A Expointer, tradicional termômetro do agronegócio gaúcho, neste ano revela um ambiente de cautela na demanda por crédito rural. Produtores e agentes financeiros se encontram em um ponto de tensão: de um lado, o estoque elevado de dívidas após safras marcadas por estiagens e enchentes, aliado ao encarecimento do seguro agrícola; de outro, a oferta de recursos permanece ativa, mas a contratação desacelera diante da incerteza sobre renegociações e securitização pelo governo federal.
O diagnóstico da Emater-RS ilustra a gravidade. Historicamente, cerca de 40% da área de soja no Estado era financiada com crédito oficial. Neste início de safra, o índice mal chega a 9%, com forte retração também no milho. No trigo, a queda é igualmente expressiva: de 900 mil hectares financiados em 2024, quando o cultivo alcançou 1,3 milhão de hectares, para apenas 530 mil hectares dos 1,198 milhão consolidados neste ano. Na prática, menos crédito significa menor uso de tecnologia e risco de baixa produtividade, ainda que os produtores tentem reduzir custos para seguir plantando.
Em meio às negociações com o governo para destravar o refinanciamento do passivo de longo prazo, a Farsul concluiu levantamento que aponta R$ 27,4 bilhões em dívidas de 65 mil produtores rurais gaúchos junto às principais instituições financeiras — Banco do Brasil, Banrisul e Sicredi — incluindo também CPRs. Desse montante, R$ 18,4 bilhões se enquadram nos limites da proposta apresentada pela União, enquanto outros R$ 8,9 bilhões extrapolam os tetos sugeridos.
“Daqui um mês botaremos as máquinas no campo e o produtor está descapitalizado. Temos que ter velocidade. Precisamos de uma solução”, cobrou o presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira, em reunião com o Ministério da Fazenda.
Economista-chefe da entidade, Antônio da Luz ressalta que o problema do crédito agrícola não é localizado no RS, mas em todo o Brasil. Ele aponta que houve queda nos financiamentos em julho, primeiro mês do novo Plano Safra, e em todos os meses de 2025, na comparação com os mesmos períodos do ano passado. Segundo o economista, fruto de um "Plano Safra fraco lançado em 2024", com menor capacidade que o anterior, por conta da dificuldade fiscal do governo.
"E o atual começou de maneira ainda mais assustadora", observou Antonio da Luz.
De acordo com o especialista da Farsul, o levantamento da Emater está correto, mas há subjetividades que ajudam a explicar o cenário. "A escassez de crédito pode, sim, trazer redução de área plantada ou uma semeadura com qualidade inferior para que se alcance a produtividade esperada".
A pressão por medidas de securitização e renegociação ganha força diante da proximidade da safra 2025/26. O temor é que, sem resposta imediata, os agricultores entrem no ciclo sem crédito e com menor capacidade de investimento, o que pode repercutir no resultado financeiro da feira e na produção do próximo ano.
Diante desse cenário, o Banrisul assumiu um papel de “educador financeiro” neste ciclo. Com aporte do governo estadual, oferece alongamento das dívidas em três anos, mantendo os juros originais, inclusive os subsidiados do crédito rural. O diretor de Desenvolvimento, Fernando Postal, resume: “Não deixar de atender o agricultor que vai plantar, mas ter muito cuidado com o financiamento de máquinas e equipamentos”.
O superintendente de Agronegócio, Robson Santos, reforça que a prioridade é “arrumar o campo” para que o produtor siga plantando sem se endividar ainda mais.
Peso do RS no agro sustenta oferta de recursos ao produtor
O Bradesco projeta performance semelhante à da Expointer 2024. E veio à mostra com a mesma equipe e os mesmos recursos, de acordo com o diretor de Agronegócio, Roberto França.
“A gente não perdeu a intenção de crescer a carteira de crédito aqui (no RS). Bons clientes, boas garantias, financiando custeio e investimentos. Estamos olhando para a frente, acreditando que uma boa safra traz um fôlego para o setor, traz uma recuperação. Então a gente está acomodando a situação mais difícil (de quem precisa algum alongamento nos prazos) e buscando a expansão na nossa carteira.”
Já o Banco do Brasil, que tem no RS cerca de 10% de sua carteira nacional de crédito rural, garante que os recursos estão disponíveis. O gerente de mercado no Estado, Daniel Scherer, lembra que a instituição segue executando o Plano Safra com prorrogações previstas no Manual de Crédito Rural:
“O produtor que procurar o Banco do Brasil terá apoio, seja para custeio, seja para investimento. Mas cada caso é analisado individualmente”.
No Sicredi, que projeta R$ 68 bilhões em operações em 2024, a procura no RS está abaixo do esperado. Há tração no Pronaf, mas Pronamp e médios produtores recuam. A cooperativa mantém a carteira aberta, embora algumas linhas de investimento já sofram restrição por volume.
Na Expointer, a demanda por crédito para compra de máquinas e implementos tem sido mais fraca que em anos anteriores, mesmo diante de condições agressivas da indústria, com descontos e margens reduzidas.
Enquanto isso, o BRDE, focado apenas em investimento de longo prazo, mantém inadimplência controlada. A Selic elevada e a instabilidade do cenário global freiam o apetite por novos contratos, diz o diretor-presidente Ranolfo Vieira Jr.
Assim, a fotografia que emerge da feira nesta 48ª edição é de um setor em compasso de espera. O produtor, pressionado por dívidas e pela expectativa de medidas federais, retarda decisões de financiamento. Os bancos oferecem crédito, mas com prudência e ênfase no custeio. E a indústria de máquinas, mesmo com ofertas mais atraentes, vê a procura mais enxuta. A mostra deste ano reflete um agronegócio que busca atravessar a safra com menos crédito e mais cautela, preservando a capacidade de continuar produzindo até que uma solução para o passivo bilionário seja alcançada.