Uma decisão inédita no Estado foi proferida pela Vara da Direção do Foro da Comarca de Novo Hamburgo. A juíza Traudi Beatriz Grabin concedeu a um casal de mulheres o direito de fazer constar o nome de ambas no registro de nascimento da filha. Essa foi a primeira vez no Rio Grande do Sul que um casal homoafetivo pôde registrar uma criança sem a necessidade de pedir retificação de registro, através de adoção socioafetiva de uma das duas, constando a informação já no Registro de Nascituro.
O casal teve o bebê por meio de fertilização in vitro e o doador do esperma foi anônimo. As mulheres vivem em união estável homoafetiva desde 2008 e realizaram o procedimento em janeiro deste ano. Na sentença, a magistrada afirma que, embora não haja previsão legal que autorize tal procedimento, é necessário examinar a situação “com base em outros critérios, tais como princípios constitucionais, sejam eles explícitos ou implícitos, e jurisprudência”.
Os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade fundamentaram a decisão. Além disso, a juíza levou em conta o fato de que “a união homoafetiva já foi reconhecida juridicamente e deve ser tratada com igualdade no que se refere aos direitos inerentes a qualquer união estável”. A ação foi proposta no dia 23 de setembro. A menina já nasceu.
Segundo o advogado da organização não governamental (ONG) Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, Bernardo Amorim, o direito hoje não faz mais distinção sobre de quem é o filho na hora de fazer o registro, mas ainda há dificuldades no caminho do reconhecimento da adoção. “Nesses casos em que as duas mães acompanham toda a gestação da criança, é uma violência ter que esperar o nascimento dela para fazer todo o processo de adoção. Iria totalmente contra a ideia de filiação, jogando tudo na lógica biologicista”, pondera.
Na opinião de Amorim, a violência acontece no momento em que o casal já precisa realizar o processo de filiação de uma maneira diferente da tradicional. Por haver uma desbiologização, encontra percalços. “O Judiciário precisa descomplicar, como fez a magistrada de Novo Hamburgo”, aponta. Atualmente, o Conselho Regional de Medicina (Cremers) não permite a fecundação do óvulo de uma das mulheres e a inserção deste no útero da sua companheira.
A primeira decisão favorável à filiação por um casal homossexual no Estado se deu em 2006, permitindo que constasse a presença de duas mães na certidão de nascimento da criança, conforme o advogado. “Desde 2010, o Judiciário gaúcho não tem trazido uma problemática muito extensa sobre a adoção socioafetiva. Uma decisão como essa deve ser comemorada e repetida pelos juízes, pois mostra uma sensibilização aos direitos de família”, comenta.
O modelo tradicional familiar, de acordo com Amorim, já é bem aceito pelo Judiciário. O enfrentamento, hoje, é da resistência a modelos que não possuem características heteronormativas, como as filiações multiparentais (com mais de duas pessoas como pais e mães da criança) e as uniões poliafetivas (uniões estáveis constituídas por mais do que um casal). Entretanto, já há casos de sentença positiva por parte do magistrado de filiação multiparental. O primeiro foi em Cacoal, Rondônia. Neste ano, houve uma decisão favorável no Estado, em Santa Maria.
O Rio Grande do Sul sempre foi pioneiro em questões familiares, segundo o advogado. “Enquanto o Brasil apanhava para falar sobre a união de pessoas do mesmo sexo, nós já tínhamos criado um processo administrativo que evitava que os casais precisassem entrar com ações judiciais nesse sentido”, informa. O motivo do pioneirismo, para Amorim, é a sorte de o Estado ter julgadores sensíveis às causas e a força da advocacia e dos movimentos sociais gaúchos.