O número de indígenas assassinados em todo o Brasil subiu em 2024 pelo terceiro ano consecutivo, enquanto a quantidade de invasões e danos a terras indígenas (TI) teve um recuo, mostra a nova edição do relatório anual de violência do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Com isso, o número de mortes no segundo ano do governo Lula (PT) chegou ao patamar mais alto desde 2021, período analisado no documento.
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Segundo o órgão, o aumento dos conflitos está ligado ao início da vigência da lei do marco temporal, que estaria "fragilizando os direitos territoriais dos povos originários, gerando insegurança e fomentando conflitos e ataques contra comunidades indígenas em todas as regiões do país". Na comparação de 2023 com 2024 (o primeiro ano de aplicação destas novas regras), os registros de assassinatos tiveram uma leve alta, de 208 para 2011 - estava em 176 em 2021. Já o número de conflitos, foi de 150 para 154, segundo o levantamento, divulgado nesta segunda-feira (28). O documento é elaborado há mais de 20 anos.
Os três estados com maior número de assassinatos têm se mantido constantes nos últimos anos, de acordo com o relatório: Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33) registraram os números mais altos, com destaque também para a Bahia, onde 23 indígenas foram assassinados.
O documento indica alta nos chamados casos de "Violência contra a Pessoa", que totalizaram 424 registros em 2024, contra 411 em 2023. Nove categorias são levadas em conta: abuso de poder (19 casos); ameaça de morte (20); ameaças várias (35); assassinatos (211); homicídio culposo (20); lesões corporais (29); racismo e discriminação étnico-cultural (39); tentativa de assassinato (31); e violência sexual (20).
Ainda de acordo com a nova edição do relatório "Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil", o número de invasões ou danos aos territórios seguiu a tendência dos últimos anos e caiu de 276 para 230 neste mesmo intervalo, os dois primeiros de Lula. Além disso, em uma resposta a questionamentos do conselho, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) afirmou que a nova lei afeta pelo menos 304 processos demarcatórios, e que as novas regras "pecam por falta de clareza e por contradição", tornam esses procedimentos mais demorados e, por vezes, impossíveis de serem executados.
"O que tem ocorrido é um aumento da morosidade dos processos de demarcação de terras indígenas", diz a fundação, no documento enviado ao Cimi.
"O que tem ocorrido é um aumento da morosidade dos processos de demarcação de terras indígenas", diz a fundação, no documento enviado ao Cimi.
Em alguns casos, continua a Funai, o processo "torna-se inexequível", uma vez a lei obriga notificar os afetados pela demarcação mesmo antes que a área do território seja estimada -só há como realizar a comunicação depois que se calcule os limites da TI. O levantamento do Cimi indica que os novos procedimentos já afetam a demarcação dos territórios.
Os casos de "omissão e morosidade na regularização de terras" por parte do poder público, voltaram a crescer, passando de 850 em 2023 para 857, quantidade que se aproxima do patamar deixado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 867. A tese do marco temporal determina que a demarcação dos territórios deve considerar a área ocupada pelos indígenas na promulgação da Constituição Federal, em 1988.
Setores ligados ao agronegócio defendem essa visão e afirmam que o marco ajuda a resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica, no caso de investimentos no campo. Antropólogos e outras pessoas ligadas à defesa dos direitos dos povos afirmam que a própria Carta Magna determina que a terra pertence a seus ocupantes originários antes da existência do Estado e que, portanto, seria inconstitucional aplicar uma data para a delimitação destas áreas.
Em 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) terminou o julgamento do marco temporal e derrubou a tese. Liderado pela bancada ruralista, o Congresso Nacional reagiu, e aprovou uma lei que instituiu o marco, criou novos procedimentos para a demarcação e enfraqueceu a proteção aos indígenas.
O tema foi novamente levado ao Supremo, e o ministro Gilmar Mendes iniciou um processo de conciliação, para tentar chegar a um acordo sobre a questão.
O tema foi novamente levado ao Supremo, e o ministro Gilmar Mendes iniciou um processo de conciliação, para tentar chegar a um acordo sobre a questão.
Até aqui no processo, ele já indicou que deve derrubar novamente a tese e recuou de sua tentativa inicial de regulamentar a mineração nas terras indígenas, mas sua decisão ainda não foi publicada. "Como consequência, as demarcações avançaram em ritmo lento [em 2024] e terras indígenas, inclusive já regularizadas, registraram invasões e pressão de grileiros, fazendeiros, caçadores, madeireiros e garimpeiros -entre outros invasores, que se sentiram incentivados pelo contexto de desconfiguração de direitos territoriais", diz o relatório do Cimi.
"Os números de assassinatos e de suicídios de indígenas mantiveram-se elevados, assim como os casos de desassistência e omissão a povos e comunidades", continua o documento. O relatório aponta ainda que a crise da seca no Norte, dos incêndios pelo Brasil e de chuvas no Sul agravou a situação de vulnerabilidade de muitas comunidades. "Os povos indígenas estiveram entre os mais afetados por estes eventos trágicos".
O primeiro ano de vigor do marco temporal, 2024, coincide com o segundo ano do governo Lula e apresenta aumento em alguns índices, após queda com relação à gestão Bolsonaro - que era publicamente contra a manutenção e preservação das culturas indígenas, não demarcou nenhum território e incentivou a exploração dos recursos naturais nestes locais, inclusive por meio do garimpo.
Além dos já citados casos de conflitos, assassinatos e morosidade, também houve alta de ameaças de morte (17 para 20) e suicídios (180 para 208). Já as ocorrências invasões ou danos a terras indígenas caíram pelo terceiro ano seguido, e também diminuíram, entre 2023 e 2024, os registros de mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos (1040 para 922), mortes por desassistência na área de saúde (111 para 208) e violência contra territórios com presença ou indícios de isolados (30 para 22).
Agências