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Publicada em 21 de Outubro de 2025 às 13:26

Pesquisador da Ufrgs é eleito membro da Academia Mundial de Ciências

O professor e pesquisador Jefferson Cardia Simões, de 67 anos, já realizou 27 incursões à Antártica e três ao Ártico

O professor e pesquisador Jefferson Cardia Simões, de 67 anos, já realizou 27 incursões à Antártica e três ao Ártico

Centro Polar e Climático da UFRGS/Divulgação/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
Na última semana, o professor Jefferson Cardia Simões, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi eleito membro da Academia Mundial de Ciências para o Avanço da Ciência nos Países em Desenvolvimento (TWAS).  Entre os 63 novos membros da entidade, que é vinculada à Unesco, há oito brasileiros. 
Na última semana, o professor Jefferson Cardia Simões, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi eleito membro da Academia Mundial de Ciências para o Avanço da Ciência nos Países em Desenvolvimento (TWAS).  Entre os 63 novos membros da entidade, que é vinculada à Unesco, há oito brasileiros
Essa é a primeira vez que um cientista latino-americano polar é eleito para a entidade. O Jornal do Comércio conversou com o pesquisador, que é pioneiro nos estudos de Glaciologia no Brasil. Com uma bagagem de 27 incursões à Antártica, Simões destacou a importância dos polos para o equilíbrio climático. 
Jornal do Comércio - O professor é um pioneiro da Glaciologia no Brasil. O que é Glaciologia e quais fenômenos esse campo estuda? 
Jefferson Cardia Simões - A Glaciologia é a ciência que estuda toda a massa de neve e gelo do planeta Terra. Na verdade, de qualquer lugar, mas especialmente da Terra. O principal objetivo é entender qual é o papel da criosfera, a massa de gelo e neve que ainda cobre 10% desse planeta, e como ela controla o clima. Assim como o papel do clima, a história do clima, a química da atmosfera, o comportamento das geleiras. Basicamente, de uma maneira mais simplificada, é a ciência que estuda o gelo e a neve de todo o planeta.
JC - E qual é a importância de estudar o gelo e a neve da Terra? 
Simões - Primeiro, a gente tem que lembrar que 10% da Terra ainda é coberto de gelo e neve. Essa massa enorme, que a gente chama de criosfera, é um dos principais controladores do clima do planeta. Hoje, sabemos que o gelo da Terra é tão importante quanto a Amazônia na variabilidade do clima e do nível médio dos mares. As frentes frias que chegam aqui - e que, muitas vezes, vão chegar até o sul do Acre - são formadas exatamente no Oceano Austral, que é o Oceano Antártico. E isso é devido à presença dessa enorme massa de gelo, que, no nosso jargão, chamamos de o “grande absorvedor de energia do planeta”. O que eu quero dizer com isso? As correntes atmosféricas e oceânicas só existem porque há transporte de energia dos trópicos para as duas regiões polares, que são muito frias e têm essa massa de gelo enorme.
JC - E na última semana foste eleito membro da Academia Mundial de Ciências dos Países em Desenvolvimento. O que essa conquista representa? 
Simões - Antes de tudo, um reconhecimento da maturidade do Programa Antártico-Brasileiro, que, pela primeira vez, lidera a pesquisa latino-americana nas regiões polares. É a primeira vez que um cientista latino-americano polar é eleito para essa Academia. Nós já temos cientistas brasileiros de todas as áreas básicas, mas um cientista latino-americano que trabalha com as regiões polares é a primeira vez. Isso mostra a liderança da UFRGS na pesquisa polar latino-americana, não só no Brasil. O que tem sido uma tradição. Isso coincide também com o momento em que o Programa Antártico está se tornando um programa polar, porque a questão do Ártico e dos Andes está se tornando cada vez mais importante para as mudanças do clima. 
JC - Quantas vezes o professor já esteve nos polos?
Simões - Eu estive 27 vezes na Antártica e três vezes no Ártico.
Jefferson Cardia Simões foi à Antártica pela primeira vez em 1990 | Centro Polar e Climático da UFRGS/Divulgação/JC
Jefferson Cardia Simões foi à Antártica pela primeira vez em 1990 Centro Polar e Climático da UFRGS/Divulgação/JC
JC - Quando é que foi a tua primeira viagem? O que mudou de lá para cá? 
Simões - Para a Antártica foi em 1990. Principalmente, no lugar onde o Brasil trabalha, nós vemos que, entre as maiores mudanças percebidas agora com olhos nus, está a redução da massa de gelo, o esverdeamento de algumas das ilhas, que são aquelas ilhas mais quentes, onde está crescendo os campos de musgo, aparecendo gramíneas e entrando espécies estranhas. Simplesmente, porque é um dos lugares que têm aquecido muito. São cerca de 4 graus, 3 graus em um pouco mais de 70 anos. Ou seja, é uma região sensível às mudanças do clima. Mais sensível do que a periferia da Antártica, só o Ártico. O Ártico está aquecendo quatro vezes mais do que a média mundial. E eu gosto sempre de lembrar que o nosso grupo da UFRGS nem trabalha nessa região, mas sim dentro do continente Antártico, 2,5 mil quilômetros ao Sul. O grupo da UFRGS é o único que está treinado e habilitado a trabalhar no interior do continente Antártico
