Já passou o tempo em que apenas uma pequena parcela da sociedade tinha acesso a vinhos. Hoje, há diversas opções de rótulos acessíveis e de qualidade no mercado, especialmente no Rio Grande do Sul, onde se concentra 85% da produção de vinho no País, de acordo com a Embrapa. Apesar disso, para muitas pessoas, o consumo de vinho ainda não é um hábito.
Em eventos de rua, é comum encontrar carrinhos e pequenas bancas vendendo cervejas artesanais e chopes. Para quem prefere outras bebidas, no entanto, as alternativas são escassas. Pensando nesse público, três empreendedores de Porto Alegre criaram recentemente o Vai Ter Vinho (@vaitervinho), um bar móvel que marca presença em eventos de rua na Capital, além de realizar eventos corporativos e particulares.
Marieli Pirolla lidera o empreendimento, junto com seu namorado, Vagner Karan, e sua amiga, Michele Midon. Os três publicitários decidiram apostar no primeiro negócio após mais de um ano planejando e criando coragem para iniciar a empreitada. "Sempre gostamos muito de vinhos, sempre fez parte das nossas vidas. Em várias viagens, procurávamos visitar vinícolas. É uma verdadeira paixão, presente na nossa rotina", conta Marieli, que, assim como seus sócios, buscava uma segunda atividade que permitisse estar ao ar livre. "Trabalhamos em home office e queríamos fazer algo fora de casa. Começamos a pensar em algo relacionado ao vinho", relata.
Inicialmente, o trio pensou em abrir uma loja, mas, segundo Marieli, era algo muito comum. "Queríamos algo que democratizasse o consumo do vinho, que permitisse às pessoas beber vinho em qualquer lugar", explica. A partir daí, os empreendedores começaram a participar de feiras e eventos do setor e a pesquisar possíveis modelos de negócios nesse universo. "Procuramos uma estrutura que nos permitisse levar o vinho para qualquer lugar e encontramos esse carrinho. É um bar desmontável, um wine bar móvel", comenta Marieli. A partir disso, os sócios buscaram cursos e um mentor especializado nesse mercado para começar a desenvolver e montar o negócio. A ideia do empreendimento é vender vinho em taça em eventos, festas, aniversários, feiras de rua, entre outras ocasiões. "Quando íamos a esses eventos, na maioria das vezes só havia cerveja. Decidimos ser as pessoas que levariam os vinhos para esses eventos, e temos recebido muitos feedbacks positivos", conta Marieli, que recentemente levou o wine bar ao Arraial da Redenção. "As pessoas comentaram que era a primeira vez que viam vinho sendo vendido na Redenção, porque normalmente só há cerveja", relata.
Além disso, os empreendedores decidiram marcar presença em eventos fora do segmento de vinhos. "Estivemos no Ceva do Total, um evento de cerveja, e pensamos 'vamos levar vinho também', porque muitas pessoas acompanham o namorado ou amigos e não gostam de cerveja. Foi muito bem aceito nesse evento também", conta Marieli.
O Vai Ter Vinho oferece rótulos suaves, secos e espumantes. Os suaves custam a partir de R$ 15,00 a primeira taça, com refil por R$ 10,00. "Cobramos R$ 5,00 pela taça de acrílico, que é reutilizável", explica. Os secos e espumantes custam a partir de R$ 20,00 a primeira taça e R$ 15,00 o refil. Atualmente, o empreendimento oferece cerca de 30 opções de rótulos, sendo 90% deles gaúchos. Os demais rótulos são chilenos e importados por uma vinícola local.
O trio participou, em julho, de um encontro corporativo e beneficente em uma das sedes da Medplex. Segundo eles, quando o cliente contrata o serviço, é feita uma conversa e pesquisa para entender o perfil da comemoração e dos convidados, a fim de realizar uma curadoria dos rótulos. "Adequamos os rótulos de acordo com o evento. No Medplex, era de noite e estava superfrio, então levamos vinhos mais encorpados, com opções mais diferenciadas", explica a empreendedora.
Restaurante de Porto Alegre une cafeteria e loja de rótulos gaúchos no Rio Branco
Em um espaçoso casarão na rua Miguel Tostes está localizado o Café e Cozinha Ponto Zero, empreendimento que une cafeteria e restaurante com uma loja de vinhos gaúchos. A operação é comandada por Jonas Moroszczzuk, que tem como foco utilizar produtos orgânicos e diminuir os impactos ambientais de seu restaurante.
Formado em gastronomia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (Ufcspa), Jonas criou o Ponto Zero em 2021, durante a pandemia. Na época, cansado de viver com os baixos salários oferecidos na área gastronômica, ele resolveu empreender. Sua paixão, desde a época da faculdade, são produtos orgânicos, algo que ele decidiu introduzir no seu primeiro negócio.
A primeira sede do Ponto Zero foi no bairro Menino Deus, local que já tinha abrigado um pequeno café. "O ponto vagou especialmente por conta da pandemia, mas funcionava para a gente. O problema foi que começamos a sentir falta de um espaço maior, mais confortável e com mais movimento", conta Jonas.
Assim, em 2024, o sonho de mudar de ponto se concretizou. O local escolhido para a nova sede foi um espaçoso casarão no bairro Rio Branco, região já cobiçada por Jonas. "Essa foi a primeira casa que olhei. Queria um ponto no Bom Fim, mas era muito difícil encontrar coisas por lá. A vibe do Rio Branco me agrada, é um meio termo entre o Bom Fim e o Moinhos", explica. O local conta com iluminação natural em abundância e bastante espaço para mesas e cadeiras. Além disso, Jonas enfatiza que o novo ponto permite abrir o restaurante durante a noite, já que o local é rodeado de pontos próximos, algo que não fazia sentido no Menino Deus.
