O arcebispo de Porto Alegre, dom Dadeus Grings, recebeu de bom grado a escolha de Jorge Mario Bergoglio como Papa. Francisco é o primeiro pontífice latino-americano a assumir o cargo máximo da Igreja Católica. Para dom Dadeus, a escolha aconteceu porque a personalidade do argentino responde “às situações deste tempo”, além da importância de representar o Terceiro Mundo.
Jornal do Comércio - O senhor conhece o Papa Francisco?
Dom Dadeus Grings – Pessoalmente, não.
JC - Como o senhor recebeu a notícia da escolha de um latino-americano para comandar a Igreja Católica?
Dom Dadeus - Estamos muito contentes por ser um bispo do hemisfério Sul, pois isso é muito importante. A América tem 500 anos de evangelização, enquanto que a Europa tem dois mil anos. Essa é uma nova configuração de Igreja. A Argentina é um país católico, mas não é o maior da América Latina. O Brasil e os Estados Unidos são mais poderosos em número de católicos. Escolheram um país mais modesto, mas com grande expressão. Os cardeais notaram a importância de o Papa ser do Terceiro Mundo. Ao mesmo tempo, a figura dele é de uma pessoa que pode responder a este tempo e ao momento atual. Nos últimos tempos, os Papas sempre foram escolhidos sob medida para cada situação.
JC - O senhor acredita que haverá algum tipo de renovação na Igreja?
Dom Dadeus – É a primeira vez que um jesuíta vira Papa. Alguns achavam que ele iria repetir o nome, como Paulo, Pio e João. Porém, ele escolheu Francisco, que tem uma conotação muito profunda. São Francisco de Assis foi um homem da fraternidade universal. Também existiu Francisco Xavier, um jesuíta, que foi padroeiro das missões, indo para regiões distantes. Este Papa também representa a missão em outros países. Um terceiro Francisco foi o de Sales, homem de relação próxima com a cultura. Essas três pessoas trazem uma perspectiva nova para a Igreja.
JC - O senhor acreditava que os brasileiros que concorriam tinham chance?
Dom Dadeus – Chances todos tinham. A grande surpresa foi ser alguém do Terceiro Mundo. Nós não olhamos apenas para uma nação, mas para quem representa melhor os anseios da Igreja como um todo. A Igreja é muito europeia e se queria desfazer isso, tornando-a mais internacional. A América Latina tem hoje um grande peso, pois possui 44% dos católicos do mundo.
JC - O que o senhor sabe sobre as posições do novo Papa quanto a casamento homossexual, aborto, entre outros temas polêmicos?
Dom Dadeus - Essas questões são secundárias. Precisamos apontar para o essencial. Vimos como faz falta um Papa e como é importante existir esse “pai comum”. O Papa representa uma voz paterna. Esse é o ponto principal. Não se deve olhar primeiro para as divergências que podem surgir, mas a unidade que ele traz para o mundo. Nós temos uma mensagem muito importante para transmitir, de salvação em Jesus Cristo. Com essa voz vinda da América, a repercussão será melhor no mundo todo.
Dilma irá ao Vaticano na terça-feira
O porta-voz do Planalto, Thomas Traumann, anunciou que a presidente Dilma Rousseff aceitou o convite do Vaticano e irá participar, na próxima terça-feira, da missa de início de pontificado do Papa Francisco.
A diplomacia do Vaticano está empenhada em conseguir que os países com uma grande quantidade de católicos enviem seu mais alto escalão para a solenidade, e o Brasil é uma das prioridades, ao lado da Argentina, nação onde nasceu o pontífice.
Na quarta-feira, em nota, Dilma cumprimentou o novo Papa e o país vizinho. “Em nome do povo brasileiro, congratulo o novo Papa Francisco e cumprimento a Igreja Católica e o povo argentino. Maior país em número de católicos, o Brasil acompanhou com atenção o conclave e a escolha do primeiro Papa latino-americano”, disse.
Bergoglio não se envolveu com a ditadura, afirma CNBB
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, negou nesta quinta-feira que Francisco tenha sido omisso ou conivente com a ditadura na Argentina, entre 1966 e 1973. O arcebispo disse ter convivido com o Papa em vários eventos, como por exemplo uma reunião de bispos latino-americanos em Aparecida do Norte (SP).
Segundo dom Damasceno, durante a ditadura, Jorge Mario Bergoglio era sacerdote jesuíta, e as suspeitas sobre sua posição em favor da ditadura não correspondem ao temperamento dele. “Essa versão certamente não coaduna com a verdade. Ele é um verdadeiro pastor, um homem de solidariedade.”
Na Argentina, no entanto, organizações de direitos humanos divulgaram informações de que Francisco invocou o direito que há na legislação argentina de se recusar a aparecer em tribunais que julgavam torturas e assassinatos cometidos pelo governo ditatorial do país. Já o jornal argentino Clarín informou que o Papa, ao contrário do que afirmam as organizações, assumiu riscos para salvar os que lutavam contra a ditadura. Uma biografia autorizada sobre Francisco foi escrita e chama-se O Jesuíta.
Dom Damasceno admitiu não conhecer em detalhes os aspectos da ditadura argentina. No entanto, o arcebispo brasileiro ressaltou que o momento é para olhar o Papa “daqui para frente”.