Com 90 mil pessoas atingidas, a construção civil foi vital para reerguer as dezenas de milhares de imóveis danificados

Lojas de materiais de construção são pilares da retomada em São Leopoldo


Com 90 mil pessoas atingidas, a construção civil foi vital para reerguer as dezenas de milhares de imóveis danificados

São Leopoldo foi uma das cidades fortemente atingidas pela enchente de maio de 2024. O Rio dos Sinos, que cruza o município, chegou ao seu nível histórico mais alto, ultrapassando os 8 metros, alagando diversos bairros e atingindo mais de 90 mil pessoas, segundo dados do Mapa Único Plano Rio Grande. Um dos 13 mil negócios afetados foi a Matercon. Fundada em 1979, a loja de materiais de construção se consolidou como uma das mais tradicionais da cidade e referência para os moradores do bairro Campina.
São Leopoldo foi uma das cidades fortemente atingidas pela enchente de maio de 2024. O Rio dos Sinos, que cruza o município, chegou ao seu nível histórico mais alto, ultrapassando os 8 metros, alagando diversos bairros e atingindo mais de 90 mil pessoas, segundo dados do Mapa Único Plano Rio Grande. Um dos 13 mil negócios afetados foi a Matercon. Fundada em 1979, a loja de materiais de construção se consolidou como uma das mais tradicionais da cidade e referência para os moradores do bairro Campina.
Conhecido por ser um local que alaga historicamente, a Campina é lar de moradores e comerciantes que se acostumaram com as cheias, principalmente antes da construção do dique, na década de 1990. De 1982 até 1984, a Matercon passou por cinco cheias. "Não se perdia nada, a água atingia no máximo 60 centímetros e a gente só subia as coisas", lembra o fundador e dono da loja, João Valter Grub.
Ainda assim, ninguém do bairro estava preparado para o que ocorreu em maio de 2024. Na Matercon, que fica acima do nível da rua, a água atingiu quase 4 metros. "Nós subimos os materiais 1,2 metro e nunca imaginamos que não seria suficiente. No momento que houve o rompimento do dique, a água subiu muito rapidamente. Em questão de 6 horas subiu uns 3 metros aqui na loja", conta João.
O prejuízo para a Matercon foi aterrador. De acordo com João Valter, os valores passaram de R$ 3 milhões e incluem maquinário, veículos, computadores, placas solares, balcões, materiais, além de documentos de registros, contratos, e arquivos. "Para nós, foi um trauma. Ver todo o sonho de uma vida indo embora", afirma.
Os impactos no bairro ainda são visíveis. Muitos muros com manchas marrons até o teto dão a dimensão da tragédia. "Ainda, de vez em quando, faço minhas caminhadas aqui no bairro e vejo várias casas abandonadas, de gente que decidiu não voltar. Foram tentar a vida em outro lugar", lamenta João.

João Valter Grub mostra o álbum de registros de todas as vezes que as águas invadiram o negócio | NATHAN LEMOS/JC
João Valter Grub mostra o álbum de registros de todas as vezes que as águas invadiram o negócio NATHAN LEMOS/JC
A retomada das atividades e a reposição do prejuízo demandou um grande investimento. "Para fazer a roda andar de novo, investimos R$ 1,2 milhão. Só para o básico: computadores, móveis, três caminhões, energia solar, manutenção da carregadeira e da empilhadeira. Com a reposição do estoque, foi mais R$ 1,8 milhão. A água ultrapassou nossos muros, então nossa madeira saiu boiando pelos bairros", explica João.
A recuperação da loja foi rápida, dentro do possível, por conta da organização da empresa. "Por sorte, a empresa é segura e bem administrada, mas perdemos muito", comenta João, que informou que a Matercon estava com todas as contas em dia e sem nenhum empréstimo ativo, o que facilitou a utilização dos recursos.
A Matercon nasceu em 1979, da vocação empreendedora do então jovem João Valter. Recém-saído do exército, o ex-militar voltou de Brasília para São Leopoldo decidido a abrir seu próprio negócio. "Era um quadradinho de 60 metros quadrados", diz o proprietário, enquanto aponta para um álbum de fotografias antigas que mostram a primeira versão da empresa, que hoje conta com 1200 m² de área construída e uma filial em Portão, cidade vizinha de São Leopoldo.
O espírito empreendedor de João estava presente desde a época em que era militar. "Sempre fui comerciante. Uma vez nós estávamos em Brasília e chegou uma tropa de Manaus. Um sargento chegou com 10 câmeras fotográficas. Se me virasse de cabeça para baixo não caía uma moedinha, mas eu queria uma câmera. Então, fiz um negócio com ele: comprei as 10, mas disse que só conseguiria pagar no mês seguinte e ele aceitou. Durante o mês, vendi nove câmeras por um valor baixo, só para cobrir o valor de uma, que era a que eu queria para mim", diverte-se João.
Apesar de já ter 46 anos, a Matercon ainda tem muitos planos para o futuro. Eduardo Grub é filho de João e será o sucessor na administração da empresa, que enfrenta o desafio de concorrer com grandes redes do setor da construção civil. "Nosso grande diferencial é o atendimento, o contato pessoal. O atendente vem, bate um papo, dá dicas, é uma coisa mais humana, mais personalizada. Nas grandes redes isso não acontece", destaca João. "Fazemos treinamentos com nossos colaboradores para que eles saibam vender desde produtos hidráulicos até elétricos", completa Eduardo.
João mantém o bom humor e a esperança e confia que a empresa voltará aos trilhos. Mesmo assim, frisa que ainda há muita luta pela frente. "Acho que ainda precisamos de mais um ano para dizer que voltamos a ter a mesma rotatividade de produtos que tínhamos antes. Mas já estamos 90% recuperados", celebra.
A Matercon fica na avenida Henrique Bier, nº 1480, no bairro Campina. O atendimento é das 7h30min às 11h45min e das 13h30min às 18h, de segunda a sexta-feira. Nos sábados, das 8h às 12h.
 

