No centro das discussões sobre o impacto da Inteligência Artificial nos negócios, uma mensagem ganha força: a tecnologia não irá substituir os humanos, mas exigirá que eles se tornem melhores. Essa foi a tese defendida por Martha Gabriel, CEO da FutureNOW Strategies e especialista em inovação, na palestra Pensamento crítico: o superpoder na era da IA, uma das mais aplaudidas durante o RD Summit 2025, que aconteceu em São Paulo na última semana. Para ela, a única forma de prosperar na economia digital é compreender que “a IA não é concorrente, é complemento, e o maior risco é abrir mão do próprio cérebro”.
Segundo Martha, para compreender o impacto da IA no trabalho é necessário, antes de tudo, compreender o funcionamento do próprio cérebro. Ela explica que o cérebro humano busca sempre três objetivos: aumentar o prazer, reduzir a dor e economizar energia. Pensar, porém, custa caro — consome de 20% a 30% da energia do corpo. “Pensar não é um processo favorecido pelo nosso organismo. É preciso disciplina para pensar bem”, explicou. Nesse ponto, a IA pode tanto ampliar quanto prejudicar o processo.
E esse cenário, de acordo com a especialista, se agrava no atual ambiente em que vivemos, superexpostos a tantos estímulos digitais. “A era digital amplifica problemas que já corroem o pensamento crítico por si só, como pressa, viés cognitivo e falha em considerar múltiplas perspectivas”, descreveu. Assim, o cérebro humano passa a operar num ambiente onde distinguir o real de uma simulação exige esforço e, cada vez mais, o esforço é terceirizado para a IA.
De acordo com dados do Gartner, até 2026 metade das organizações deverá exigir testes de habilidades “livres de Inteligência Artificial” para avaliar pensamento crítico e autonomia das equipes. “Não é sobre novas profissões, é sobre novos profissionais”, afirma Martha. Ela explica que a IA generativa já opera em níveis que se aproximam, e em alguns casos, superam especialistas de diferentes áreas. Ainda assim, há campos que a Inteligência Artificial não alcança: emoção, contexto, ambiguidade, ética e julgamento.
“O cérebro humano nunca vai competir com a IA em automação, velocidade e volume. Mas se você tiver pensamento crítico, autonomia e leitura de contexto, você complementa a IA, e aí você ganha o jogo”, afirmou.
Enquanto a robótica avança para dar “corpo” à Inteligência Artificial, cabe aos humanos desenvolverem habilidades cognitivas profundas. Martha compara que, assim como um pianista não deixa de praticar porque existem músicos melhores no mundo, profissionais não devem abrir mão de pensar só porque a IA, em alguns casos, pode pensar melhor. “Quanto mais conhecimento existe no mundo, mais necessário é que eu vá atrás de ainda mais conhecimento para conseguir operar nesse mundo. Não existe competição. Existe complementaridade. A IA é razão, nós somos emoção. E sem emoção, não há experiência, memória e nem humanidade.”
Para a especialista, não vale mais a pena focar apenas na profissão, mas sim nas habilidades e competências necessárias para realizá-la. “Não é sobre novas profissões, é sobre novos profissionais. Eu tenho a mesma profissão desde que a IA generativa surgiu, faço a mesma coisa, mas de uma forma diferente”, expôs.
Ela reforçou que a tecnologia só retira relevância de quem não se adapta. “O que desaparece não são pessoas nem organizações, mas a falta de adaptabilidade. A IA pode ser extraordinária, mas o futuro dos negócios será definido por quem souber pensar. Primeiro o cérebro, depois a tecnologia.”
"Nunca foi tão importante ser humano", afirma Walter Longo
Para o empresário, escritor e sócio-presidente da Unimark, Walter Longo, a Inteligência Artificial inaugura uma nova lógica competitiva, em que empresas menores passam a poder competir, pela primeira vez na história, em pé de igualdade com gigantes do mercado. "Empresas grandes já têm quem edite vídeo, têm verba para marketing suficiente para produzir suas coisas, têm área de inteligência de mercado. Quem não tem é a empresa pequena, ou melhor, não tinha, porque agora, com a IA, qualquer marca pequena consegue ter tudo isso. É isso que irá fazer, e já está fazendo, a grande mudança no mundo dos negócios e no cenário competitivo", descreve.
Durante painel no RD Summit, ele reforçou que o futuro será construído pela simbiose entre a inteligência humana e a artificial — e que a IA deve ser vista como uma ferramenta de ampliação, não de substituição. "Nenhum ser humano é melhor que uma máquina, e nenhuma máquina é melhor que um ser humano com uma máquina", destacou. Ao contrário do que se pode pensar, que a Inteligência Artificial irá, cada vez mais, afastar o "humano", Longo defende que ela faz exatamente o oposto. "A IA não veio para tirar empregos, veio para devolver nossa humanidade", aponta. Para ele, elementos como intuição, emoção, compaixão, empatia e generosidade serão os mais valiosos nas empresas daqui para frente. "São os fatores humanos que vão fazer a grande diferença. Em terra de robô, quem tem coração é rei. Nunca foi tão importante ser humano", reforçou.
