O médico-veterinário e professor titular da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Cláudio Wageck Canal será um dos agraciados com o Prêmio O Futuro da Terra 2025, concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e pelo Jornal do Comércio. A honraria, na categoria Cadeia de Produção e Alternativas Agrícolas, reconhece a trajetória e a relevância de seu trabalho à frente do Laboratório de Virologia Veterinária (LabViroVet/Ufrgs), que une pesquisa de ponta, diagnóstico e formação de profissionais para a cadeia agropecuária. A entrega ocorrerá no dia 1º de setembro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, durante a 48ª Expointer.
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Natural de Porto Alegre, Canal, 63 anos, formou-se pela Ufrgs em 1986. Na mesma instituição, concluiu mestrado e doutorado em Bioquímica, com estágio sanduíche na Universidade de Berna, na Suíça. Ingressou como professor na Ufrgs em 1998 e, a partir de 2004, assumiu a coordenação do setor de Virologia, consolidando uma carreira dedicada a compreender, diagnosticar e controlar vírus que afetam animais de produção, silvestres e de companhia.
Ao longo da trajetória, publicou mais de 180 artigos científicos e orientou mais de 60 mestres e doutores – metade atuando hoje como docentes universitários e a outra metade no setor privado, em empresas e laboratórios ligados à saúde animal. Essa rede de ex-alunos espalhados pelo Brasil e pelo exterior multiplica o impacto do trabalho.
“É um ciclo benéfico: pesquisa e serviço geram melhor formação, e essa formação se espalha”, define. Quando começou a lecionar Virologia Veterinária, o cenário era incipiente. “Era quase idade da pedra. Pouco se sabia sobre quais vírus circulavam no Brasil”, relembra.
Canal levou para a veterinária técnicas de biologia molecular, como a PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), então restritas à medicina humana. No início dos anos 1990, participou da primeira PCR feita no Rio Grande do Sul – inicialmente para pesquisa básica – e logo vislumbrou sua aplicação para doenças animais.
Na época, a técnica era cara e vista com desconfiança no meio veterinário. “As pessoas me olhavam e diziam: isso não existe aqui, é muito caro, só para humanos”, recorda.
Hoje, a PCR é padrão em praticamente todos os laboratórios de diagnóstico microbiológico, permitindo detectar com precisão a presença de patógenos e diferenciá-los de outros agentes que causam sintomas semelhantes. Essa evolução foi decisiva para mapear e tipificar vírus, identificar cepas e indicar vacinas adequadas para cada região.
Resultados que abriram mercados
O trabalho de Canal teve papel importante no controle de enfermidades como a peste suína clássica, doença viral que, até o início dos anos 2000, impedia o Brasil de exportar carne suína. Desenvolvendo protocolos para diferenciar o agente de outros vírus e identificar animais infectados, sua equipe contribuiu para que algumas regiões do País alcançassem o status de livre da doença. O impacto foi imediato: a suinocultura passou a acessar mercados exigentes e se consolidou como um dos pilares da balança comercial.
Situação semelhante se repete em outras cadeias. Na avicultura, a vigilância contra influenza aviária e doença de Newcastle é estratégica, pois qualquer foco leva ao bloqueio de importações. Na bovinocultura, a febre aftosa é um dos maiores desafios, e doenças menos conhecidas pelo público, como a diarreia viral bovina, provocam perdas reprodutivas e redução drástica da natalidade dos rebanhos.
“Quem tiver mais sanidade perde menos, produz mais e com menor custo. Isso aumenta a competitividade do Brasil”, resume.
O diagnóstico e a caracterização de vírus alimentam estratégias de prevenção que vão além da escolha de vacinas já disponíveis. Nos últimos anos, Canal e sua equipe também passaram a se dedicar ao desenvolvimento de imunizantes adaptados à realidade brasileira. É o caso da vacina experimental contra a diarreia viral bovina, baseada em cepas que circulam no País – ao contrário das formulações comerciais importadas, feitas com variantes estrangeiras.
“Estamos utilizando cepas brasileiras para aumentar a eficiência das vacinas e diminuir a perda que esse vírus causa”, explica. A pesquisa ainda é incipiente. Começou há cerca de dois anos e, se bem-sucedida, pode chegar ao mercado no começo da próxima década.
Ele destaca que a produção atual em larga escala de aves, suínos e bovinos em confinamento só é viável graças à prevenção sanitária. “Antes das vacinas, não se conseguia colocar mais de cem frangos juntos sem perder metade por doenças. Hoje, com diagnóstico e imunização, é possível criar dezenas de milhares no mesmo espaço”, compara.
Conhecimento que chega ao campo
Além de dar aulas e conduzir pesquisas, o LabViroVet presta serviços de diagnóstico a produtores e indústrias, permitindo respostas rápidas a surtos e ajustando protocolos sanitários. O conhecimento gerado é transmitido diretamente aos estudantes e também aos técnicos e veterinários das empresas, num fluxo constante entre academia e setor produtivo. Muitos ex-orientandos hoje ocupam postos-chave na indústria avícola, suinícola e de bovinos, levando adiante práticas de vigilância e controle de doenças.
Esse intercâmbio ajuda a enfrentar barreiras sanitárias impostas por países importadores. Canal lembra o surto de influenza em Montenegro, que levou diversos mercados a suspender temporariamente a compra de frango brasileiro.
“A sanidade não é importante só pela produtividade, mas para garantir acesso aos mercados”, reforça.
Em um mundo onde a mobilidade de pessoas e mercadorias acelera a disseminação de patógenos, manter rebanhos e plantéis saudáveis é questão de segurança alimentar e de competitividade internacional.
Canal considera o prêmio um reconhecimento que vai além de seu nome. “É uma grande honra, um reconhecimento da cadeia produtiva pela atuação que desenvolvemos de forma silenciosa. Abre portas com a indústria e com financiadores, o que é fundamental, porque a pesquisa é cara e depende de credibilidade”, afirma.
Ele lembra que, graças a essa confiança, hoje consegue acessar financiamentos para projetos de maior custo, como o de vacinas – algo que seria inviável há poucos anos. O pesquisador vê no futuro a oportunidade de ampliar parcerias com empresas e instituições, reforçar a formação de novos profissionais e avançar no desenvolvimento de vacinas adaptadas à realidade brasileira.
“Sanidade é sinônimo de alimento seguro, custo menor e acesso a mercados. Sem isso, não há cadeia produtiva sustentável”, conclui.
A lista de agraciados com o Futuro da Terra, cuja cerimônia ocorrerá no dia 1/9:
| Nome | Categoria de premiação |
| Cláudio Wageck Canal | Cadeias de Produção |
| Jorge Alberto Vieira Costa | Cadeias de Produção |
| Volmir Sergio Marchioro | Cadeias de Produção |
| Wilson Francisco Britto Wasielesky Jr. | Cadeias de Produção |
| Juliano Smanioto Barin | Inovação e Tecnologia Rural |
| Marcia Maria Auxiliadora Naschenveng Pinheiro Margis | Inovação e Tecnologia Rural |
| Maurício Oliveira | Inovação e Tecnologia Rural |
| Fabricio Jaques Sutili | Preservação Ambiental |
| Helen Treichel | Preservação Ambiental |
| Luiz Antonio de Almeida Pinto | Preservação Ambiental |
| Crops Team | Startup Inovadora |
| ProspectaBio | Startup Inovadora |
| José Miguel Reichert | Prêmio Especial |