Em 17 de abril do ano passado, Marcos Fernando Ziemer, doutor em Educação graduado em Teologia e Pedagogia, assumiu a função que mais lhe desafiaria em 15 anos de trabalho junto à Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Ficou a cargo do jovem ex-capelão, que passou nove anos no campus da universidade em Rondônia e outros quatro na unidade de Tocantins, comandar a Ulbra em seu momento mais difícil: uma profunda crise que, por muito pouco, não resultou no fechamento da instituição. Hoje, aos 43 anos, Ziemer, que é natural de Ijuí, administra uma universidade com cerca de 144 mil alunos em todo o País. O reitor recebeu em Canoas a reportagem do Jornal do Comércio e concedeu esta entrevista exclusiva, em que falou sobre as dificuldades enfrentadas, o que está sendo feito e sobre o futuro da Ulbra.
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia esse primeiro ano à frente da Ulbra?
Marcos Fernando Ziemer - A avaliação é positiva. Apesar de todas as dificuldades que a instituição ainda enfrenta e irá enfrentar por um tempo, creio que, em um ano, conseguimos reorganizar muita coisa. Tanto na área acadêmica quanto na área administrativo-financeira, que foi onde tivemos o problema da crise. Nesta área, fizemos um mapeamento, com um trabalho técnico da consultoria que contratamos, a KPMG. Começamos esse trabalho em outubro e ele resultou, no mês de março, em um primeiro esboço de um plano de reestruturação da universidade, já fazendo uma projeção financeira da Ulbra até o ano de 2014. É um plano que prevê uma série de ajustes para que, a partir do ano que vem, a Ulbra comece a, pelo menos, passar do vermelho para o azul. Estamos reduzindo custos, fazendo um gerenciamento de pessoal, o que implica um reestudo de todos os setores da universidade. A área docente também passou por uma reestruturação no semestre passado, quando tivemos de desligar um grupo grande de professores. Mas esse é o preço de uma reestruturação. Infelizmente vai doer um pouco. Precisamos resolver o nosso presente para poder ter um futuro melhor. Muitos avanços foram feitos, hoje temos a instituição bem mais equilibrada financeiramente. Ainda trabalhando no vermelho, mas com um vermelho bem mais ameno do que quando eu assumi. Hoje o furo de caixa do mês já é bem menor. A tendência é de que, se tudo der certo, em 2011, nós voltemos a um cenário mais tranquilo.
JC - Como está sendo feito o trabalho da auditoria?
Ziemer - Primeiro tivemos um plano macro, que concluímos em março, e agora a KPMG está em uma outra etapa, onde entramos no micro, no detalhe. A universidade está sendo analisada item a item, contrato a contrato, setor a setor, fornecedor a fornecedor. Junto a isso, estamos, em alguns casos, iniciando a retomada da renegociação de dívidas que ficaram. Não em todos os casos porque o fluxo de caixa ainda não permite que façamos uma ampla negociação, mas os pontos estratégicos estão sendo feitos. Cada setor, cada diretor de campus e de curso está sendo convidado a participar dando ideias de como podemos puxar a despesa para baixo o máximo possível e também aumentar a receita. Isso é o que está em jogo hoje. Esse plano deve ficar pronto neste mês e então passaremos à execução.
JC - Onde foram os maiores avanços?
Ziemer - Na área administrativo-financeira. Eu assumi em abril de 2009 e, no primeiro meio ano, estávamos guiando a universidade sem GPS. Não havia dados confiáveis aqui dentro, não havia uma estrutura sólida de dados que pudesse dizer “é isso: o que eu devo, o que não devo, o que é e o que não é”. Além da falta de controle das coisas, o que também foi uma das causas que levaram à crise. Agora estamos com o GPS ligado e sabendo por onde caminhamos. Ainda é um ano de muita adaptação, porque não se resolve rapidamente um problema como o da Ulbra, que vem de mais de uma década. A ponta do iceberg começou a aparecer no ano passado, mas existia todo um cenário oculto que, agora, mapeando contratos, mapeando o processo, se vê que são discussões que vêm de 1995. Só que chegou um ponto em que a instituição não teve mais como se sustentar.
JC - E na área acadêmica?
Ziemer - Nessa área, que envolve ensino, pesquisa e extensão, também reorganizamos muita coisa. Uma delas, e talvez a principal, foi, e é até meio esquisito dizer isso, cumprir a lei. O MEC tem uma legislação própria, a qual infelizmente a Ulbra por muitos anos não se preocupou em cumprir alguns requisitos. Um deles é a questão do regime de trabalho dos professores. A lei exige que se tenha pelo menos um terço dos docentes em regime de tempo integral, ou seja, 40 horas de trabalho semanal. Isso não era obedecido e foi motivo de um processo que a Ulbra vinha respondendo já há alguns anos. Em 2009, reorganizamos esse cenário e entramos 2010 com o cumprimento integral desse requisito. Estamos só aguardando o MEC publicar a extinção legal do processo. Estamos hoje com quase 36% de professores com contrato de tempo integral. E também a questão da titulação docente, de professores mestres e doutores. A lei exige 33% e nós estamos com 66%, foi um trabalho forte que fizemos para qualificar o ensino. Isso continua. A ideia é organizar para qualificar e dar a melhor formação possível para o aluno. Infelizmente, ainda não chegamos a um momento em que possamos investir em melhorias. Mas o nosso aluno tem compreendido isso e está conosco nesse processo.