Ao longo do painel, Longo sintetizou os quatro principais impactos da IA nos negócios — transformações que, segundo ele, já estão redefinindo a economia global e o modo de trabalhar.
1. Aumento da produtividade
Segundo Longo, a IA é "o maior gerador de eficiência que já existiu", capaz de automatizar processos, eliminar duplicidades e reduzir retrabalho e ruídos de comunicação. Para ele, essa competência contrasta com a condição humana atual, que enfrenta uma escassez de atenção diante da avalanche de informação que vivemos. "A IA não se distrai. Nós, ao contrário, estamos 'infoxicados', tentando prestar atenção em tudo e, no fim, não nos concentrando em nada."
2. Redução de erros
Outro impacto da IA é a criação do que Longo chama de "copilotos profissionais": ferramentas capazes de acompanhar o trabalho humano e corrigir falhas antes que aconteçam. "A IA não tira o lugar do humano, ela o protege de si mesmo, da perda gradativa de atenção", afirmou.
3. Eliminação de custos
A IA também está revolucionando a estrutura de custos das empresas. Ele defendeu que os negócios do futuro serão mais leves e flexíveis, com equipes enxutas e competências baseadas muito mais na tecnologia. "O segredo não está em ter mais funcionários, mas em ser mais inteligente com menos posse. O leve é o novo forte", disse.
4. Relações individualizadas
Outro grande destaque é o fato de a IA permitir compreender o comportamento de consumo em tempo real e falar com cada indivíduo de forma única. "Pessoas não são, pessoas estão. Agora podemos entender cada uma em suas circunstâncias momentâneas e agir de acordo com elas", explicou.
Especialistas discutem como a IA está transformando o cenário criativo
Para além do impacto em tarefas repetitivas e rotineiras, a IA irá alterar significativamente o cenário criativo. Na opinião de Janaina Augustin, consultora de comunicação e Inteligência Artificial generativa, "a Inteligência Artificial está democratizando a criatividade". A especialista participou de painel que abordou o equilíbrio entre automação e criação durante o RD Summit, ao lado de Renata Decoussau, head de brand strategy da IBM.
"Antes, a criatividade era algo para poucos. Hoje, qualquer pessoa pode fazer um filme, contar uma história, criar algo que antes parecia impossível", considera Janaina. Para ela, essa democratização não elimina o papel dos profissionais criativos, mas amplia o campo de possibilidades. "A IA com certeza libertou a criatividade. Mas um bom filme ainda precisa de grandes roteiristas, atores e diretores. O que muda é a assistência, e agora qualquer um pode experimentar", explica.
Renata complementa que o grande desafio é compreender essa nova escala entre criação e automação. "Volume de conteúdo não significa qualidade de conteúdo", destacou. "É tentador cair na ilusão de que todo mundo pode produzir, porque, na teoria, pode, mas precisamos de repertório e sensibilidade para entender o que é original de verdade", ressaltou.
Segundo a profissional, a escuta é hoje uma das tecnologias mais poderosas da criatividade, e essa habilidade a IA não consegue dominar. "Com a escuta, a barra de tudo sobe, e o que se destaca é o que tem propósito e o que cria conexão de verdade", afirma.
Para as duas especialistas, o medo que acompanha o avanço das inovações não é novidade na história. "Quando cheguei, tudo era mato. Comecei a trabalhar quando veio o YouTube, lá em 2005, e de lá para cá surgiu tanta coisa. Toda nova tecnologia gera pânico", observou Janaina. "Mas, em pouco tempo, a gente se acostuma. Quando vi o ChatGPT pela primeira vez, fiquei em choque. Hoje ele é um braço meu. Não consigo mais imaginar meu trabalho sem ele", admite.
O painel, assim como outros ao longo do evento, trouxe à tona como o uso da IA pode significar diferentes coisas de acordo com o contexto em que está inserida. "Para uma grande empresa de streaming, talvez não seja ético usar atores artificiais. Mas, para uma pequena empresária no interior, conseguir criar um avatar humano para vender suas roupas pode mudar sua vida. Depende do significado e da escala", expôs Janaina.
Outra discussão que tem ganhado mais espaço é a regularização do uso de inteligências artificiais. Renata rememora que, ao longo dos últimos 20 anos, assistiu o mundo incorporar muitas novas tecnologias, como rádio, TV e internet, mas que "nada é escrito em pedra. Cabe à comunidade criativa experimentar e moldar o futuro. O importante é usar e questionar para construir um caminho com ética e propósito".
"A IA é um espelho. Ela reflete quem somos e o que escolhemos fazer com ela. O futuro não vai ser definido pela máquina, e sim pelo nosso repertório, pela empatia e pelo propósito de quem a utiliza", define Renata.

