O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, é uma data que marca a luta histórica da população preta contra a repressão e o racismo. A data remete ao aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola que lutou pela libertação do povo negro.
Dados divulgados pelo Censo 2022 do IBGE mostram que, apesar de serem maioria da população, com 55,8%, e maioria da força de trabalho brasileira, com 54,9%, apenas 29,9% das pessoas pretas ocupam algum tipo de cargo de gerência no Brasil. Quem ilustra esse cenário é Michel Nascimento, porto-alegrense de 33 anos e diretor de operações da Odabá (@odaba.br), associação que visa promover o afroempreendedorismo na Capital.
"Entrei na associação buscando a qualificação profissional, tentando levar meu negócio para outro nível. Assim, recebi todas as consultorias e consegui atingir um cenário diferente no meu negócio, contratando mais pessoas, o tornando mais profissional", relembra Michel.
Hoje, ocupando um cargo de importância dentro da associação, Michel busca promover o afroempreendedorismo gaúcho e auxiliar pessoas que se encontram na mesma situação que ele estava há três anos.
Segundo Michel, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), colhidos pelo IBGE, apontam que 40% dos adultos negros são empreendedores, o que resulta em um PIB de aproximadamente R$ 2 trilhões. De acordo com o diretor, especificamente no Rio Grande do Sul, a maior parte dos afroempreendedores são mulheres, entre 25 e 35 anos, e majoritariamente concentradas na prestação de serviços. Estes são números expressivos que exigem um pouco mais de atenção, afirma Michel.
Entre os empreendedores que ilustram esse cenário, é possível perceber alguns padrões, tanto no motivo da abertura do negócio como no segmento do mercado em que estão inseridos. "Muitos desses empreendedores começam por necessidade e se apoiam em atividades que são historicamente vinculados aos nossos grupos. Negócios como cabeleireira, manicure. Estamos falando sobre cuidado com as pessoas. Isso, querendo ou não, é uma herança ancestral de cuidados coletivos, mas também é uma herança escravocrata de estar sempre a serviço de outro", percebe Michel.
Outro motivo comum para a abertura de novos negócios encabeçados por pessoas pretas é uma dor no mercado. Muitos empreendimentos liderados por pessoas brancas não possuem capacidade de atender pessoas pretas com a mesma qualidade.
"Negros geralmente fazem isso com uma questão racial, por sentirem falta de algum produto no mercado ou de algum atendimento específico. Por exemplo, uma depiladora. A pessoa vai na depiladora e o laser não é para pele negra, acaba deixando manchas. Então, toda essa falta de representatividade, essa falta de produtos direcionados à nossa raça faz com que essas oportunidades surjam e com que novos empreendedores e negócios sejam feitos a partir de um lugar que não é o nosso. É assim que o afroempreendedorismo surge" explica o especialista.
Empreender como uma pessoa preta, em um País tão racialmente desigual, pode ser um desafio enorme. A falta de estrutura, o racismo ainda enfrentado e a falta de confiança, infelizmente, são temas comuns entre os afroempreendedores que estão iniciando no mundo dos negócios. Por isso, Michel ressalta a importância de ter um bom preparo antes de iniciar a sua caminhada empreendedora.
"É preciso entender o seu mercado, é preciso estudar. Qual é o público-alvo que se quer atingir? Também é preciso se capacitar no que diz respeito a ferramentas de negócios, à marca digital, à precificação, ao fluxo de caixa e outros aspectos. Isso não se aprende no colégio, e as pessoas, muitas vezes, não têm tempo para participar de cursos. Isso são pontos realmente essenciais para se saber antes de abrir um negócio", ressalta o diretor.
Segundo Michel, o principal objetivo da Odabá é, justamente, oferecer um apoio para quem está entrando no mundo do empreendedorismo. Preparar novos empreendedores pretos é essencial para a longevidade e sucesso de seus negócios. De acordo com Michel, a atividade é quase uma exclusividade da associação, sendo uma das únicas no Sul do País.
"Quando a pessoa abre um negócio e entra na Odabá, ela vai receber uma consultoria financeira, de qualificação digital, de qualificação de negócio. Até mesmo uma consultoria jurídica, para entender quais são os documentos necessários para dar entrada no negócio, quais são as formalidades necessárias para conseguir ter um negócio legalizado e, com isso, ela também pode conseguir ter acesso a crédito e outras oportunidades", explica sobre a operação gaúcha.
Empreendedora celebra abertura do próprio negócio
Nunca é tarde para começar a empreender. É isso que Sandra Costa, empreendedora que abriu seu primeiro negócio aos 50 anos, ensina. Há 27 anos trabalhando como técnica de enfermagem, ela, que também é formada em Educação Física e Fisioterapia, resolveu mudar de área. Em janeiro, Sandra irá inaugurar o Espaço Ilera, clínica focada na prevenção e promoção da saúde que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida dos seus clientes.
