Encravada na Serra do Sudeste, a 400 metros de altitude, no Paralelo 31, Encruzilhada do Sul, no limite entre o Vale do Rio Pardo e a Campanha, tem um terroir que torna o município a nova fronteira de culturas com alto valor agregado, que resultam em azeites e vinhos consagrados em concursos internacionais.
Reforçado ainda pelo boom do plantio florestal, a estimativa é de que, nos últimos 10 anos, o preço das áreas triplicou. "Estamos na Toscana brasileira", define Diogo Durigon, um dos sócios da vinícola Pedras da Quinta.
Não à toa, rapidamente Encruzilhada se tornou o município líder no cultivo de olivais no Estado. Conforme o governo municipal, são 27 propriedades, que totalizam 720 hectares. Representam 11% de toda a área plantada no RS. Boa parte desse prestígio foi desenvolvida pelo casal paulista Bia Pereira e Bob Vieira da Costa. Da Fazenda Sabiá da Vigia saem azeites com a marca Azeite Sabiá, que já acumula 140 prêmios nacionais e internacionais.
"Eu não tenho dúvida de que Encruzilhada é a nova fronteira produtiva. Temos aqui um solo com uma calota seca, pouco propício a outras culturas, mas para os olivais, as uvas e a noz-pecã, por exemplo, muito adequado. Tem o frio necessário para a cultura, com menores índices pluviométricos do que na Campanha, por exemplo, com luminosidade o dia todo e bastante vento. Além da resiliência de estarmos no alto da Serra do Sudeste, não tão sujeitos a eventos como a cheia do último ano", detalha Costa.
O casal já produzia na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, e, com planos de expandir a produção, visitaram a Olivas do Sul, em Cachoeira do Sul. E logo conheceram o município vizinho. Foi certeiro. Em 2018, iniciaram o cultivo em uma área de 110 hectares. A primeira colheita aconteceu em 2023, ano de pico da produção gaúcha, com 22 mil litros de azeite. Em todo o Estado, houve 29% de crescimento naquele ano, chegando a 580,2 mil litros.
Já no ano passado, com o excesso de chuvas, houve quebra, e a produção caiu para 193,1 mil litros. Na Azeite Sabiá foram 10 mil litros. A perspectiva para este ano, aponta Bob da Costa, é uma pequena recuperação, chegando a 15 mil litros. "Mesmo com uma safra de quebra, no ano passado conseguimos resultados melhores do que em outras áreas do Estado. A nossa previsão é de que em 2026, sim, teremos um ano de plena recuperação. Tivemos uma boa quantidade de frio contínuo, garantindo boa floração. A expectativa, para podermos garantir a recuperação, é de que setembro não seja 100% chuvoso", prevê.
Entre as vantagens competitivas do azeite produzido em Encruzilhada do Sul está a presença do lagar dentro da propriedade. Em todo o RS, são 25 fábricas de azeite que dão vazão à produção local. No caso do Sabiá, há ainda mais uma vantagem na infraestrutura. Os empresários criaram um lagar subterrâneo, construído sob medida para a produção.
"Ter o lagar na propriedade nos dá um ganho logístico e de qualidade final no produto incrível. A deterioração da azeitona é imediata após a colheita. Quanto mais rápido é extraído, melhor é o azeite, e menor é o risco de fermentação. Assim, ganhamos maior proteção da luz e do calor, além de representar um ganho ambiental na nossa produção", conta Bia.
Todo o processamento é feito a 21 graus. Algo que, de modo convencional, exige um sistema de refrigeração artificial. Além da produção, eles também mantêm o armazenamento do azeite nessa estrutura abaixo da terra. E a cadeia verticalizada na propriedade conta ainda com um caminhão refrigerado que leva as azeitonas dos olivais ao lagar. É uma corrida contra o tempo. A estimativa é de que a extração precisa acontecer em no máximo duas horas após a colheita. O resultado, assegura Bia, é um produto diferenciado no mercado brasileiro, e com uma imensa oportunidade de crescimento. As entidades do setor estimam que menos de 1% dos consumidores brasileiros conhecem o azeite nacional.
"Claro, não é o mesmo produto dos grandes envasadores, que geralmente usam um blend de azeitonas. O nosso produto é diferenciado, e por isso o valor agregado também não se compara. Mas a qualidade é muito superior, e isso é o que estamos apresentando aos poucos ao consumidor brasileiro", garante Bia.
Os produtores de azeite da região trabalham atualmente pela criação de uma identificação geográfica para o produto de Encruzilhada do Sul e da Serra do Sudeste.
Fazenda no Vale do Rio Pardo desenvolve espumante que deve chegar ao mercado neste ano
Na mesma propriedade, o casal desenvolve o seu Cave Sabiá, um espumante que deve chegar ao mercado ainda neste ano. Será a primeira experiência comercial deles em relação ao cultivo de uvas em Encruzilhada do Sul. São seis hectares plantados, com a vinificação já nas duas últimas safras, ainda sem chegar ao mercado.
Mesmo não ocupando as posições de liderança do Estado, como já acontece com as azeitonas ou com a silvicultura, a produção de uvas de Encruzilhada do Sul já representam alto valor agregado. Um levantamento do IBGE mostra que a safra de 2023 de azeitonas, por exemplo, gerou R$ 4,9 milhões no município - o maior rendimento do Rio Grande do Sul. Já na produção de uvas, mesmo ocupando a 25ª posição no Estado na quantidade produzida, gerou, no mesmo ano, R$ 22,8 milhões aos produtores locais, ficando atrás, em rendimento, de Santana do Livramento entre os produtores da Metade Sul do Estado.
