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Publicada em 22 de Setembro de 2025 às 19:04

Anvisa permite que enfermeiros prescrevam antibióticos em sistema nacional

A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) repudiaram a atualização e apontaram riscos à saúde pública

A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) repudiaram a atualização e apontaram riscos à saúde pública

Freepik/Divulgação/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
No começo deste mês de setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu enfermeiros como prescritores de antibióticos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). A plataforma regula a entrada e saída de substâncias controladas em farmácias no Brasil. 
No começo deste mês de setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu enfermeiros como prescritores de antibióticos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). A plataforma regula a entrada e saída de substâncias controladas em farmácias no Brasil. 
A decisão, que dividiu opiniões, não altera as diretrizes básicas para o exercício da profissão. Na verdade, há 39 anos, a lei n° 7.498/1986 já autoriza enfermeiros a prescreverem medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde.
A grande mudança, portanto, está nas farmácias privadas, que passarão a aceitar e registrar receituários de antimicrobianos prescritos por enfermeiros. Ou seja, o que muda é que, se o enfermeiro prescrever um antibiótico na Unidade Básica de Saúde (UBS) e o medicamento não estiver disponível para o paciente receber, ele poderá comprá-lo. 
“Sem essa atualização do sistema, o paciente recebia se tinha na UBS. Se não tinha, não conseguia comprar, porque nas farmácias privadas existe esse sistema. Então, o que a Anvisa fez foi só atualizar o sistema e colocar a possibilidade de venda do antibiótico também para o enfermeiro, no caso das farmácias privadas”, explica a chefe do Departamento de Gestão do Exercício Profissional do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Tatiana Melo. 
Para a enfermeira, a atualização não é uma demanda recente. Foram anos de tratativas até a consolidação da mudança. “O enfermeiro é essencial na saúde pública. E a gente conseguiu sensibilizar a direção da Anvisa para que eles atualizassem esse sistema, promovendo um maior acesso da população aos medicamentos”, afirma. 
O vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Eduardo Neubarth Trindade, por sua vez, discorda da decisão da Anvisa. “Não é por uma questão de reserva de mercado. Sabemos da importância fundamental do enfermeiro no sistema de saúde, mas repudiamos essa tentativa de invasão de atividades e competências exclusivas do médico”, afirma Trindade
O médico defende também que a própria Lei n° 7.498/1986 deveria ser revogada. “O Brasil tinha um número infinitamente menor de médicos em 1986, por isso, poderia ser necessário, mesmo com os riscos, disponibilizar essa questão da prescrição para outros. Hoje, nós não temos uma justificativa plausível para liberar a prescrição de medicações para quem não tem a formação acadêmica adequada”, completa o vice-presidente do Cremers. 
Por meio de nota, a Associação Médica Brasileira (AMB) também se manifestou de forma contrária à norma da Anvisa, que inclui profissionais de enfermagem no SNGPC, e solicitou uma revisão imediata da resolução
Para a AMB, a decisão contraria a Lei nº 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico, que determina que a prescrição de medicamentos, especialmente de antimicrobianos, é uma atribuição privativa dos médicos. “Trata-se de uma atividade que exige conhecimento técnico-científico aprofundado, o qual não integra a formação dos profissionais de enfermagem”, afirma a entidade. 
"A AMB vê com extrema preocupação essa decisão, que abre um perigoso precedente para a venda indiscriminada de antibióticos no país, comprometendo a segurança da população e a eficácia dos tratamentos médicos", destaca, em nota, o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes. 
Tatiana ressalta, por outro lado, que os enfermeiros prescrevem somente mediante ao cumprimento de uma série de protocolos baseados em evidências científicas, que são estabelecidos pelo Ministério da Saúde ou pela instituição de saúde em que o profissional atua. 
“É diferente do médico, que pode prescrever de acordo com a avaliação clínica dele. O enfermeiro não faz isso. Ele tem que ver o exame e o protocolo para ver se aquele paciente se encaixa dentro daquele tratamento. E só aí prescreve, seguindo o que está dentro da rotina aprovada”, explica a integrante do Cofen. 
Para ela, portanto, a atualização, que representa uma maior valorização do trabalho dos enfermeiros, traz apenas benefícios à população. “O benefício principal é o acesso ao tratamento, porque às vezes falta muita medicação nas farmácias públicas. Então vamos ter mais rapidez no tratamento e, com isso, melhor controle das infecções”, completa Tatiana.  
Já Trindade entende que os riscos superam os benefícios. “Em primeiro lugar, a gente tem o uso indiscriminado de antibióticos. A gente acaba banalizando a prescrição de antimicrobianos, que podem gerar duas coisas: o aumento da resistência a antimicrobianos e a disseminação cada vez maior de germes muito resistentes, que não vai ter antibiótico que dê conta”, completa. 
 

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