De Rio Grande, especial para o JC
Um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com sede no campus de São Lourenço do Sul, tem promovido a valorização das Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) como estratégia de geração de renda, preservação da biodiversidade e fortalecimento da agroecologia na Região Sul do RS. A iniciativa, batizada de PancPop, desenvolve ações com agricultores familiares, comunidades quilombolas, assentados da reforma agrária e consumidores interessados em alimentação saudável e diversificada.
Coordenado pela professora Jaqueline Durigon, o projeto vem ganhando destaque nas feiras livres de São Lourenço do Sul, onde é possível encontrar uma variedade cada vez maior de produtos oriundos de plantas até então pouco conhecidas do público em geral. São folhas, flores, raízes e rizomas como ora-pro-nóbis, araruta, açafrão-da-terra, inhame, capuchinha, tupinambo e celosia, entre outras, cultivadas com apoio técnico da universidade e vendidas diretamente ao consumidor.
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“A pergunta que sempre fazemos é: essa planta está no café da manhã, no almoço ou na janta da maioria das pessoas? Se não está, é possível que seja uma panc”, explica Jaqueline. O conceito envolve espécies comestíveis que, por razões culturais ou mercadológicas, foram excluídas da alimentação cotidiana, apesar de seu alto valor nutricional e de cultivo simples.
O PancPop vai além do simples mapeamento de espécies, pontua a professora. A equipe trabalha com oficinas, cursos, caminhadas de reconhecimento, degustações em feiras e dias de campo para compartilhar conhecimentos com diferentes públicos — de estudantes e técnicos a consumidores. O objetivo é romper o preconceito histórico de que PANCs são "mato", “planta de pobre” ou alimentos a serem consumidos apenas em momentos de escassez, reforça Durigon.
“Essas plantas são muitas vezes superiores a hortaliças convencionais, tanto em nutrientes quanto em facilidade de cultivo. O projeto busca mostrar que elas podem ser inseridas na alimentação do dia a dia e ainda gerar renda para os agricultores”, afirma a coordenadora. Ela destaca que muitos agricultores já tinham conhecimento sobre as espécies, mas não se sentiam valorizados por isso. “Hoje, vemos o resgate desse saber tradicional como algo fundamental.”
O projeto começou oficialmente em 2018 e hoje conta com a participação de cerca de 25 pessoas diretamente envolvidas, entre professores, estudantes de graduação e pós-graduação, técnicos e agricultores. A produção do conhecimento é feita de forma colaborativa, unindo saberes científicos e populares. Pesquisas etnobotânicas com comunidades locais ajudam a identificar quais espécies eram ou ainda são utilizadas na alimentação, e a partir desses relatos, são feitos análises e testes para garantir a segurança e os benefícios nutricionais dos alimentos.
Além da pesquisa de campo, o PancPop mantém parcerias com instituições como a Embrapa Hortaliças, de Brasília, e outros núcleos acadêmicos no Brasil, o que amplia o alcance e a confiabilidade das informações. Um dos frutos desse trabalho já é visível: um livro com dados sobre 20 espécies de pancs identificadas na região de São Lourenço do Sul, contendo usos culinários, propriedades nutricionais e aspectos culturais.
A ampliação do cultivo também é uma meta estratégica. “Antes a gente fazia extrativismo, colhia na rua ou na mata. Agora temos áreas específicas de cultivo com essas espécies. Isso garante regularidade e volume para abastecer as feiras e aumentar o acesso da população a esses alimentos”, detalha Durigon.
A popularização das pancs, no entanto, ainda enfrenta desafios. Um deles é o desconhecimento dos consumidores. Para enfrentá-lo, o grupo intensifica ações educativas, com distribuição de folders, receitas, presença em feiras e até degustações para mostrar, na prática, como essas plantas podem ser saborosas e versáteis na cozinha. “O que buscamos é combater a monotonia alimentar. As pessoas comem as mesmas coisas o ano inteiro: arroz, feijão, tomate, alface... As PANCs abrem um mundo de possibilidades, tanto para quem produz quanto para quem consome”, reforça a professora.
A receptividade tem sido positiva. A partir das feiras de São Lourenço, o interesse por essas espécies cresce em outras cidades da Região Sul e de todo o estado. “Já nos convidaram para eventos, cursos e palestras em diversas regiões. Isso mostra que estamos no caminho certo”, conclui Jaqueline.