Em Encruzilhada do Sul, também pela sua geografia e característica do solo - que não são ideais para os grãos, como a soja -, os riscos da deriva de produtos químicos de outras lavouras, principalmente da soja, não atingem com tanta força as duas culturas altamente valorizadas. Em Jaguari, por exemplo, onde está a segunda maior produção de uvas deste eixo central do Estado, no Vale do Jaguari, nos últimos três anos, foram produzidos 820 mil litros de vinho.
No entanto, entre 2022 e 2024, a produção de vinhos na localidade, que está entre as grandes áreas de expansão da soja, reduziu em 51%, caindo de 350 mil litros em 2022 para 170 mil litros em 2024.
Vinhos do Vale do Rio Pardo chegam nas mesas da alta culinária
A maior parte da produção de uvas de Encruzilhada do Sul ainda é destinada a pelo menos quatro grandes vinícolas gaúchas, que já descobriram o potencial da região e industrializam as uvas colhidas ali em outras regiões do Estado. No Assentamento da Quinta, a propriedade de Olívio Maran, um dos assentados, com origem em Bento Gonçalves, na Serra, não é diferente. No entanto, há três anos, em sociedade com o advogado Diogo Durigon, uma pequena parte dos 20 hectares plantados se transformou no Pedras da Quinta. Com pequena quantidade e alta qualidade.
Como resultado, a vinícola hoje tem alguns dos seus 16 rótulos nos restaurantes do Copacabana Palace, no restaurante do renomado chef Alex Atala e no Catherine, em Gramado.
"Somos pequenos, produzimos de 10 a 12 mil garrafas por ano, temos um espumante, um rosé, três brancos e outros 13 rótulos de vinhos finos, com alta qualidade reconhecida pelos melhores restaurantes do País. Muito pelas características únicas que temos em Encruzilhada do Sul, a Toscana brasileira, que nós descobrimos primeiro, mas, aos poucos, tem atraído muitos interessados", comenta Durigon.
"Somos pequenos, produzimos de 10 a 12 mil garrafas por ano, temos um espumante, um rosé, três brancos e outros 13 rótulos de vinhos finos, com alta qualidade reconhecida pelos melhores restaurantes do País. Muito pelas características únicas que temos em Encruzilhada do Sul, a Toscana brasileira, que nós descobrimos primeiro, mas, aos poucos, tem atraído muitos interessados", comenta Durigon.
Conforme o Sistema de Declarações Vinícolas (Sisdevin), a Pedras da Quinta é a única vinícola em operação comercial atualmente em Encruzilhada do Sul. Em um projeto que começou com a compra de parte da uva produzida por Olívio há 25 anos para a produção de um vinho caseiro. A experiência deu muito certo e, nos últimos três anos, a Pedras da Quinta comercializa os seus rótulos.
Segundo Diogo Durigon, a vinícola tem um dos três únicos vinhedos certificados pela responsabilidade trabalhista, de meio ambiente e no manejo e qualidade das frutas. Nos planos deles está o investimento para ampliar em três hectares o plantio e na aquisição de maquinários. E neste ano, a Pedras da Quinta aposta ainda em uma cachaça premium, que leva o nome de João Cândido, o Almirante Negro, que era natural de Encruzilhada do Sul.
"O terroir da região é incrível. É um novo contexto de qualidade para a produção de vinhos no Brasil. A amplitude térmica ajuda muito, reforçada pelo manejo. Enquanto na Serra as condições locais de manejo da uva resultam em muitos espumantes e na Campanha, a presença do Sol resulta em vinhos de cor intensa, em Encruzilhada, e na Serra do Sudeste, se estabeleceu um ponto de equilíbrio, com solos variáveis e climas diferenciados", explica Durigon.
Ele exemplifica: "são cinco produtores locais, e se você pegar a Chardonnay cultivada por cada um, ela tem um gosto diferente, por essa grande variação de solos e climas em um mesmo lugar".
O levantamento do Sisdevin aponta que, nos últimos três anos, quando iniciou a produção de vinhos — além do cultivo das uvas, que já acontecia há mais tempo — em Encruzilhada, foram colhidos 8 milhões de quilos da fruta, a maior parte — 2,24 milhões de quilos —, Chardonnay. No mesmo período, foram produzidos 27,2 mil litros de vinho tinto fino e 6 mil litros de espumantes no município.
Azeites e vinhos na faixa central do RS
Cultivo de oliveiras
Encruzilhada do Sul (R$ 4,9 milhões valor da produção)
Cachoeira do Sul (R$ 993 mil valor da produção)
São Sepé (R$ 530 mil valor da produção)
Restinga Sêca (R$ 217 mil valor da produção)
Pantano Grande (R$ 81 mil valor da produção)
Produção de azeites
Encruzilhada do Sul
Cachoeira do Sul
Restinga Seca
Cultivo de uvas
Encruzilhada do Sul (R$ 22,8 milhões valor da produção)
Jaguari (R$ 3,4 milhões valor da produção)
Sobradinho (R$ 2,4 milhões valor da produção)
Ibarama (R$ 2,3 milhões valor da produção)
Cacequi (R$ 1,6 milhão valor da produção)
Produção de vinhos
Encruzilhada do Sul (1 vinícola ativa)
Jaguari (2 vinícolas ativas)
Sobradinho (2 vinícolas ativas)
Ibarama (1 vinícola ativa)
Cacequi (1 vinícola ativa)
Cultivo de noz-pecã
Cachoeira do Sul (R$ 21,1 milhões valor da produção)
Santa Maria (R$ 1,6 milhão valor da produção)
São Pedro do Sul (R$ 667 mil valor da produção)
Rio Pardo (R$ 637 mil valor da produção)
Santiago (R$ 595 mil valor da produção)