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Publicada em 15 de Maio de 2025 às 17:51

O sotaque como medida de pertencimento

Bianca Persici Toniolo, doutora em Ciências da Comunicação e professora na Universidade da Beira Interior e na Universidade de Coimbra

Bianca Persici Toniolo, doutora em Ciências da Comunicação e professora na Universidade da Beira Interior e na Universidade de Coimbra

Divulgação/JC
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Bianca Persici Toniolo
Bianca Persici Toniolo
Na semana passada, enquanto as redes sociais no Brasil se agitavam com a repercussão do megashow de Lady Gaga em Copacabana, eu seguia em mais um início de semana comum em Portugal. No rádio do carro, tocava Die With a Smile, uma colaboração entre Lady Gaga e Bruno Mars. Sorri. A melodia era contagiante, mas o que me pegou foi a ironia: dois ícones pop dos EUA, país moldado por imigrantes.
Lady Gaga, ou Stefani Germanotta, é descendente de italianos, como eu. Bruno Mars tem raízes em Porto Rico e nas Filipinas. Ambos expressam a diversidade da América. Até o novo Papa, Leão XIV, Robert Francis Prevost, tem origens multiculturais. A América, seja qual for o ponto cardeal, é marcada por migrações. É nesse lugar simbólico que minha própria história começa a pulsar.
Imigrei para Portugal em 2017. Deixei Porto Alegre em busca de conhecimento e segurança. Fiz mestrado, doutorado, e hoje sou professora, investigadora, mãe de uma adolescente e uma mulher de 45 anos tentando construir pertencimento.
Tenho pele branca, passaporte italiano, moro na Europa. Mas bastam duas palavras e meu sotaque me entrega: sou brasileira. A língua portuguesa é passaporte e fronteira. Ao falar, deixo de ser "europeia" e viro "brasileira", termo que em certos contextos carrega surpresa ou desconfiança.
Já ouvi mais de uma vez: "Como você conseguiu essa posição?" Às vezes soa como curiosidade; noutras, como dúvida disfarçada, insinuando que não pertenço àquele espaço. Isso diz muito sobre quem somos e como vemos os outros. Quem pertence? O que é estar integrado? Essas perguntas não têm respostas fáceis. Mas exigem escuta, revisão de hábitos, abertura.
Mas eu estou aqui. Assim como os artistas que citei no início desta crônica levam para o mundo a marca cultural dos Estados Unidos, eu também carrego comigo, para onde vou, um pouco da ciência feita em Portugal. Ensino, investigo, publico, debato.
Esta crônica não pretende oferecer soluções, muito menos erguer muros entre pessoas de diferentes origens. Pelo contrário. É uma tentativa de dizer que quem chega de fora não é ameaça, nem exceção. É uma vida que se entrelaça com outras, construindo laços, contribuindo com o que tem, aprendendo com o que encontra. É parte do tecido social, mesmo quando nem todos estão dispostos a enxergar.
Doutora em Ciências da Comunicação e professora na Universidade da Beira Interior e na Universidade de Coimbra
 

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