Com prejuízo de R$ 5 milhões, negócio se recupera e prepara sucessão

Há 34 anos no mercado de construção civil, a Madeireira Adrianna atravessou em maio de 2024  um dos momentos mais difíceis do negócio. O empreendimento, fundado por Loreni Bresolin, nasceu a partir de uma loja que comercializava somente cimento, estabelecimento que o empreendedor e um sócio comandavam. Com seis meses trabalhando apenas com o material, o empreendedor resolveu ampliar a gama de produtos a partir da procura dos clientes por outros artigos. Loreni comprou a outra metade de seu sócio e, em 1991, inaugurou a Madeireira Adrianna, em uma loja de 60m². Hoje, o estabelecimento tem cerca de 2 mil² e oferece um mix de produtos, composto por mais de 20 mil itens.
O estabelecimento, localizado no bairro Vicentina, em São Leopoldo, está entre os locais afetados pelas enchentes que atingiram o município em 2024. A água chegou na altura de 1,2 metro, totalizando um prejuízo em torno dos R$ 5 milhões. Entre as perdas, estão 60% da frota da madeireira, composta por carros, caminhões, empilhadeiras e motos. Foram 24 dias fechados para se recuperar minimamente e reabrir as portas. "Os caminhões que consegui salvar foram os que eu emprestei para os meus funcionários retiraram seus móveis e pertences de casa", conta Loreni
Ao lado da sócia e esposa, Adriana Bresolin, do filho, Patrick Bresolin, e dos mais de 50 colaboradores, Loreni voltou com a operação. "Para baixo de 1,2 metro perdeu-se tudo. Máquinas, mais de 60 computadores e os produtos, tudo foi fora", comenta.
O empreendedor conta que eles tiveram urgência em reabrir a loja, pois assim que a água baixou, a população começou a buscar materiais de proteção, produtos de higienização e ferramentas para realizarem a limpeza das casas. "Fiz uma reunião com a turma e disse 'olha só, vamos estancar a hemorragia que começa pela loja, já que na casa de vocês não dá para chegar ainda. Foi uma força tarefa. Os colaboradores que não foram afetados traziam marmitas para todos que estavam aqui limpando conosco", lembra Loreni.
Após uma estabilização inicial do negócio, a família de empreendedores passou a contribuir com a reconstrução dos lares dos colaboradores atingidos pela enchente. "Sou eternamente grato a eles", admite Loreni.
Atualmente, a Madeireira Adrianna passa por um momento de sucessão familiar. Patrick, de 23 anos, estuda Administração e atua no financeiro da empresa. O jovem cresceu vendo seus pais comandarem o negócio da família e, antes de ocupar um cargo na administração, passou por outras áreas da madeireira.
"Ele já está há cinco anos conosco. O Patrick nos acompanha desde pequeno e todos os colaboradores têm um enorme apreço por ele, que iniciou auxiliando a carregar e descarregar caminhão, passou para o setor de conferência de material e organização da loja. Então, ele pegou todos os setores da loja para entender como funciona cada processo", destaca Loreni.
O empreendedor lembra que no dia 3 de maio de 2024, enquanto ajudava nos resgates nas cidades vizinhas, o filho chegou a entrar em contato, pedindo para retirar os caminhões do depósito, mas Loreni não acreditava que a água chegaria até a loja. No sábado pela manhã, um dique próximo ao local rompeu e a água subiu rapidamente na região.
"O Patrick teve um baque bem grande. Ele dizia 'pai, tu não estás tomando a ideia da proporção do problema que nós estamos'. E eu disse 'meu filho, eu te entendo, mas há 34 anos nós não tínhamos nada e olha o que conquistamos'. Era hora de olhar para o lado, e perceber que tinha gente que, quando retornasse para casa, não teria uma cadeira para sentar", reflete. Loreni acredita que os pilares do negócio contribuem para a superação dos tempos adversos. "Atendimento, logística, materiais de qualidade, garantia e um preço competitivo. Esses são nossos fundamentos", destaca. Inclusive, o negócio leva o nome da esposa de Loreni, pois, no início, antes mesmo da loja ganhar um nome, os clientes ligavam à procura dela. "Na época, já tínhamos uma colaboradora no balcão, a Janaína, que está conosco até hoje. As pessoas ligavam, a Janaína atendia e elas pediam para falar com a Adriana. Ela dizia 'no que podemos te ajudar?' e o cliente respondia 'tem que ser com a Adriana'. Quando a Adriana respondia, era um pedido comum, que poderia ser feito com qualquer pessoa", conta o empreendedor rindo, enquanto explica que a relação que Adriana estabelecia com a clientela fazia a diferença no atendimento.
Entre altos e baixos, o negócio atravessa décadas. Loreni, que nunca havia atuado na área e que, antes de abrir a loja de cimentos, trabalhava com sucatas, destaca que a experiência obtida ao longo dos anos o ajudou a desenvolver habilidades para lidar com períodos difíceis. "Passamos pela crise econômica de 2008 e de 2015, passamos pela pandemia e agora isso. Tivemos de ser bem meticulosos para não fazer dívidas em um momento que o mercado estava com a economia estagnada. Essa habilidade de entender o momento de acelerar o momento de tirar o pé do freio, se dá na prática", afirma.