Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 07 de Maio de 2025 às 00:25

Cheias afetaram infraestrutura e pesca no Sul

Em Pelotas, pico das águas foi em 16 de maio, chegando a 3m e superando marca de 2,88m da enchente de 1941

Em Pelotas, pico das águas foi em 16 de maio, chegando a 3m e superando marca de 2,88m da enchente de 1941

Nauro Júnior/Satolep Press/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
especial para o JC
A evolução dos danos da enchente de maio de 2024, se imediata na porção Norte do Estado, mostrou seus efeitos nos municípios da Costa Doce e da Zona Sul um pouco mais tarde. O excesso de chuvas que veio descendo de rios como o Taquari atingiu primeiro o Guaíba, devastando cidades da Região Metropolitana e, alcançando a Lagoa dos Patos, foi subindo o nível de suas águas e inundando as cidades banhadas pelo "Mar de Dentro" e pelos rios da região.
A evolução dos danos da enchente de maio de 2024, se imediata na porção Norte do Estado, mostrou seus efeitos nos municípios da Costa Doce e da Zona Sul um pouco mais tarde. O excesso de chuvas que veio descendo de rios como o Taquari atingiu primeiro o Guaíba, devastando cidades da Região Metropolitana e, alcançando a Lagoa dos Patos, foi subindo o nível de suas águas e inundando as cidades banhadas pelo "Mar de Dentro" e pelos rios da região.
Em Pelotas, maior município da região, o primeiro pico das águas ocorreu em 12 de maio, com o canal São Gonçalo chegando a 2,88 m, mesma marca da enchente de 1941, e poucos dias depois, dia 16, chegou a 3 m. Em Rio Grande, no dia seguinte, o nível da Lagoa dos Patos alcançou a 2m56cm, marca 66cm acima do nível do cais.
O avanço e a força das águas fizeram estragos em infraestruturas e serviços públicos, que foram alvo de ações emergenciais das prefeituras para minimizar os danos representados para seus usuários. Passado um ano da tragédia climática, os dois municípios contam com novos gestores à frente da prefeitura, mas o desafio segue sendo a reparação dos prejuízos e o aprimoramento para proteger a comunidade dos desdobramentos de futuros extremos climáticos.
Em um dos acessos mais importantes em Rio Grande para a comunidade pesqueira, a ponte da Ilha dos Marinheiros teve a sustentação da estrutura impactada pelas águas. As obras de recuperação começaram em outubro do ano passado e ainda continuam. A recuperação, segundo o Gabinete de Programas e Projetos Especiais (GPPE) do município, depende do mapeamento periódico da profundidade da Lagoa dos Patos.
Nesta segunda-feira, a medição foi de 5 m, o que permitiu a colocação da manta geotêxtil e das pedras rachão para a fixação do solo. Já a realização do teste de carga, que irá avaliar a capacidade de sustentação da ponte diante do peso dos veículos, está previsto para ocorrer até 20 de maio.
Em Pelotas, a administração municipal intensifica investimentos para combater o déficit histórico de drenagem urbana e reforçar a proteção contra cheias. Em maio de 2024, cerca de 100 mil moradores — quase um terço da população — estiveram em áreas de risco em decorrência das enchentes que afetaram diversos bairros da cidade.
Na época, medidas emergenciais foram necessárias. Barreiras de contenção feitas com sacos de areia, saibro e cascalho foram erguidas para conter a força das águas da Lagoa dos Patos e do São Gonçalo. Casas de bombas também foram instaladas em pontos estratégicos para tentar mitigar os danos. No Laranjal, bairro litorâneo e um dos mais impactados, a situação evidenciou a necessidade de reforçar a infraestrutura existente.
Agora, o cenário ainda é de reconstrução e busca por soluções duradouras. Entre os investimentos em andamento, destaca-se o projeto de elevação da cota do dique de proteção do Laranjal para 4 m, utilizando recursos estaduais de R$ 25 milhões, anunciados em fevereiro deste ano. A expectativa é que essa obra aumente a capacidade de contenção contra novas elevações do nível da água.
Além disso, a prefeitura e o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep) estão realizando a limpeza e o aprofundamento dos canais de drenagem, como o da avenida Espírito Santo, para ampliar a vazão das águas. Essas iniciativas, no entanto, são apenas parte da resposta de Pelotas para um problema estrutural que se agravou com a crise climática. A gestão municipal também anunciou, no final de março, novos investimentos de R$ 56,2 milhões por meio do Novo PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal. O pacote contempla a construção de novas redes e travessias de drenagem pluvial na cidade, além da elevação do dique da Estrada do Engenho, no bairro Navegantes, para quatro metros — padrão estabelecido como cota de segurança.

