Ivan Pereira
Nos últimos anos, o Bolsa Família tem se mostrado um importante instrumento de transferência de renda, contribuindo para a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil. No entanto, à medida que os desafios econômicos e sociais se agravam, novas armadilhas emergem, como as plataformas de apostas online - as populares “bets” -, que vêm captando a atenção de pessoas em situação de vulnerabilidade. Esse fenômeno reflete uma combinação perigosa: a falta de perspectiva e oportunidades reais para melhorar de vida e a ausência de direcionamento sobre como utilizar os recursos recebidos do governo para promover uma trajetória de emancipação financeira.
As plataformas de apostas, amplamente divulgadas e de fácil acesso, tornaram-se uma válvula de escape para muitos brasileiros que enfrentam um cotidiano de dificuldades. Nota técnica elaborada pelo Banco Central (BC) e divulgada nas últimas semanas apontou que os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix só em agosto. Cerca de 5 milhões de pessoas - próximo a 1/4 do total de beneficiários do programa - fizeram apostas, sem considerar outros meios, como cartões de crédito, débito ou transferências bancárias como o TED. Desses 5 milhões, 70% são chefes de família.
Para quem recebe o benefício, a tentação de multiplicar rapidamente o valor recebido por meio de apostas pode parecer, inicialmente, uma solução viável. No entanto, o que começa como uma esperança de renda extra muitas vezes se transforma em uma armadilha. Em vez de melhorar a situação financeira, as bets têm levado milhares de famílias a perderem o pouco que têm, alimentando um ciclo de dependência e frustração.
Esse cenário nos leva a refletir sobre uma questão crucial: por que essas pessoas, beneficiárias de programas sociais estão buscando atalhos tão arriscados para tentar melhorar suas vidas? A resposta está na ausência de orientação e na falta de alternativas concretas de inclusão produtiva. Enquanto os programas de microcrédito, por lei, exigem que os bancos ofereçam cursos e algum tipo de direcionamento aos tomadores de crédito, capacitando-os sobre como utilizar o dinheiro de forma produtiva, o Bolsa Família não conta com nenhum programa de capacitação ou inclusão produtiva vinculado ao benefício.
Estamos, portanto, diante de uma lacuna importante nas políticas públicas. Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, não são acompanhados de mecanismos de orientação que ajudem as pessoas a aproveitar esse recurso como um ponto de partida para algo maior. Sem orientação, famílias acabam muitas vezes presas na mesma situação de vulnerabilidade que as levou a depender do benefício inicialmente.
A falta de educação financeira e de suporte para o desenvolvimento de habilidades produtivas impede que os recursos disponibilizados pelo governo sejam utilizados como alavanca para melhorar a condição de vida dos beneficiários. A ausência de um programa robusto de inclusão produtiva associado ao Bolsa Família limita as possibilidades de transformação. Em vez de apostar no futuro por meio de educação, qualificação e empreendedorismo, muitos se veem forçados a “apostar” no incerto — como nas plataformas de bets — na esperança de uma solução rápida.
Diante disso, é urgente a implementação de um programa amplo de inclusão produtiva vinculado ao Bolsa Família. Esse programa deve ir além da simples transferência de renda e oferecer acolhimento, orientação e capacitação para que os beneficiários tenham condições de gerar renda, melhorar sua qualidade de vida e, eventualmente, se emancipar do benefício.
Ao aliar o Bolsa Família a políticas que promovam educação financeira, capacitação profissional e apoio ao empreendedorismo, estaríamos proporcionando um verdadeiro caminho de saída para as famílias em situação de vulnerabilidade. Outra oportunidade dá-se pelo uso de complementos socio-emocionais para fomentar o pilar da empregabilidade. Governos, empresas e organizações devem unir forças para oferecer soluções reais e duradouras às famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade. Apenas com um plano integrado de inclusão produtiva, educação financeira e empreendedorismo será possível quebrar esse ciclo de dependência. A emancipação financeira não se dará apenas pelo recurso em si, mas pelo direcionamento correto, pelo desenvolvimento de habilidades e pela construção de um futuro menos dependente de políticas assistenciais.
É hora de irmos além da transferência de renda e oferecer às famílias brasileiras as ferramentas necessárias para que possam escrever uma nova história.
Vice-presidente da Mind Lab