JC - A instituição perdeu alunos?
Ziemer – No primeiro vestibular que tivemos logo depois que assumi a reitoria, observamos um fato interessante. Por um lado, tivemos um vestibular bastante fraco comparado com anos anteriores, o que foi um processo normal diante da crise. Por outro, o dado mais positivo é que praticamente 98% dos alunos que estavam conosco continuaram, não houve um abandono. Não tivemos um ingresso novo bom, mas tivemos a permanência do aluno. Já neste semestre (referindo-se aos primeiros seis meses de 2010) nós tivemos os dois fenômenos: a permanência do aluno e um vestibular muito bom, com um crescimento de quase 5% nas matrículas. Considerando que de 2006 para cá a Ulbra vinha em um gráfico descendente, perdendo muitos alunos, pela primeira vez se conseguiu crescer um pouco. Eu dizia no passado que, se conseguíssemos empatar e não perder mais, já era uma grande coisa. E conseguimos crescer um pouco. Isso nos dá ânimo para continuar.
JC - Como é planejar o futuro tendo um passado que bate todos os dias à porta?
Ziemer - Junto com esse plano de reestruturação para o futuro, temos um passado para resolver. E aí nós vamos voltar para aqueles números estratosféricos que estão nos processos, a dívida de mais de R$ 2 bilhões com a União. Esse é um cenário que também estamos tratando, não nos esquecemos dele e nem podemos, porque estamos amarrados por causa disso. Estamos em um diálogo muito aberto com o governo federal. Em dezembro de 2009 apresentamos uma proposta para tentar equacionar esse passado. Deixamos uma segunda alternativa agora em março. Se não resolvermos esse passado, não adianta pensar em um plano para o futuro. Hoje não cabe no nosso caixa resolver o passado junto com o presente e pensar no futuro. Temos de trabalhar as coisas separadamente.
JC - A Ulbra continua tendo muitas contas bloqueadas?
Ziemer - Está mais calmo. Continuamos sendo assediados pelos bloqueios, mas em um nível muito menor. Eles são oriundos de processos de fornecedores, de alguns bancos que estão agindo judicialmente, o que é um direito que eles têm. Mas o acordo com a Justiça Federal e com o Ministério Público do Trabalho nos protegeu. Hoje temos uma conta-corrente blindada pela Justiça. O recurso que entra ali, mesmo que surjam ações de bloqueio, está sendo mantido. Continuamos lutando judicialmente com vários processos, mas, comparado ao que era esse cenário, está bem tranquilo. No ano passado não ficava nada, tudo era levado. A Justiça Federal foi a que, de certa forma, provocou o estouro da crise, com quase uma intervenção em abril de 2009, mas hoje, por outro lado, tem nos dado um grande apoio. Isso é o que está mantendo, nessa transição, a instituição de pé.
JC - Como está sendo o repasse dos valores renegociados com a União?
Ziemer - Em relação ao passivo tributário-fiscal, nada foi pago. É um valor que, no pior dos mundos, sem questionarmos nada, abrindo mão de todos os processos, porque a Ulbra também está brigando por seus direitos em algumas questões em que julga que os valores não são corretos, chega à cifra apocalíptica de R$ 2,2 bilhões. Mas isso é no pior dos mundos. Agora, em que valor nós vamos chegar para um acordo com o governo nós ainda não sabemos.
JC - A Ulbra entrou com uma ação judicial contra o ex-reitor Ruben Becker cobrando essa dívida tributária de mais de R$ 2 bilhões. Como está essa situação?
Ziemer - Essa ação foi uma decisão conjunta nossa e da mantenedora. Infelizmente a dívida é originária de problemas de má gestão, para não usar outros termos. Esse processo está na mesa do juiz federal e nós estamos aguardando. Pode levar muito tempo, como também pode ser um processo rápido. Não sei se vamos ter sucesso, mas entendemos que tínhamos que fazer isso, por uma questão de justiça com a instituição que foi lesada, com os alunos, com os professores, com os funcionários, que também foram lesados e sofreram os reflexos disso.
JC - Quanto tempo a Ulbra levará para se recuperar completamente dessa crise?
Ziemer - A projeção é de que em 2014 estaremos chegando em um ponto financeiro que o mercado pratica hoje. Essa é a previsão, se não ocorrer nenhuma tempestade no meio do caminho.