O Ponto Zero abre às 8h, portanto, também funciona como um café. São oferecidos pães de queijo, sanduíches, bolinhos de aipim, cookies e cheesecakes, além de um café orgânico. Segundo Jonas, 90% dos insumos utilizados são orgânicos. "A cheesecake é feita com um requeijão produzido aqui", afirma Jonas.
Na parte do almoço, o empreendimento oferece um cardápio que conta com cinco opções diferentes por semana. São oferecidas três opções com carne e duas opções vegetarianas que mudam de uma semana para outra, de acordo com a disponibilidade dos insumos. Aos sábados, são oferecidas sopas e sobremesas à clientela.
Além do café e restaurante, o Ponto Zero conta com uma loja de vinhos locais. Por lá, são vendidos apenas vinhos gaúchos e de vinícolas pequenas. "Por causa dos orgânicos, sempre tentamos trabalhar com o produto que venha de mais perto possível, até porque não tem sentido, em termos de sustentabilidade, usar produtos que vêm de longe. Mas também é algo que acredito muito. Realmente gosto de vinhos brasileiros. Tínhamos um pouco de vinho lá na outra sede, mas aqui resolvemos expandir e oferecer ainda mais vinícolas gaúchas", explica Jonas. O Ponto Zero oferece 38 rótulos de vinícolas gaúchas, que são vendidos em uma média de R$ 100,00 por garrafa.
Primeira mulher negra a produzir vinhos no Brasil faz pisa da uva ao som de samba no RS
Em Poço das Antas, a 95 quilômetros de Porto Alegre, está localizado o Sítio Rosa do Vale (@sitiorosadovale). O casal de produtores rurais, Miriam e Irani Krindges está à frente do empreendimento familiar, que se dedica ao plantio de uvas e figos, à fruticultura e à produção de vinhos, além de promover o enoturismo. Entre as muitas experiências oferecidas pelo espaço, destaca-se o Samba da Uva, uma pisa da uva acompanhada de roda de samba.
A ideia de misturar uva e samba surgiu de Miriam, que se mudou de São Paulo para o Rio Grande do Sul em 2012. Com o nascimento de sua filha Dandara, em 2019, a produtora rural decidiu que era hora de repensar sua carreira e mudar de ritmo. Seu marido sempre trabalhou com agricultura, e o plano era entrar no segmento, agregando valor a um negócio que a família já tinha. Na época, o casal já produzia vinhos de forma artesanal, comercializando apenas para alguns restaurantes da cidade, assim como as geleias. Atualmente, o Sítio Rosa do Vale oferece nove tipos de espumantes e 10 vinhos, com preços a partir de R$ 80,00 para os vinhos finos e R$ 40,00 para os vinhos de mesa.
O Samba da Uva nasceu em 2023, com a ideia de misturar uma pisa da uva com roda de samba ao vivo. Inicialmente, a empreendedora foi desencorajada pelos próprios consultores, que acreditavam que a ação não teria aderência. "Ninguém tinha ouvido falar em afroturismo no Vale do Taquari, e todos me desmotivaram. Mas sempre acreditei nesse setor e sabia que tinha potencial", afirma Miriam.
Com o crescente interesse do público, o empreendimento começou a ganhar notoriedade nacional. Hoje, o Sítio Rosa do Vale recebe visitantes de todo o País e até do exterior. "Descobri que sou a única pessoa negra a ter uma vinícola no Brasil. Entendo a importância do meu trabalho, que também é uma forma de resistência. Estou em um lugar onde as pessoas vivem dizendo que eu não deveria estar", desabafa.
Miriam conta que, desde o início de sua carreira como produtora rural, enfrentou repressão por ser uma mulher negra no setor. "Percebi que não existia a preocupação em criar produtos e serviços voltados para um público não branco, como pessoas negras e indígenas. Eram oferecidas experiências focadas na cultura italiana, açoriana, germânica, mas nunca se falava sobre indígenas, que moram e vivem aqui, e menos ainda sobre pessoas negras. Isso começou a me incomodar", relata.
Mesmo com as negativas, Miriam acreditava no potencial do consumidor negro. Com a ideia de criar experiências, serviços e produtos para essa população, ela começou a pensar em afroturismo. Na época, a agroindústria já possuía uma parreira, e Miriam sabia que a pisa da uva era uma experiência apreciada. "Não podia colocar música italiana, nossa história não tem nada a ver com isso. Meu marido tem ascendência alemã e eu sou negra, não temos nada a ver com a colonização italiana", explica.
Além disso, por estar no Vale do Taquari, uma região que não é tradicionalmente produtora de vinhos, Miriam entendeu que precisaria inovar. "Resolvi usar uma tina grande, porque, como quero trazer a minha cultura africana, pensei em uma tina maior, onde várias pessoas pudessem participar juntas, de forma circular, porque a África é isso", enfatiza.
Miriam entende que tem uma responsabilidade com sua comunidade. "Tenho acesso a cursos, espaços e oportunidades que pessoas como eu não têm. Isso é muito significativo, porque penso 'estou aqui, fazendo esse curso, aprendendo, mas vou levar esse conhecimento para minha comunidade, para que outras pessoas tenham acesso'", afirma.