Se o objetivo da resolução aprovada na segunda-feira (30) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é reduzir a litigiosidade trabalhista no Brasil, talvez a meta não seja atingida. O texto veda futuros litígios trabalhistas quando o acordo de rescisão ajustado entre empregador e empregado for homologado pela Justiça do Trabalho. Entretanto, na avaliação de representantes do poder judiciário e dos trabalhadores, a norma não contemplará os principais causadores de processos nessa área.
Entre os argumentos apresentados pelo autor da proposta, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, estão os recentes números apresentados pelos relatórios do judiciário nacional. De acordo com ele, os dados apontam que a quantidade de processos pendentes na Justiça do Trabalho era de aproximadamente 5,5 milhões em 2017. Houve uma queda consistente nos anos de 2018 (4,9 milhões) e 2019 (4,5 milhões). Contudo, os números voltaram a subir em 2020 (5,7 milhões) e se mantiveram relativamente estáveis em 2021 (5,6 milhões), 2022 (5,4 milhões) e 2023 (5,4 milhões).
Segundo o desembargador-coordenador da Comissão de Uniformização Jurisprudencial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), Wilson Carvalho Dias, o ato normativo não deve diminuir muito as demandas trabalhistas, “visto que já foram tentadas outras formas de conciliação, até mesmo extra-judicial, como está na própria CLT, a partir da lei da reforma”. Apesar deste esforço, ele ressalta que “como se viu no próprio voto do ministro Barroso, o número de ações trabalhistas acabou aumentando depois de um determinado tempo”.
Para o magistrado, a atitude principal deveria ser a de combater a cultura do descumprimento da legislação: “Infelizmente, no Brasil temos essa cultura da não observância das normas trabalhistas. E isso aí que gera um número exacerbado de ações, muitas vezes nós temos os casos de terceirizações que as empresas simplesmente desaparecem e o trabalhador fica sem receber um centavo da sua rescisão. Aí não tem outro caminho, senão buscar a Justiça”.
Opinião compartilhada com o advogado do Coletivo Jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio Grande do Sul, Antônio Castro, que não crê na redução dos processos trabalhistas a partir desta resolução. “O que assusta mais não é a resolução em si, mas sim os seus fundamentos, que culpariam uma suposta a ‘litigiosidade dos trabalhadores’ por algo algo que, na verdade, se deve à precarização imposta pelo patronato a partir da reforma de 2017”, afirma.
De acordo com o advogado, a categoria ficou surpreendida e, de certa maneira, um pouco assustada com essa perspectiva do CNJ. “O que levou à retomada dos processos trabalhistas foi um aumento enorme da precarização do trabalho nos últimos anos. Isso causou uma enorme aumento da terceirizações, descontrolada e sem regulamentação, um aumento enorme do uso de Microempreendedor Individual (MEI).”
Conheça a norma
A Resolução nº 586 prevê que o acordo ajustado entre empregador e empregado na rescisão do contrato de trabalho, se homologado pela Justiça do Trabalho, ficará dado como quitação final. Ou seja, fica vedado o ingresso futuro de reclamação trabalhista sobre os termos do acordo.
A norma considera que o acordo a ser levado a homologação pode resultar de negociação direta entre as partes ou de mediação pré-processual. Assim, caberá ao juiz do trabalho, ao homologar o acordo, verificar a legalidade e a razoabilidade do ajuste celebrado. Com o intuito de avaliar o impacto da medida e a possibilidade de ampliação para outros casos, o ato normativo será válido nos seis primeiros meses para negociações acima de 40 salários mínimos, valor médio aproximado dos acordos homologados pela Justiça do Trabalho em 2023.
O texto traz exceções para a quitação final, como no caso de sequelas ou doenças ocupacionais ignoradas no momento da homologação. Nos primeiros seis meses, a resolução valerá para acordos com valor superior a 60 salários mínimos (pouco acima de R$ 56 mil), de forma a medir o impacto na redução dos processos.