JC - Aproveitando que comentaste sobre a Ufrgs, qual tem sido o papel da instituição no campo da pesquisa polar durante os últimos anos?
Simões - Olha, o Centro Polar e Climático da Ufrgs é a instituição líder em pesquisa do Programa Antártico Brasileiro. E ele atua principalmente nas geociências, ou seja, tem atuado na glaciologia, na geografia física e na climatologia polar nessas áreas de concentração. E é também a gestora - a UFRGS e eu como indivíduo - do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera. É um instituto virtual que estuda a massa de gelo de todo o planeta e as implicações para o clima brasileiro. 
JC - Hoje, o que já se conhece e o que ainda é preciso conhecer sobre esses dois polos? 
Simões - Olha, o que se sabe é que eles são muito mais sensíveis às variações climáticas, por exemplo, do que os trópicos e os subtrópicos. Nós saímos da ideia que se tinha de que eles eram muito estáveis há 40 anos. Nós sabemos que eles respondem rapidamente à variabilidade do clima. A grande questão é quanto eles estão respondendo às mudanças na química da atmosfera e na intensificação do aquecimento global. Temos que ver quais as consequências do rápido desaparecimento do mar congelado no verão ártico para a América do Sul, principalmente para os trópicos. Eu ainda enfatizaria o desconhecido, porque nós estamos descobrindo coisas que nem se imaginavam. Ao longo dos últimos 20 anos, a comunidade científica encontrou mais de 600 lagos abaixo de dois ou três quilômetros de gelo ou mais na Antártica. Estamos encontrando novos ambientes e novas situações. O fundo do gelo da Antártica é tão mal conhecido quanto o fundo dos oceanos.
JC - Em fevereiro de 2025, anunciaste a tua aposentadoria das incursões da Antártica, correto? 
Simões - É, do trabalho de campo. Já está na hora de passar o bastão para a “gurizada”, entre aspas. A “gurizada de 40 anos”, para que eles possam liderar as coisas. Já são muito bem treinados e têm experiência. O meu papel agora é orientar, escrever livros… o que eu já tenho feito nos últimos 10 anos. 
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JC - E por que encerrar esse ciclo agora?
Simões - Eu estou com 67 anos. Tenho outros objetivos. Não é nem por saúde, porque eu ainda estou bem, eu faço esporte. Mas começamos a ter outros valores. Podemos contribuir com a experiência de outras maneiras. Eu tenho netos, quero curtir os netos. E assim a gente vai. A gente tem que saber que há passagens na vida. 
JC - Como avalias o atual cenário das mudanças climáticas?
Simões - Hoje, a comunidade científica sabe muito bem os cenários de mudança do clima. Sabemos que, infelizmente, vamos atingir dois graus na média global, mas esse não é o problema principal. O principal é que estamos afetando toda a circulação atmosférica e oceânica, e pode ser que tenha processos que ainda nem sabemos, inclusive os últimos dois, três anos estão mais aquecidos do que os modelos estavam prevendo. Temos a questão do nível do mar que está aumentando e vai afetar evidentemente a nossa costa. E, voltando para o Rio Grande do Sul, isso afeta a nossa planície costeira, que é muito baixa. E estamos vendo uma desestabilização do ecossistema planetário, e isso pode ter uma série de consequências socioeconômicas, inclusive levar a uma crise civilizatória. Temos que parar o negacionismo, tanto por interesses econômicos quanto ideológicos, que tentam ignorar essas informações. Se não segurarmos dois e meio, três ou quatro graus não tem volta. Nós jogamos o planeta em outro estado de equilíbrio. E as consequências disso ainda nem sabemos
JC - E diante desse cenário, qual deve ser o papel da humanidade? O que precisa ser feito para frear esse avanço das mudanças climáticas? 
Simões - Todo mundo sabe que cedo ou tarde vamos ter que mudar o nosso padrão de consumo. Não existe um planeta infinito com recursos infinitos. Já estamos vendo algumas crises no mundo. Crises na economia, crises ambientais… todo mundo diz, mas ninguém faz. Tem que ter uma economia mais sustentável, mais cíclica, menos consumo de combustíveis fósseis, mais transportes não individuais. Um indivíduo sempre pode contribuir, principalmente com a educação das próximas gerações. Mas o que vai mudar são atitudes políticas e grupos de pressão atuando sobre governantes. 
JC - Por fim, neste novembro, acontece a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, COP30. Qual a importância desse evento? Quais pautas que não podem ficar de fora nos debates? 
Simões - Olha, a importância já está no número, né? A "COP30". Mas, infelizmente isso também significa que não conseguimos seguir as recomendações e tomar decisões. Temos que ter uma negociação nesses diferentes processos que já ocorrem desde a Rio-92 para tentar cortar a produção dos gases de efeito estufa. Lembrando que o gás de efeito estufa, como a gente está falando, é da intensificação, porque o efeito estufa é um processo natural. Mas estamos intensificando isso. Temos que reduzir primeiro essa produção, senão não sabemos onde é que vai acabar. Mas eu sou muito pessimista, porque ninguém quer pagar a conta.

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