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Publicada em 04 de Dezembro de 2024 às 08:11

Por que e como, agora, os famosos e ricos estão sendo presos no Brasil?

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Brizola FilhoA ideia de que a justiça penal toca somente aos negros e/ou pobres está cada vez mais em desuso. Faz tempo que delitos de furto e roubo, ou outros crimes violentos, por exemplo, não são mais o foco nas autoridades. A “onda” do momento é investigar, e por que não prender, famosos e ricos.Edwin Sutherland, norte americano, em 1939, apresentou a Teoria do “White-collar Crime”, ou seja, o crime do colarinho branco, com autores de status social elevado e poder de influência nas vias política e econômica da sociedade. Vislumbrou-se que o comportamento criminoso não está sempre presente nas classes mais baixas e que o comportamento violento não é o único a impactar a sociedade. Os crimes do colarinho branco contam, na maioria das vezes, com agentes de uma capacidade intelectual mais elevada e que se estruturam de forma organizada/empresarial. Nessa toada, no final dos anos 80 do século XX, a comunidade internacional, percebendo a força e a capacidade de organização do crime organizado, identificando que as antigas quadrilhas e bandos se transformavam em ordens estruturadas, hierarquizadas e globalizadas, passou a se preocupar com a lavagem de. Na época, houve aumento da criminalidade globalizada, das grandes organizações criminosas e, em alguns casos, tinha-se estreita relação da atividade criminosa com a profissão do agente. Neste quadro, em 1988, realizou-se a Convenção de Viena que tratou do tema e os países começaram a criminalizar a lavagem de capitais. No Brasil, em 1998, entrou em vigor a Lei nº 9.613 que criminalizou a lavagem de dinheiro como crime autônomo. Passo seguinte, surgiu a lei das organizações criminosas, como outro crime autônomo, em agosto de 2013. Sublinhe-se que, diante do padrão jurídico, consideram-se muito recentes as leis criminais de lavagem de capitais e, em especial, da criminalização das organizações criminosas.Trazendo para o momento atual, questiona-se: o que o mandado de prisão do cantor Gustavo Lima, a prisão da advogada/influencer Deolane e do Comediante Nego Di têm em comum? Todos envolvem acusação por lavagem de dinheiro. Por certo, quase todos os casos com pessoas famosas, atualmente, há investigação/imputação do delito de lavagem de dinheiro. A digressão histórica do parágrafo anterior fez-se importante para bem entendermos o que acontece com o Brasil atual e o que se espera do seu futuro em termos de combate à criminalidade.Importante trazer aos leitores que, segundo dados disponíveis, foram deflagradas 252 operações da polícia federal em 2010, 284 em 2011, 295 em 2012. Por outro lado, segundo dados do Ministério da Justiça, foram deflagradas 6.700 operações em 2020, 9.700 em 2021 e 27.000 em 2022. Os órgãos persecutórios entenderam que não basta (só) combater a infração criminal da ponta para frear a criminalidade. O dinheiro é a “alma” que sustenta o crime organizado, concluíram que é preciso bloquear bens e valores para conter a atual criminalidade. Diante disso, as grandes operações só tendem a aumentar ainda mais.Vivemos, ao certo, um momento importantíssimo de combate à criminalidade! Porém, nem tudo são flores. É preciso registrar uma forte crítica ao que estamos acompanhando. A espetacularização dos casos penais midiáticos está trazendo problemas. Há, principalmente, magistrados muito interessados em encarar o papel de justiceiros. O título de responsável pela prisão de determinada personalidade causa desejo. Ocorre que, vislumbrando a autopromoção e os holofotes, temos visto decisões arbitrárias e subversões de garantias penais importantíssimas. A prisão cautelar, que deve ser a exceção da exceção, vem, mais do que nunca, tornando-se regra. O que é perigosíssimo!A Operação Integration investiga jogos ilegais e nela houve a decretação de prisão preventiva do cantor Gustavo Lima. O processo corre em segredo de justiça, por isso não se tem acesso aos autos, mas, ainda assim, cumprindo com a ânsia da espetacularização referida, a decisão que decretou a segregação foi disponibilizada sem restrição de acesso. A Magistrada de Pernambuco ordenou a prisão do cantor mesmo quando outras tantas medidas poderiam ser utilizadas para sanar eventual risco. Bem poderia ordenar apenas a entrega do passaporte, a obrigatoriedade de não sair do país e de se apresentar em juízo. Mas não. A magistrada preferiu ordenar a prisão do cantor mesmo com parecer desfavorável do Ministério Público de Pernambuco. Sublinhe-se: o Ministério Público opinou pela não decretação da prisão, mas ainda assim a Magistrada expediu mandado de prisão. Foi além, em sua decisão a Magistrada, sem qualquer respaldo, falou que o Ministério Público trouxe, s.i.c., “falácias” e, pareceu, verdadeiramente criminalizar a riqueza quando, sem qualquer amparo para tanto fundamentou que “a riqueza não deve servir de escudo para a impunidade”. E depois que “ a Justiça, por sua natureza, é cega e não deve ser afetada por condições financeiras”. A decisão seguiu com outros erros jurídicos. Tão grosseira a decisão da magistrada que não durou 24 horas. Em menos de um dia, o Tribunal de Pernambuco revogou a prisão do cantor Gusttavo Lima.O cenário de arbitrariedades que sempre assolou a classe menos privilegiada chegou aos mais abastados. Aos empresários, resta o medo. A empresa é uma organização e nela circulam valores. Havendo qualquer irregularidade ou mesmo indício, não é difícil que o empresário se veja em meio a uma investigação de lavagem de dinheiro e de organização Advogado especialista em direito e processo penal, especialista em lavagem de capitais, sócio-proprietário do Escritório Brizola Filho Advogados, procurador do município de Teutônia-RS
Brizola Filho

A ideia de que a justiça penal toca somente aos negros e/ou pobres está cada vez mais em desuso. Faz tempo que delitos de furto e roubo, ou outros crimes violentos, por exemplo, não são mais o foco nas autoridades. A “onda” do momento é investigar, e por que não prender, famosos e ricos.

