a identificar os sinais do AVC, com a crença de que, no fim das contas, o que preserva vidas não é apenas o remédio dentro dos hospitais, mas o conhecimento que chega antes dele. E se hoje o tratamento alcança menos de 5% dos pacientes, é pela educação que essa estatística há de se inverter.
Neurologista e fundador do Instituto Mente e Cérebro (IMCer) e do Tele AVC