Historicamente, o Rio Grande do Sul apresenta taxas de suicídio acima da média nacional. Somente em 2022, foram pelo menos 1,56 mil mortes no Estado, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). O resultado equivale a uma taxa de cerca de 14,4 por 100 mil habitantes.
Há várias hipóteses para isso. Os números tendem a ser ainda maiores nas zonas rurais, e o Rio Grande do Sul não escapa dessa tendência. “Nós somos um Estado agrícola. E muitos suicídios estão relacionados a organoclorados. Esses defensivos agrícolas favorecem o aumento das taxas de depressão”, explica a psiquiatra Carla Bicca, vice-presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS).
A vice-presidente, que também coordena a Comissão de Psiquiatria das Adições da ABP, destaca que alguns defensivos agrícolas utilizados nas lavouras provocam alterações na dinâmica cerebral. Como consequência, há uma diminuição na produção de serotonina, substância responsável por regular o humor.
Esse, contudo, não é o único agravante. “A maior incidência de suicídios na zona rural não se explica por um único fator, mas pelo conjunto de vulnerabilidades sociais, econômicas e culturais, somado ao fácil acesso a meios letais”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), Raquel Antoniassi.
Aspectos geográficos, climáticos, econômicos e socioculturais - atrelados a uma forte valorização da autonomia, do trabalho e da tradição rural- podem favorecer comportamentos suicidas. Paralelamente, há o isolamento do campo e a falta de políticas públicas que garantam o acesso aos serviços de saúde mental.
Isso, sem contar com a exposição a eventos traumáticos, como a pandemia de Covid-19 e as enchentes de maio de 2024. “Nós tivemos perdas financeiras significativas. O nosso Estado sofreu muito. E muitas depressões que podem levar ao suicídio são desencadeadas por períodos de estresse”, completa Carla.
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Apenas em 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou cerca de 11,5 mil internações relacionadas a lesões em que houve intenção deliberada de infringir danos a si mesmo. O dado representa um crescimento de 25% em relação a 2014, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede).
Para a presidente da Abeps, não é possível estabelecer uma relação causa-efeito para o suicídio. Há, contudo, alguns fatores de risco que favorecem o desenvolvimento de comportamentos suicidas.
Trata-se de uma “confluência complexa de elementos biológicos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais”, explica. Entre eles, destacam-se o diagnóstico de transtornos mentais, o abuso de álcool e outras substâncias e eventos estressores, como perdas, isolamento social, conflitos e traumas.
Os fatores socioeconômicos e contextuais também podem favorecer ideações suicidas. É aí que entram os baixos níveis educacionais, o desemprego, a pobreza, as desigualdades, a discriminação e a falta de uma rede de suporte.
Inimiga ou aliada?
“A internet pode funcionar tanto como fator de risco quanto como fator de proteção, dependendo da forma como é utilizada”, explica Raquel. Por um lado, favorece a exposição a conteúdos nocivos, o cyberbullying, a violência virtual, o isolamento, a comparação social e o uso problemático da Inteligência Artificial.
Mas, por outro, pode reunir fatores de prevenção. Para a presidente da Abeps, as novas tecnologias também podem possibilitar o acesso à informação de qualidade, ao atendimento online e a inovações em saúde mental.
De qualquer maneira, o novo cenário exige atenção. "O cuidado que esse novo cenário das Inteligências Artificiais exige se encontra não apenas em maior regulamentação e preparo das IAs para atender as demandas de saúde mental, mas, principalmente, em educação digital para jovens e famílias", avalia.
Se precisar, peça ajuda
“Às vezes, a gente está em um ambiente cheio de gente, e, mesmo assim, nos sentimos sozinhos”, explica Carla. Para a psiquiatra, o diálogo é a palavra-chave e deve vir acompanhado de escuta ativa, empatia, acolhimento e suporte. “Fale o que você está sentindo, fale para as pessoas, procure ajuda. Diga que você está em um momento difícil, que está sofrendo. Porque, às vezes, as famílias também não sabem como ajudar”, completa.
A prevenção do suicídio exige uma abordagem ampla, multidisciplinar e, principalmente, constante. Nesse sentido, a consolidação de vínculos afetivos fortes e de uma rede de apoio, o acesso a serviços de saúde mental qualificados e a construção de políticas públicas, que valorizem a inclusão e o acolhimento, são fundamentais.
E tudo isso deve ir além do Setembro Amarelo. "A prevenção ao suicídio deve ser contínua, ultrapassando o mês de setembro, com foco na valorização da vida, na equidade e na promoção da saúde mental. Que esse mês seja um marco de reflexão e cuidado continuado, não apenas um momento de visibilidade e publicidade", defende Raquel.
Portanto, "se precisar, peça ajuda". Hoje, há linhas de apoio e serviços emergenciais confidenciais, que estão disponíveis para ouvir e oferecer suporte, como o Centro de Valorização da Vida (CVV). Basta discar 188 ou acessar o site www.cvv.org.br.
A origem da data
Um Mustang 1968 amarelo. Esse foi o ponto de partida para uma das maiores campanhas internacionais de prevenção contra o suicídio: o Setembro Amarelo, que chegou ao Brasil em 2013 por meio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
“Esse é um assunto necessário. Precisamos educar na prevenção para que as pessoas possam, se não estiverem se sentindo bem, saber onde encontrar ajuda”, explica Carla.
A iniciativa foi oficializada pelo Conselho Federal de Medicina em 2014. Mas, a sua história começa antes disso. O Setembro Amarelo nasceu em 1994, nos Estados Unidos, a partir da morte do jovem Mike Emme, de 17 anos. O estadunidense, que se despediu precocemente, era muito querido pelos amigos e familiares.
No seu velório, cartões decorados com fitas amarelas carregavam a mensagem “Se precisar, peça ajuda”. E a escolha da cor não foi à toa. É aí que Mustang 68 amarelo. De acordo com a ABP, a cor do carro restaurado pelo jovem antes de sua morte se tornou símbolo de memória e prevenção neste Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que acontece nesta quarta-feira (9).