Edwin Sutherland, norte americano, em 1939, apresentou a Teoria do “White-collar Crime”, ou seja, o crime do colarinho branco, com autores de status social elevado e poder de influência nas vias política e econômica da sociedade. Vislumbrou-se que o comportamento criminoso não está sempre presente nas classes mais baixas e que o comportamento violento não é o único a impactar a sociedade. Os crimes do colarinho branco contam, na maioria das vezes, com agentes de uma capacidade intelectual mais elevada e que se estruturam de forma organizada/empresarial.

Nessa toada, no final dos anos 80 do século XX, a comunidade internacional, percebendo a força e a capacidade de organização do crime organizado, identificando que as antigas quadrilhas e bandos se transformavam em ordens estruturadas, hierarquizadas e globalizadas, passou a se preocupar com a lavagem de. Na época, houve aumento da criminalidade globalizada, das grandes organizações criminosas e, em alguns casos, tinha-se estreita relação da atividade criminosa com a profissão do agente. Neste quadro, em 1988, realizou-se a Convenção de Viena que tratou do tema e os países começaram a criminalizar a lavagem de capitais. No Brasil, em 1998, entrou em vigor a Lei nº 9.613 que criminalizou a lavagem de dinheiro como crime autônomo. Passo seguinte, surgiu a lei das organizações criminosas, como outro crime autônomo, em agosto de 2013. Sublinhe-se que, diante do padrão jurídico, consideram-se muito recentes as leis criminais de lavagem de capitais e, em especial, da criminalização das organizações criminosas.

Trazendo para o momento atual, questiona-se: o que o mandado de prisão do cantor Gustavo Lima, a prisão da advogada/influencer Deolane e do Comediante Nego Di têm em comum? Todos envolvem acusação por lavagem de dinheiro. Por certo, quase todos os casos com pessoas famosas, atualmente, há investigação/imputação do delito de lavagem de dinheiro. A digressão histórica do parágrafo anterior fez-se importante para bem entendermos o que acontece com o Brasil atual e o que se espera do seu futuro em termos de combate à criminalidade.

Importante trazer aos leitores que, segundo dados disponíveis, foram deflagradas 252 operações da polícia federal em 2010, 284 em 2011, 295 em 2012. Por outro lado, segundo dados do Ministério da Justiça, foram deflagradas 6.700 operações em 2020, 9.700 em 2021 e 27.000 em 2022. Os órgãos persecutórios entenderam que não basta (só) combater a infração criminal da ponta para frear a criminalidade. O dinheiro é a “alma” que sustenta o crime organizado, concluíram que é preciso bloquear bens e valores para conter a atual criminalidade. Diante disso, as grandes operações só tendem a aumentar ainda mais.

Vivemos, ao certo, um momento importantíssimo de combate à criminalidade! Porém, nem tudo são flores. É preciso registrar uma forte crítica ao que estamos acompanhando. A espetacularização dos casos penais midiáticos está trazendo problemas. Há, principalmente, magistrados muito interessados em encarar o papel de justiceiros. O título de responsável pela prisão de determinada personalidade causa desejo. Ocorre que, vislumbrando a autopromoção e os holofotes, temos visto decisões arbitrárias e subversões de garantias penais importantíssimas. A prisão cautelar, que deve ser a exceção da exceção, vem, mais do que nunca, tornando-se regra. O que é perigosíssimo!

A Operação Integration investiga jogos ilegais e nela houve a decretação de prisão preventiva do cantor Gustavo Lima. O processo corre em segredo de justiça, por isso não se tem acesso aos autos, mas, ainda assim, cumprindo com a ânsia da espetacularização referida, a decisão que decretou a segregação foi disponibilizada sem restrição de acesso. A Magistrada de Pernambuco ordenou a prisão do cantor mesmo quando outras tantas medidas poderiam ser utilizadas para sanar eventual risco. Bem poderia ordenar apenas a entrega do passaporte, a obrigatoriedade de não sair do país e de se apresentar em juízo. Mas não. A magistrada preferiu ordenar a prisão do cantor mesmo com parecer desfavorável do Ministério Público de Pernambuco. Sublinhe-se: o Ministério Público opinou pela não decretação da prisão, mas ainda assim a Magistrada expediu mandado de prisão. Foi além, em sua decisão a Magistrada, sem qualquer respaldo, falou que o Ministério Público trouxe, s.i.c., “falácias” e, pareceu, verdadeiramente criminalizar a riqueza quando, sem qualquer amparo para tanto fundamentou que “a riqueza não deve servir de escudo para a impunidade”. E depois que “ a Justiça, por sua natureza, é cega e não deve ser afetada por condições financeiras”. A decisão seguiu com outros erros jurídicos. Tão grosseira a decisão da magistrada que não durou 24 horas. Em menos de um dia, o Tribunal de Pernambuco revogou a prisão do cantor Gusttavo Lima.

O cenário de arbitrariedades que sempre assolou a classe menos privilegiada chegou aos mais abastados. Aos empresários, resta o medo. A empresa é uma organização e nela circulam valores. Havendo qualquer irregularidade ou mesmo indício, não é difícil que o empresário se veja em meio a uma investigação de lavagem de dinheiro e de organização

Advogado especialista em direito e processo penal, especialista em lavagem de capitais, sócio-proprietário do Escritório Brizola Filho Advogados, procurador do município de Teutônia-RS

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