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Publicada em 02 de Abril de 2024 às 07:49

Rotas alternativas para a resolução de conflitos

Rodrigo Candia, advogado

Rodrigo Candia, advogado

Acervo Pessoal/Divulgação/JC
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Ricardo Chaves Barcellos e Rodrigo Candia
Ricardo Chaves Barcellos e Rodrigo Candia
O livro escrito pelo cocriador do Waze tem um nome inspirador Apaixone-se pelo Problema, Não pela Solução. Nessa obra, Uri Levine alerta que devemos focar efetivamente no problema e não em soluções teóricas que não aderem ao real interesse ou conveniência do seu público-alvo.

O ensinamento se aplica aos diferentes modelos de resolução de disputas, quando operadores do direito “apaixonam-se” pela solução “A” ou “B” sem questionar se a solução é a que melhor atende a real necessidade do seu cliente ou do tipo de disputa. Até empresas podem estar habituadas com determinado modelo de resolução de disputas que pode não mais estar adequado à dimensão dos conflitos enfrentados, seja por volume de demandas, valores envolvidos, complexidade, entre diversas outras variáveis.

A arbitragem, a mediação ou o dispute board (DB) - para ficar em três exemplos-, não são a cura para todas as mazelas do judiciário. Por isso, teorias como a do Desenho de Sistemas de Disputas (DSD), da escola de negociação de Harvard, buscam criar um roteiro com diferentes opções de rotas de resolução de conflitos. Tais opções ora se complementam, ora se cruzam, sempre com o fito de buscar meios eficientes de resolução de conflitos, do ponto de vista de custo-benefício temporal, financeiro e/ou relacional.

Como exemplo de opções, citamos as cláusulas escalonadas Med-Arb, que preveem a utilização da mediação de forma prévia ao procedimento de arbitragem, cabendo ao painel arbitral a adjudicação da controvérsia remanescente. A depender do conflito e da natureza do relacionamento das partes envolvidas, há a possibilidade de previsão de negociação entre pares (CEO e CEO, CFO e CFO).

Merece destaque também a produção antecipada de provas (art. 381, II, do CPC) para utilização em futuro procedimento (judicial ou extrajudicial), em que as partes e advogados obtêm uma visão prévia e mais clara dos riscos e custos decorrentes da continuação do litígio. Outra possibilidade é a utilização do DB para, por exemplo, resolver em tempo real divergências técnicas durante a execução de uma obra ou de grandes projetos industriais, tendo o laudo do DB um peso probatório relevante em caso de persistência da controvérsia.

Por outro lado, não havendo o aspecto relacional, existem inclusive exemplos de canais internos de resolução de conflitos de forma preventiva, como serviços de atendimento ao consumidor e endereçamento interno a equipes especializadas de negociação.

Nesta linha de “mix” de procedimentos, é interessante referir o caso Dominion v. Fox¹. A Dominion Voting Systems buscava uma indenização no valor de US$ 1,6 bilhões alegando que a Fox News Network havia transmitido declarações falsas a seu respeito, apontando que a empresa teria fraudado seus sistemas de votação para favorecer um dos candidatos à presidência dos EUA.

Durante dois anos, as partes estiveram distantes de qualquer tentativa de acordo para encerramento do caso. Foi apenas um dia antes do início do julgamento que os advogados das partes buscaram um mediador e chegaram a um acordo em que a Fox concordou em pagar U$ 787,5 milhões à Dominion.

O caso nos ensina algumas lições:

Quando alterar a rota: A iminência do julgamento foi vista como uma oportunidade de tentativa de composição antes do desfecho final do caso. Ou seja, abriu-se uma “janela de oportunidade” – talvez a última, tendo como pano de fundo a instrução probatória do caso e provavelmente uma análise preditiva do resultado do julgamento.

Por que alterar a rota: Apesar de uma provável posição processual mais benéfica, o relato é de que a Dominion havia preenchido três critérios fundamentais para aceitar um acordo. A exposição da verdade - mediante a publicização das provas produzidas durante o processo -, a responsabilização - tendo a Fox “reconhecido” a decisão da falsidade das informações veiculadas -, e a compensação - que foi alcançada mediante o acordo. Tendo alcançado seus interesses, não haveria mais motivos para permanecer no processo, considerando a incerteza do resultado e os custos envolvidos.

Quando utilizar um terceiro como “guia”: A importância das partes e seus advogados em chegarem a um consenso de que necessitavam de um mediador para encaminhar a solução do litígio.

É um equívoco tentar encaixar a solução no problema, como adverte o cocriador do Waze. Por isso, entender as razões, causas e reflexos dos conflitos, a natureza e importância estratégica das relações existentes entre as partes conflitantes, são questões prévias e essenciais a serem estudadas para possibilitar o desenho de um modelo que melhor atenda as peculiaridades do negócio e da (prudente) gestão de risco, cabendo ao advogado a visão sistêmica para auxiliar na busca pelos caminhos a serem seguidos.
Ricardo Chaves Barcellos possui LLM Pepperdine University, é mediador e advogado na área de Resolução de Disputas do escritório Silveiro Advogados.

Rodrigo Candia é mestre em Direito pela UFRGS e sócio da área de direito societário do escritório Silveiro Advogados

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