Ela sempre trabalhou na área da saúde. Logo após terminar seu curso e iniciar carreira como técnica de enfermagem, a empreendedora começou a graduação em Educação Física. Durante esse período, também se especializou em um curso de pilates.
Mesmo com graduação e especialização no currículo, Sandra não se sentia segura para mudar de profissão. Dúvidas sobre como o racismo poderia afetar suas relações nessa nova carreira a fizeram seguir trabalhando como técnica de enfermagem.
"Na minha cabeça, como que eu ia entrar em uma academia ou em um estúdio aqui no Sul? Será que os alunos iam querer ter uma professora negra? Ficava me questionando: 'será que eu estou preparada?'", admite.
Em busca de mais propriedade para trabalhar com o corpo humano, Sandra decidiu estudar e se formou em Fisioterapia. Foi durante a sua segunda graduação que a ideia de abrir o próprio negócio foi se concretizando.
"Sempre gostei de trabalhar com o movimento do corpo humano, mas só tinha vivido isso dentro de um hospital. Não queria mais trabalhar só com doença, queria focar em prevenção e promoção da saúde", afirma Sandra.
A vontade de empreender já existia, mas o medo e a insegurança também se faziam presentes. E o sentimento permaneceu assim até que Sandra conheceu a Odabá. Segundo a empreendedora, essa foi a virada de chave para que ela tivesse confiança para seguir seu sonho.
"Não tinha coragem para empreender. Até que vi uma reportagem com a professora Cristina, na época, presidente da Odabá. Ela falou da importância da valorização da ancestralidade e como a maneira que a história preta era contada nos privava dessa visão de empoderamento", lembra.
Após ver a entrevista, Sandra resolveu entrar para a associação. Lá, conheceu um novo mundo. "Vi que tinham outras pessoas como eu aqui no Rio Grande do Sul, que são pretas, estão empreendendo e não estão estagnadas."
No início do projeto, Sandra contava com a parceria de duas sócias, que, por questões financeiras, não conseguiram seguir no negócio. Mas isso não a parou e seu sonho está, aos poucos, saindo do papel. Atualmente, a empreendedora divide seu tempo entre o hospital e os atendimentos de fisioterapia a domicílio, mas garante que em janeiro de 2024 um espaço para a Ilera será inaugurado.
O Espaço Ilera, que na língua iorubá significa saúde, terá como seu principal diferencial o acolhimento. Sandra promete que seguirá tentando compreender as necessidades dos clientes e o que eles esperam de um espaço de saúde, buscando estimular hábitos saudáveis. Para isso, ela irá oferecer serviços de cinesioterapia, terapia manual e pilates.
A história de Sandra é um exemplo de como o racismo está presente em todos os segmentos de nossa sociedade. Mesmo graduada, com especialização e experiência na área da saúde, a empreendedora sentia dificuldades para iniciar seu negócio e ocupar uma posição de destaque.
Essa é a importância de frequentar espaços que mostram que ninguém está sozinho e sempre terá alguém para estender a mão.
Pai e filho buscam espaço de inserção no mercado imobiliário
Fundada em 2019 por Airton e William Machado, a AWM Investimentos procura oferecer um atendimento mais individualizado do que as grandes empresas que atuam no ramo.
Fundada em 2019, a AWM Investimentos é uma pequena imobiliária comandada pelo Airton e William Machado, pai e filho. O negócio procura oferecer um atendimento personalizado, diferente de grandes empresas do ramo.
Airton trabalha no ramo imobiliário há aproximadamente 15 anos, sempre atuando em pequenas imobiliárias. O empreendedor conta que prefere a autonomia e a liberdade que as empresas menores oferecem aos seus funcionários.
Em meados de 2019, o empreendedor foi convencido por seu filho a abrir o próprio negócio, e, em dezembro do mesmo ano, a AWM saiu do papel, nome que faz referência às iniciais dos sócios Airton e William Machado. O empreendimento foca na venda e locação de todos os tipos de imóveis, com exceção de lançamentos, nicho do mercado que, segundo Airton, está dominado pelas grandes imobiliárias.
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Airton afirma que enfrentou dificuldades ao empreender como um homem preto, mas garante que isso não o impediu de crescer.
"Essas coisas sempre acontecem. Até mesmo aqui no prédio, quem não te conhece te olha estranho, segura a bolsa quando chego perto. Teve uma vez que eu fui mostrar dois prédios para um casal e, logo de cara, vi que eles estranharam a minha presença. Depois de apresentar o primeiro imóvel, eles não quiseram mais ver o segundo", conta.
Apesar das dificuldades, Airton entende que o mercado imobiliário tem, aos poucos, sido ocupado por pessoas pretas. O empreendedor já consegue perceber mais colegas negros na área.
A AWM Investimentos está localizada na avenida Nilo Peçanha, nº 3245, na sala 1111, e funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

