Porto Alegre, seg, 07/04/25

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 17 de Outubro de 2024 às 15:12

A medicina não é um milagre

Bruno Schneider de Araújo, presidente da Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul

Bruno Schneider de Araújo, presidente da Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul

Arquivo pessoal/Divulgação/JC
Compartilhe:
JC
JC
Bruno Schneider de Araujo
Bruno Schneider de Araujo
Recentemente, realizei um atendimento que especialmente me encheu de alegria. Recebi para revisão uma jovem senhora de 86 anos, em que realizamos um transplante de córnea no seu único olho funcionante. Na sua primeira consulta, a senhora de traços muito simpáticos, andar encurvado e bem perfumada preocupava compreensivelmente o filho.
A dificuldade e o receio em caminhar a colocavam sob o risco iminente de quedas e de fraturas, e o isolamento social aumentava o surgimento de pensamentos melancólicos.
Mas, dessa vez, na consulta de revisão após o transplante, o semblante era novo, o andar continuava encurvado, porém rápido e decidido, e logo as novidades desvelaram-se espontaneamente.
— Estou no WhatsApp, doutor.
— Que notícia boa!
— Sim! Converso com as minhas amigas por chamada de vídeo, leio as mensagens que elas me enviam e envio áudio a elas. É uma maravilha!
O filho ao lado, muito zeloso, sorriu e explicou que o acesso ao WhatsApp reabriu um mundo de contatos que antes estavam inalcançáveis, e a melhora no humor e na disposição eram nítidas. Porém, uma nova questão o preocupava. A mãe havia recebido mensagens acerca de tratamentos milagrosos à base de exercícios oculares ou de colírios com formulações desconhecidas infalíveis em curar qualquer doença, e a tentação para o seu uso era grande.
Preocupei-me também. Não poderíamos colocar tudo a perder. Então, durante o restante do tempo que tínhamos, me dediquei a convencê-la para que nunca deixasse de fazer o tratamento combinado, o que foi imediatamente assentido.
Despedimo-nos com um abraço, um pacto de confiança entre dois prévios desconhecidos de gerações completamente diferentes, e que somente a relação médico-paciente pode proporcionar. Milagres até podem existir, mas certamente eles não acontecem a partir de remédios ou de exercícios oculares duvidosos propalados por quem não compreende o que é o amor ao próximo e à medicina.
Presidente da Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul (Sorigs)
 

Notícias relacionadas

Comentários

0 comentários