A cada notícia sobre o tarifaço de até 50% imposto pelos Estados Unidos sobre as importações de produtos brasileiros, mais aumenta a apreensão na indústria moveleira Delucci, de Bento Gonçalves. Para os próximos meses, a empresa já preparava uma encomenda de seis contêineres, com 2,5 mil cadeiras em madeira para serem entregues entre as churrascarias norte-americanas. Um negócio que, hoje, garante entre 10% e 15% do faturamento da empresa especializada em móveis corporativos.
"Já estamos com toda a matéria-prima comprada e parte da produção já pronta para embarcar. A partir de uma relação que iniciamos há três anos, nos tornamos fornecedores destes móveis em madeira maciça, com a nossa marca, para os Estados Unidos. Infelizmente, essa incerteza está instalada em todo o nosso polo moveleiro, porque o nosso produto é muito específico e dificilmente se consegue destinar para algum outro mercado sem uma negociação prévia", diz a proprietária da Delucci e presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis Bento Gonçalves), Cíntia Weirich.
Com um crescimento nos negócios de quase 10% nos primeiros quatro meses do ano em comparação com o mesmo período do ano passado, o polo moveleiro de Bento Gonçalves e região viveu um momento de aquecimento, especialmente no mercado interno, no pós-cheia, liderando, inclusive, a geração positiva de empregos até o final de 2024 no município da Serra.
"O que vivemos no pós-cheia reforçou algumas das principais características do nosso polo, e nos reinventamos, garantimos design diferenciado e buscamos tecnologias para a produção e a busca de novos consumidores, mas a incerteza em relação às exportações representa um risco para as empresas e os empregos. Algumas já estão dando férias para esperar o que vai acontecer", conta a dirigente.
Os móveis em madeira não ficaram entre os itens excluídos da tarifação extra nos Estados Unidos.
Arte/JC
A produção moveleira não se limita à microrregião da Serra, que concentra pelo menos 300 empresas do setor vinculadas ao Sindmóveis Bento, que engloba ainda os municípios de Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza. Na macrorregião retratada neste capítulo do Mapa Econômico do RS, também há polos produtivos significativos na região das Hortênsias e do Vale do Caí, com destaque para a Madesa, em Bom Princípio, e a Kappesberg, em Tupandi. Conforme a Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs), as vendas para os Estados Unidos representam 16% das exportações do setor. No primeiro semestre deste ano, o montante negociado com os norte-americanos corresponde a US$ 19 milhões.
O setor moveleiro do Rio Grande do Sul tem, conforme a Movergs, 2,4 mil empresas que são responsáveis por mais de 34 mil empregos. O faturamento nominal em 2024 foi de R$ 13,6 bilhões - 15,2% do faturamento brasileiro, sendo o segundo maior fabricante do País.
Com relação às exportações, o Rio Grande do Sul vende para mais de 120 países. O volume em 2024 chegou a US$ 261,1 milhões. O volume no primeiro semestre deste ano foi de mais de US$ 117,5 milhões.
Setor madeireiro em compasso de espera
Com 175,8 mil hectares, as microrregiões das Hortênsias e dos Campos de Cima da Serra concentram a segunda maior área de florestas plantadas no Rio Grande do Sul, conforme o levantamento da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor). E as áreas de pinus representam 80% deste plantio. O setor movimenta, além do setor moveleiro, uma cadeia produtiva que vai da venda da madeira bruta até produtos manufaturados, como chapas, placas, toras, paletes e embalagens.
De acordo com o presidente do Sindimadeira, Leonardo de Zorzi, a recente revisão do zoneamento ambiental para a silvicultura abriu boas perspectivas para o aumento de áreas plantadas no Estado, mas essa não é uma certeza na macrorregião retratada neste Mapa. Segundo ele, mesmo com a melhora na remuneração aos produtores para a produção de madeira, a expansão do cultivo de grãos acaba se tornando um competidor que inibe o avanço de áreas plantadas.
E a incerteza em relação ao tarifaço norte-americano agrava este quadro.
"Nos pós-cheia, com o aumento da produção e demanda do setor moveleiro, nós tivemos um período de estabilidade, mas a perspectiva para este segundo semestre é terrível. Os Estados Unidos são nossos maiores parceiros internacionais, um mercado construído ao longo de 30 anos", lamenta de Zorzi.
Conforme o dirigente, a dificuldade que se desenha é maior para os produtores de madeira serrada (cercas e cortes para áreas residenciais externas) e para quem produz a madeira como matéria-prima para embalagens.
"Muitos importadores já pediram para segurar a produção", comenta.
O sindicato aponta que 11% de tudo o que se produziu na região pelo setor madeireiro no ano passado foi destinado aos norte-americanos, movimentando US$ 100 milhões, com oito mil postos de trabalho.