O novo presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcelo Matias, assumiu o cargo no início deste ano com o compromisso de atuar contra a abertura indiscriminada de faculdades de Medicina, que, segundo ele, compromete a formação de profissionais e a qualidade da assistência à população. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o dirigente destacou a criação de um grupo multidisciplinar para monitorar e denunciar irregularidades em instituições de ensino, além do reforço do papel do sindicato na valorização da classe médica e no enfrentamento de desafios estruturais, como a defasagem nas tabelas do SUS e o fechamento de maternidades no Estado.
Jornal do Comércio - Qual é o seu principal objetivo à frente do Simers?
Marcelo Matias - Reconhecer que somos um instrumento dos médicos. Devemos a eles nossa atuação, e isso significa conduzir a gestão de forma que se sintam representados e tenham voz para enfrentar suas dificuldades. Não há limites para a atuação do sindicato nesse sentido: estamos aqui para defender médicos cientistas, médicos PJ, aqueles que trabalham em consultórios próprios, como investidores ou funcionários. Nosso compromisso é trabalhar 24 horas por dia em defesa da classe médica.
JC - Quais serão os principais eixos de atuação de vocês?
Matias - Um dos focos mais importantes é combater a abertura indiscriminada de faculdades de medicina. Hoje temos um processo inadequado, no qual muitas dessas faculdades são abertas sem atender às condições de ensino ou às necessidades da população. Grande parte delas é aberta por força judicial, sem a devida avaliação do Ministério da Educação ou da Saúde. Isso transforma o ensino médico em um comércio, gerando um número excessivo de profissionais no mercado, muitos dos quais se formam sem a qualificação necessária.
JC - E quais os impactos disso para os médicos e a população?
Matias - Esse excesso de oferta de profissionais pode levar, no futuro, a uma queda da remuneração médica, o que dificulta tanto a capacitação desses profissionais quanto o pagamento de dívidas de formação, que geralmente são altas. Para a população, isso significa médicos menos preparados e uma assistência comprometida.
JC - O que está sendo feito ou pensado para que haja um efetivo combate a esse problema?
Matias - Formaremos um grupo multidisciplinar para atuar no Estado e em Brasília, com apoio jurídico para resistir a novas aberturas de faculdades que não cumpram exigências mínimas, como a posse de hospitais próprios, leitos e preceptores por aluno, além de professores qualificados. Em parceria com o Conselho Regional de Medicina e a Associação Médica do Rio Grande do Sul, também fiscalizaremos as condições das instituições existentes e denunciaremos eventuais irregularidades.
JC - Por que ainda há falta de médicos em algumas regiões, mesmo com o aumento no número de faculdades de medicina?
Matias - A falta de médicos ocorre principalmente em locais que oferecem condições precárias de trabalho. Não há dificuldade em atrair médicos para instituições como o Hospital de Clínicas de Porto Alegre ou o Grupo Hospitalar Conceição, por exemplo. O problema está em áreas onde não há infraestrutura adequada, remuneração justa ou segurança no trabalho.
JC - Como o senhor vê o impacto das tabelas do SUS nesse cenário?
Matias - As tabelas do SUS foram concebidas há décadas com valores desatualizados, que não acompanham a inflação da saúde - uma inflação que é sempre maior que a geral. Isso ocorre porque a saúde constantemente incorpora novas tecnologias e enfrenta o aumento da expectativa de vida, ambos fatores que encarecem o sistema. A falta de reajuste adequado dessas tabelas ao longo dos anos prejudica não só os médicos, mas também os hospitais que dependem dessas remunerações.
JC - Qual é a proposta do sindicato para enfrentar esses desafios?
Matias - Em nossa primeira gestão, propusemos uma ampla discussão sobre o Sistema Único de Saúde, que infelizmente não avançou no Congresso Nacional. Agora, nosso objetivo é criar um arcabouço jurídico que reduza os custos do sistema de saúde e facilite investimentos públicos e privados. Defendemos o aumento dos recursos públicos, mas também entendemos que é necessário buscar eficiência nos investimentos para que o sistema seja sustentável.
JC - Outro tema que tem ganhado destaque no Estado é o fechamento das maternidades. Qual a sua avaliação sobre a situação?
Matias - Desde 2018, o Rio Grande do Sul tem convivido com o fechamento de maternidades de pequeno porte e até grandes, como a do Hospital Mãe de Deus mais recentemente, o que reduziu cerca de 35% dos leitos de obstetrícia. Isso afetou tanto o sistema público quanto o privado, sobrecarregando hospitais como o Divina Providência, Moinhos de Vento e Santa Casa. Sem contar que, no sistema público, fechamentos em cidades da Região Metropolitana agravaram a superlotação em Porto Alegre.
JC - Há sinais de melhora ou perspectivas mais positivas?
Matias - A reabertura de maternidades em Cachoeirinha, Alvorada e Viamão trouxe alívio, e há expectativa, esperança pela reabertura do setor no Hospital Mãe de Deus em breve. Contudo, a crise estrutural persiste, afetando a segurança e a funcionalidade hospitalar. Garantir maternidades ativas é essencial para a saúde no Estado, até porque um hospital não é completo sem atender a todas as etapas da vida, desde o nascimento até a terminalidade.