Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

URBANISMO

- Publicada em 23 de Junho de 2015 às 00:00

‘Só construir casa não resolve’, diz urbanista


FREDY VIEIRA/JC
Jornal do Comércio
Relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2008 a 2014, a urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Raquel Rolnik esteve em Porto Alegre ontem para participar do debate "Cidade para Quem?", promovido pela Fundação Lauro Campos e pela bancada do P-Sol e realizado no Plenarinho da Assembleia Legislativa, com a participação do deputado Pedro Ruas e da coordenadora do P-Sol, Luciana Genro. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Raquel explica que a falta de políticas públicas habitacionais acaba resultando em soluções excludentes.
Relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2008 a 2014, a urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Raquel Rolnik esteve em Porto Alegre ontem para participar do debate "Cidade para Quem?", promovido pela Fundação Lauro Campos e pela bancada do P-Sol e realizado no Plenarinho da Assembleia Legislativa, com a participação do deputado Pedro Ruas e da coordenadora do P-Sol, Luciana Genro. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Raquel explica que a falta de políticas públicas habitacionais acaba resultando em soluções excludentes.
Jornal do Comércio - Qual foi o mote identificado na sociedade que originou o tema do debate?
Raquel Rolnik - Vivemos, hoje, um período de renascimento das lutas pelo direito à cidade no País. Tivemos demonstrações claras em junho de 2013. As pessoas clamam pelo direito ao transporte, ao espaço público, pela qualidade na educação e na saúde. O recente aumento do poder de consumo da classe trabalhadora fez com que, dentro das residências, o padrão de vida aumentasse. É possível adquirir computadores e televisões de plasma, mas o problema continua fora de casa. A precariedade de itens básicos como saneamento ambiental, água, lixo, drenagem, transporte... Isso não foi resolvido.
JC - Há uma preocupação, por parte do Executivo, em construir e ampliar vias para melhorar a mobilidade. Mas nem sempre essas melhorias chegam aos locais de difícil acesso.
Raquel - Seguimos um padrão histórico de modelo de urbanização que obedece a dois pilares. Um deles é a prioridade à ampliação das vias de locomoção de veículos. Produzimos mais vias, mas o trânsito está cada vez mais congestionado. Esse modelo baseado no carro, sem metrô, sem BRTs, sem aperfeiçoar o transporte coletivo de massa, não dá conta da densidade populacional. Mas o modelo sempre considerou a importância econômica e política da indústria automobilística no País. Também há a questão das empreiteiras que, embora estejam sendo questionadas a respeito de esquemas de corrupção, ainda exercem controle sobre as cidades e sobre as políticas públicas. Chegamos a um ponto em que o governante, ao assumir o cargo, não se questiona a respeito de qual aspecto social tomará como prioridade, e sim onde vai instalar a nova avenida ou a nova ponte. Temos muita precariedade na circulação interna dos bairros. Ainda vemos vias sem pavimentação, sem calçadas. Esse diálogo entre os setores econômico e político acaba bloqueando as transformações mais significativas.
JC - É possível, atualmente, que as cidades se adaptem a essas políticas públicas que priorizem os cidadãos?
Raquel - Temos duas formas de fazer cidades: expandindo, criando novas cidades, onde ainda é terreno inabitado, ou reconstruindo, refazendo. Cada sobradinho que é derrubado para se transformar em prédio faz parte desse sistema. Infelizmente, nosso modelo de reconstrução ainda é muito interligado ao lucro e aos interesses das construtoras. Os valores que regem a reconstrução são econômicos, não levam em consideração a memória, o afeto, a forma com que a pessoa se relaciona com o lugar. Tudo isso fica em segundo plano. Surgem, nas cidades, prédios ou terrenos que pertencem a empresas e estão sem uso. As pessoas, por falta de opção, acabam se instalando nesses prédios ou terrenos para, mais tarde, serem obrigadas a sair, com uso, inclusive, de força policial. Não há, em nenhum momento, preocupação com o destino delas, como se o fato de ficarem sem lugar para morar fosse totalmente irrelevante. Além disso, em locais ocupados, existe uma vulnerabilidade muito grande, mulheres morando sozinhas com crianças, idosos à deriva, crianças ou idosos com deficiências. Não há uma atenção, uma política pública preocupada com o atendimento individual do cidadão. E aí temos programas como o Minha Casa Minha Vida, que é uma máquina de construir casas, mas só construir casa não resolve. Como o lucro das construtoras envolvidas no projeto depende de terrenos baratos, o programa só oferta na periferia. Isso acaba reforçando o sistema excludente de construção de sociedade. Não há alternativa, não há um programa que procure urbanizar e dar melhores condições a áreas assentadas informalmente.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO