Lara Lutzenberger
Vejo, ajudo e busco por refúgios para driblar súbita inundação e drástica ruptura das condições de habitabilidade e circulação de 70% de meu Estado. Uma enxurrada arrasou com o Rio Grande do Sul. Plantas, bichos e pessoas de todas as idades, obras de engenharia e da mais alta tecnologia: onde a água chegou com fúria, nada restou íntegro e tudo mudou para pior. Além de perdas e lutos, há contaminação e consertos que demandarão muito tempo e dinheiro. Mais dinheiro do que foi ganho na construção do destruído.
Enquanto tento assimilar o que sofro, lembro de Afeganistão, Indonésia, China, Quênia, Somália, Alemanha, Bélgica e França, também similares. Em abril, li que o mundo teria apenas dois anos para impedir um colapso climático. Se o que há já não é o colapso, o que o será? Que tempos terríveis temos pela frente?
Cresci sob alertas de meu pai. Tive o privilégio de conviver com pessoas genuinamente focadas em compreender a forma com que a natureza propicia a vida e quais suas vulnerabilidades. Compreendo que a ausência de vivências desse tipo permita algum ceticismo sobre a emergência planetária. O que não concebo é a louca insistência em negar e negligenciar as causas da crise instalada. Como atribuir à mera coincidência ou curso natural o que estamos vivendo, se foi anunciado há tantas décadas por análises sistêmicas e projeções matemáticas complexas? Já não basta a falta de prudência, quando se insistiu em avançar mesmo sob ameaça de riscos letais, e ainda há quem defenda seguir em frente da mesma maneira de antes, em meio aos escombros, travando uma luta de argumentos em parte ignorantes, em parte maquiavélicos e político-partidários, quando o que deveríamos todos, repito, todos, sem exceção, tratar de evitar o pior.
A tempestade ruiu com nossos pilares. Antes que não reste nem chão, caberia abandonarmos a soberba. Reconstruirmos com base na generosidade e humildade - e absoluto respeito às implacáveis leis da natureza. Dentre os 8 bilhões que somos, há pesquisadores consagrados que podem orientar na retomada ética e estrutural. É a eles que devemos recorrer agora. Apenas a eles!
Presidente da Fundação Gaia - Legado Lutzenberger