A curiosidade infantil é a semente que poderá encaminhar, na fase adulta, um profissional para uma área específica. No caso de cientistas ou pesquisadores, não é incomum que, na tenra idade, já houvesse indicativos dos caminhos que iriam tomar. Muitas dessas crianças tornam-se, inclusive, fundamentais para a sociedade, na descoberta de medicamentos, no combate à fome, através do aumento da produção de alimentos, ou em momento de crise, como vive o Rio Grande do Sul.
Com o professor e pesquisador Enilson Luiz Saccol de Sá não foi diferente. Foram as brincadeiras, a exploração e a busca por respostas que moldaram seu modo de pensar, ele admite. Toda sua formação se deu com o foco na Biologia de Solos. “Essa vocação veio de criança. A brincadeira que eu mais gostava era ver os bichinhos que se criavam embaixo das pedras, dos tijolos. Hoje sou uma pessoa feliz porque, quando era criança, não era pago, mas, agora, sim”, brinca.
O professor trabalha com a promoção de crescimento de plantas por meio de bactérias, trabalho desenvolvido tanto na pesquisa, quanto na docência e na orientação. Titular da Ufrgs, ministra as cadeiras de Biologia e Microbiologia do Solo na graduação e pós-graduação. Natural de Santa Maria, cursou a faculdade Agronomia em Pelotas, mestrado em Porto Alegre e doutorado em São Paulo, na USP.
Na volta à Capital, atuou desde sempre dando aulas, orientando trabalhos de conclusão e pesquisando. Essa rotina ainda deve durar mais um ou dois anos. A intenção é requisitar a aposentadoria para dar espaço a jovens pesquisadores. “Costumo dizer que mentes jovens têm ideias jovens. Um pesquisador cansado pelo tempo não vai ter grandes ideias ou ideias diferentes”, diz o professor, que, embora já esteja considerando o atual projeto o último antes da aposentadoria, ainda pode ser surpreendido com novas descobertas. Afinal, pesquisas são exatamente assim: quanto mais se trabalha, mais se descobre.
Atualmente, Sá desenvolve com o seu grupo de trabalho o estudo sobre diversas gramíneas forrageiras. As plantas forrageiras são usadas como alimento para os animais, ou seja, quando pensamos em pastagens, elas servem como um complemento alimentar que torna a pecuária ainda mais produtiva. O tema sempre despertou curiosidade. Na graduação, a área que mais chamava atenção era fitopatologia e forrageiras. “Eu queria fazer uma pós-graduação, mas não queria sair dessas áreas. Então, misturei tudo e deu microbiologia do solo”, conta, ao explicar o conceito que trata da interação entre as bactérias e as plantas.
Sá tem um forte trabalho com os rizóbios, também chamados de “bactérias do bem”, cuja pesquisa lhe valeu o prêmio Futuro da Terra na categoria Inovação e Tecnologia Rural. Ele conta sobre como nasceu o interesse, falando da gratidão de ter sido discípulo, em Pelotas, do professor João Jardim Freire, pesquisador que começou a trabalhar no país com inoculantes (produtos biológicos que contêm microrganismos benéficos para as plantas, como bactérias e fungos). Jardim orientou a criação da primeira indústria de inoculantes no país naquela cidade, no extinto laboratório Leivas Leite. A orientação motivou ainda mais a curiosidade e vontade de ir adiante na área.
Interação dos micro-organismos
O professor explica que sempre teve muita curiosidade em saber como micro-organismos conseguiam interagir com plantas e qual seria o resultado dessa interação. A partir de toda a base de estudos e experiências, introduziu como novidade a Rizobiologia, ciência que descobriu o rizóbio, uma bactéria que mora no solo. Na interação com a planta, o rizóbio se transforma em promotor de crescimento. Em trabalhos anteriores, a bactéria era usada em leguminosas. O professor decidiu usá-la em gramíneas. As gramíneas desempenham um papel fundamental na agricultura, sendo cultivadas em larga escala para a produção de alimentos, como arroz, trigo, milho e cevada.
Conforme explica ele, a característica mais importante do rizóbio é fazer a fixação de nitrogênio quando está em simbiose como leguminosa. Quando está junto com uma gramínea, o rizóbio penetra nos tecidos e produz uma série de substâncias que promovem o crescimento, o aumento da parte aérea e a produção em maior escala. “Junto com isso, trabalhamos a redução da quantidade de nitrogênio aplicado no solo e conseguimos resultados bem interessantes”, observa.
Sá explica que a grande maioria dos pesquisadores pelo mundo já trabalhavam na área. A maioria, porém, pesquisava a utilização de outra bactéria de solo, o azospirillum, que também possui a capacidade de promover o crescimento das plantas de forma natural, mas fixa uma quantidade reduzida de nitrogênio em gramíneas. Os rizóbios despertaram o interesse de Sá por, justamente, terem qualidades ainda maiores. “Eu costumo dizer que, se você pensar em fitormônio (hormônios vegetais) e quiser saber quantos desses hormônios as bactérias produzem, eu diria: todos! Eles têm uma capacidade incrível de sintetizar hormônios vegetais que influem no crescimento da planta”, avalia.
Como exemplo da capacidade dos rizóbios, o professor conta sobre um trabalho produzido com a inoculação em milho, utilizando metade da dose de nitrogênio recomendada para lavoura. O grupo de pesquisa utilizou apenas adubo como tratamento, o que resultou em 14 toneladas de grãos por hectare. Em um segundo momento, foi reduzido pela metade o nitrogênio e inoculadas bactérias. O resultado: cerca de 13 mil toneladas de grãos. Ficou mais do que comprovada a enorme contribuição da bactéria para a produção.
A trajetória de Enilson Sá, seja como docente ou pesquisador, não poderia ficar de fora das escolhas das Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) para o Prêmio Futuro da Terra, em um estado produtor de conhecimento, como é o Rio Grande do Sul. “Me sinto muito honrado por esse reconhecimento”, acrescenta.
Ao mesmo tempo em que Sá pensa em dias mais tranquilos, longe do trabalho exaustivo da universidade, responde de pronto quando o assunto é auxiliar o RS, após as enchentes. Grandes áreas ficaram cobertas com areia, o que está provocando desespero entre moradores e produtores. “Minha sugestão é utilizar plantas em associação com microrganismos para desenvolver matéria orgânica. Enquanto não desenvolvermos matéria orgânica nesse novo solo que foi formado com areia, não temos como conduzir plantação, não temos como realizar cultivos e recuperação dessas áreas degradadas”, destacou.