Alunos das faculdades UniRitter e Fadergs, em Porto Alegre, marcaram um protesto para esta terça-feira (30), às 18h30 min, no centro da cidade, em frente à Fadergs. O motivo é a indignação de cerca de 400 estudantes que utilizam Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e ProUni, programas do governo federal, que não estão conseguindo fazer a rematrícula do semestre. Conforme uma publicação conjunta dos diretórios no Instagram, a justificativa das universidades para o problema é que os alunos estão com “pendências financeiras”. Os estudantes mobilizados e os diretórios, no entanto, refutam a justificativa e dizem estar em dia com as suas obrigações junto à Caixa Econômica Federal (CEF) e com a universidade.
"Não é de hoje que a rede Ânima vem gerando boletos para estudantes bolsistas, basicamente fazendo uma cobrança dupla para quem estuda pelos programas federais, como o Fies e o ProUni. Com muitos inclusive com seu nome indo parar no Serasa injustamente", continua a publicação. De acordo com relatos de estudantes ouvidos pela reportagem, o problema já aconteceu ano passado e tem gerado diversos transtornos profissionais e pessoais.
Incerteza sobre matrícula gera ansiedades pessoais e profissionais nos alunos
"Eu vou me formar em agosto e é minha ultima matrícula, estou com a formatura contratada e não consigo me rematricular. É uma cobrança indevida da universidade. Eles alegam que tenho uma dívida de cerca de R$ 20 mil, mas o mais estranho é que essa suposta dívida flutua. Agora, por exemplo, está em R$ 10 mil com desconto, conforme exibido no portal do aluno. Aí se passam mais quinze dias e a dívida vai para R$ 8 mil. Como pode uma 'dívida' diminuir se eu não paguei?", questionou a estudante de Medicina Veterinária da UniRitter, Fernanda Amengual.
Ela contou, ainda, que as cobranças são feitas de maneira abusiva. "Já acordei com ligação deles, me ligam no trabalho. Já me ameaçaram, dizendo que iam me colocar no Serasa. É uma dívida que não tenho. Meu contrato é com a Caixa e está tudo pago", reforçou. A aluna, que contratou um advogado para resolver judicialmente a questão, afirma ter um relatório de pagamentos emitido pela Caixa. "A Caixa alega ter feito todos os repasses".
O estudante de Direito da UniRitter Gabriel Wincher Soares relatou que desde o ano passado enfrenta o mesmo problema com a rematrícula e também questionou o atendimento prestado pela universidade para abordar o assunto. "Os atendentes não tem ideia do que tem sido cobrado. É o que eu sinto. Eles dizem que existe uma diferença entre o aditamento que a gente faz junto à Caixa e o valor das disciplinas. Só que toda vez que tu faz o aditamento, tu lança o valor daquele semestre no aditamento e a Caixa, em tese, cobre 30% acima do teto em caso de eventualidade". O aditamento do Fies é o processo de renovação de contrato do financiamento estudantil que ocorre semestralmente e que pode ter reajustes.
As cobranças estão causando ansiedade no estudante do nono semestre. "Isso me causa problemas profissionais. A minha renovação do estágio depende da rematrícula e se eu não faço meu estágio, não tenho dinheiro para pagar a faculdade", ponderou. A situação faz com que ele cogite mudar de instituição. "Eu procurei outras instituições e elas foram claras em dizer que todo o valor que não é coberto pelo Fies também é pago diretamente pela Caixa."
A estudante de Medicina Veterinária da UniRitter Luciara Moretto chegou a mostrar todos os documentos da Caixa à administração da universidade, mas segue com pendências na matrícula. "É um estresse muito grande. Um absurdo. Eles apresentam boletos inexistentes. Para mim, solicitaram extratos de pagamentos e coparticipação da Caixa. Eu consegui e levei para eles, mas consideraram indeferidos. Entrando no aplicativo do Fies já consta que não tenho boleto em aberto". Ela definiu a situação como um pesadelo. "Não tem respeito. Tem boleto com vencimento para 2090. Eu tenho 60 anos. Além disso, eu não conseguiria realizar o aditamento caso houvesse qualquer dívida", acrescentou.
Alguns alunos afirmaram pagaram a dívida pendente do sistema e mesmo assim não foram liberados para realizar a matrícula.
"Todos os repasses à universidade devem ser feitos pelo agente financeiro", afirma advogado
De acordo com o advogado Bernardo Bertuol, que está assessorando o caso da aluna Fernanda desde julho de 2023, as cobranças são, sim, indevidas. "No caso dela, o contrato é muito claro. Todo aumento que tiver na mensalidade está dentro do financiamento. O restante ela paga como coparticipação com a Caixa. E a Caixa afirma que os repasses foram feitos. Todos os repasses à universidade devem ser feitos pelo agente financeiro", explicou.
"O aluno deve suas obrigações ao agente financeiro. A Caixa que deve repassar. O financeiro da faculdade e o aluno não deveriam debater essa questão. Essas cobranças não devem ser feitas ao aluno", enfatizou.
Ainda de acordo com ele, os estudantes da instituição privada de ensino são protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor. "Os alunos que eventualmente pagaram as cobranças indevidas podem ter a situação judicialmente revertida. Eles podem ser ressarcidos."
Nos casos em que a impossibilidade da matrícula afete outras áreas, como a formatura, pode haver solicitação de danos morais. "Tudo depende de decisão judicial, mas pode", concluiu. De acordo com o Art. 45, da portaria Nº 209, de 2018, que versa sobre o financiamento estudantil, é "vedado às IES (Instituição de Ensino Superior) participantes do Fies e do P-Fies exigir o pagamento de matrícula e de parcelas da semestralidade do estudante que tenha concluído a sua inscrição no FiesSeleção na modalidade Fies ou que tenha sido pré-selecionado na modalidade P-Fies".
CONTRAPONTO
Questionada pela reportagem sobre os protestos dos alunos que alegam não estar em débito com a universidade, a UniRitter e a Fadergs, do grupo Ânima, disseram, em nota, que "a instituição informa que alguns estudantes estão com débitos relacionados ao Fies (Fundo de Financiamento Estudantil)." A nota continua: "Na intenção de auxiliar, a IES tem empenhado esforços para promover o atendimento individualizado ao aluno impactado e disponibilizará condições de pagamento diferenciadas para a quitação dos débitos e posterior realização da rematrícula. A Instituição reforça seu compromisso com a formação de qualidade e a dedicação prioritária ao tema, em respeito aos seus estudantes."
Procurada pela reportagem, a Caixa esclarece que não há pendências por parte da instituição. Em nota, a Caixa diz ainda que, "de acordo com a resolução CG-Fies nº 6/2017, compõe o boleto pago pelo estudante a parte relativa à coparticipação, que é o percentual da parcela da semestralidade não financiada pelo Fies e repassada pelo banco diretamente à instituição de ensino. A cada semestre, no caso de reajuste, a mensalidade do curso do estudante pode ser alterada pela Instituição de Ensino, o que refletirá no valor de coparticipação cobrado do aluno no momento do aditamento de renovação. Caso o aditamento aconteça em mês posterior ao reajuste da mensalidade, podem ocorrer cobranças de diferenças nos valores das prestações geradas antes do processo de renovação, que devem ser pagas pelo aluno diretamente à instituição de ensino. A Caixa ressalta que o estudante pode solicitar o extrato da situação do contrato em qualquer Agência da Caixa."