Para pescador artesanal de Rio Grande, o impacto da enchente pode arruinar a atividade

Marcos Adriel ficou 41 dias fora de casa e sem conseguir pescar

Marcos Adriel ficou 41 dias fora de casa e sem conseguir pescar

/Josimara Megiato/Especial/JC
Uma das atividades econômicas mais importantes de Rio Grande, que integra a chamada Economia Azul, é a pesca. O município é considerado o maior produtor de pescados do Rio Grande do Sul, e a pesca artesanal, principalmente no Estuário da Lagoa dos Patos, é relevante tanto para a economia da cidade quanto para o sustento de milhares de famílias em cidades da Região Sul. Porém, fatores como mudança climática, legislação, políticas públicas e, em especial, a ocorrência da enchente de 2024, estão ameaçando uma das ocupações mais tradicionais do município: a de pescador.
Essa transformação afeta em cheio a vida de pescadores como Marcos Adriel, morador de Rio Grande e no ofício desde os 11 anos de idade. A enchente levou todos os bens de sua residência, e ele teve de ficar fora de casa por 41 dias, abrigado na casa de parentes. Como a cheia atrapalhou sua principal atividade, Adriel sustentou a família fazendo pequenos serviços. Embora há alguns meses tenha retomado sua rotina na pesca, algo mudou. "A gente está vendendo, aos poucos vamos indo. Mas não como era antes", desabafa.
Entre as dificuldades está o próprio impacto das cheias, que diminuiu o volume da pesca de espécies como o camarão, e modificou características da lagoa, o que, apesar de não refletir na qualidade da pescada, provoca desconfiança em parte dos consumidores. Outro aspecto está nos regramentos impostos a pescadores artesanais, como a cota para a captura da tainha. "A lei prejudica muito o pescador pequeno, aí ele fica com medo de tudo", pontua.
Adriel lembra como foi trabalhar no período das enchentes. "O mais difícil foi ter de correr de um lado para o outro. A pesca, não havia. Se a gente está na casa dos outros, tem que ajudar. Aí o que a gente faz? Vai trabalhar de biscate, de servente, para trazer uma comida para casa", relembra.
Uma nova tragédia climática também assusta os moradores da Zona Sul do Estado. "Isso tudo deixou o povo mais assustado, mais isolado, sabe? O pessoal tem medo, começa a chover lá para cima, a gente já fica com medo. Ah, será que vai vir essa água? Temos medo porque já sentimos muita enchente aqui, entendeu? Mas era uma enchente de chegar, assim, a levantar os móveis a 40 centímetros, e a água não chegar neles. Só que da última vez foram 30 e poucos dias com água em cima dos pátios. Ela não secava nunca", recorda.
O pescador conta que só conseguiu retomar sua atividade rotineira há pouco meses. "A pescaria reapareceu a uns quatro, cinco meses. Demorou muito, achamos que não ia ter mais pesca. A água ficou muito diferente. Ficou algum resíduo da enchente no chão. Não está prejudicando, mas a água não voltou a ficar clara como era. Não tivemos safra de camarão, infelizmente. Mas eu não perdi minhas embarcações. Consegui arrumá-las de novo e fui à luta" relata.
Sobre o como se vê mesmo após tudo que passou, o pescador é direto: "Eu vou morrer mesmo na pesca. Dessa, eu não saio mais". No entanto, ele projeta algo diferente para a sua família. "Mas meu filho, eu tentei tirar dela. Acho que, daqui a um tempo, não vai mais existir pescador. Os filhos da gente não vão querer mais isso aqui. Não tem mais o que tirar. Está ficando cada vez mais difícil, e as leis estão muito em cima de nós. A lei prejudica muito o pescador pequeno. Eles pedem muita coisa que a gente não tem".

Notícias relacionadas