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Publicada em 13 de Março de 2024 às 20:09

'Sempre que religião e política se misturam, os resultados são negativos', diz arcebispo de Porto Alegre

Dom Jaime Spengler recebeu o JC na Cúria Metropolitana da Capital gaúcha

Dom Jaime Spengler recebeu o JC na Cúria Metropolitana da Capital gaúcha

FERNANDA FELTES/JC
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar Repórter
Nascido em Gaspar (SC), no ano de 1960, arcebispo de Porto Alegre desde 2013 e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde 2023. Dom Jaime Spengler recebeu o Jornal do Comércio na Cúria Metropolitana da Capital gaúcha e conversou com a reportagem a respeito da Campanha da Fraternidade, das polarizações políticas no Brasil e das expectativas da Igreja Católica para 2024.
Nascido em Gaspar (SC), no ano de 1960, arcebispo de Porto Alegre desde 2013 e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde 2023. Dom Jaime Spengler recebeu o Jornal do Comércio na Cúria Metropolitana da Capital gaúcha e conversou com a reportagem a respeito da Campanha da Fraternidade, das polarizações políticas no Brasil e das expectativas da Igreja Católica para 2024.
Carro-chefe da conversa, a Campanha da Fraternidade nasceu em Natal (RN), nos anos 1960, por iniciativa do bispo Dom Eugênio Sales e rapidamente foi acolhida no Brasil inteiro. Através dela, há mais de 60 anos a Igreja busca promover, anualmente, algum tema de relevância social para que seja debatido durante a Quaresma. Em 2024, a Campanha teve início no dia 24 de fevereiro e terá seu encerramento em 28 de março.
Jornal do Comércio - O tema da Campanha da Fraternidade desse ano é “Fraternidade e Amizade Social”, com o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs”. Qual o objetivo e o que faz deste um tópico atual?
Dom Jaime Spengler - Temos como um dos objetivos em 2024 promover reflexão em torno desta questão desafiadora que é a amizade... Uma coisa tão humana, mas que ao mesmo tempo desafia muito. O Papa Francisco tem uma expressão para definir o que seria essa 'amizade social', ele diz: 'Ir além dos grupos de amigos'. Em uma linguagem, talvez bíblica, nós poderíamos também dizer 'alargar a tenda das nossas relações'. Geralmente, o tema da iniciativa é escolhido cerca de um ano antes da celebração, o que significa que foi decidido por volta do final de 2022. Este período coincidiu com um notável esgarçamento do tecido social, marcado por polarizações que afetaram comunidades, famílias e amizades... A partir da constatação deste momento que a sociedade estava - e ainda está - vivendo optamos por esta temática, almejando contribuir para a construção de uma sociedade mais pacífica e harmoniosa, fomentando relações saudáveis em seu âmago.
"O Papa Francisco tem uma expressão para definir
o que seria essa 'amizade social', ele diz:
'Ir além dos grupos de amigos'."
JC - O quão importante é esta campanha para a igreja católica e como o senhor observas os resultados obtidos até então? 
Dom Jaime - Desde 1960, a igreja busca, a cada ano, promover ou trazer à tona alguma temática de relevância social. A Campanha sempre ocorre durante a Quaresma, pois esse é um período, para nós, de reflexão mais intensa... um tempo de introspecção, não voltada para o individualismo em si, mas para alargar o olhar para a realidade que nos cerca. O objetivo é fortalecer e promover laços de fraternidade. E exemplos de resultados belíssimos não faltam... Um exemplo é o de uma senhora, que me procurou para contar que perdeu dois filhos assassinados pelo tráfico, sofreu muito, mas depois de um tempo refletiu e resolver fazer visitas ao presídio. Hoje, ela se reúne com cerca de 50 homens, dialoga, e volta para casa pacificada. É uma coisa muito simples, que qualquer um pode desenvolver, né? Isso é Amizade social, isso é abertura para o outro.
JC - E como as pessoas podem participar mais ativamente?
Dom Jaime - A Campanha da Fraternidade não está destinada ao mundo católico, e sim a toda a sociedade. Então, eu diria que recordando aquilo que somos e, ao mesmo tempo, resgatando o que somos chamados a ser. Ou seja, através do diálogo, do estudo, da reflexão... de estar sempre aberto a ouvir o que o outro tem a dizer!
JC - O senhor comentou sobre as polarizações que afetaram o País no final de 2022. Foi uma referência ao período eleitoral? Como o senhor encarou, na época, muitos religiosos utilizando a fé de outras pessoas para fazer propaganda política?
Dom Jaime - Sim. Bom, a fé religiosa, independente do credo, deve ser agregadora, não o oposto. A história já nos ensinou que sempre que religião e política se misturam, os resultados são negativos... Então temos que ter muito cuidado neste âmbito. Mas hoje, no Brasil, vejo que falta um projeto de nação. Percebo que todos os políticos buscam conduzir projetos pessoais e partidários, mas não algo que dê folego a todos os brasileiros pensando a longo prazo.
"A história já nos ensinou que
sempre que religião e política se misturam,
os resultados são negativos"
JC - Para finalizar, quais são os principais tópicos da igreja Católica para este ano? Quais assuntos estão em alta internamente?
Dom Jaime - Estamos em um período de Sínodo. O Papa está pedindo para a Igreja refletir sobre esta temática, que significa ‘caminhar junto’, ou seja, buscar a comunhão, a participação de todos... Queremos promover o evangelho na nossa sociedade, fazer com que o propósito de Jesus seja cumprido. E, para isso, temos que ter coragem de sentar, olhar nos olhos um do outro, e encontrar aquilo que nos une. Há quem critique o Papa, afirmando que essas temáticas de cunho mais social não são o papel da Igreja, mas acredito que ele esteja correto. O que ocorre é que muitas pessoas estão saindo da zona de conforto, sendo provocadas a rever concepções... isso causa um certo desconforto.

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