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Publicada em 16 de Novembro de 2023 às 10:09

Rio Grande do Sul é destino obrigatório para quem é apaixonado por vinhos

A relação das pessoas com o vinho através do enoturismo faz com que elas descubram que por trás de cada garrafa existe uma história e dedicação que perpassa gerações

A relação das pessoas com o vinho através do enoturismo faz com que elas descubram que por trás de cada garrafa existe uma história e dedicação que perpassa gerações

/TÂNIA MEINERZ/JC
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Loraine Luz, especial para o JC
Loraine Luz, especial para o JC
O que há de mais singular na vitivinicultura é que cada garrafa de vinho ou espumante pode contar uma história. Paralelamente ao intenso e meticuloso trabalho - do cuidado com os parreirais ao engarrafamento - que resulta em números aos milhares, seja em quilos de uvas, seja em litros de vinhos, as vitivinícolas têm a seu favor a capacidade de essa bebida proporcionar experiências e criar memórias agradáveis.
"Eu me apropriei de uma frase que diz que o vinho é 20% do que está na garrafa e os outros 80% são as experiências", resume Maiquel Vignatti, gerente de marketing da Cooperativa Vinícola Garibaldi.
Por tradição secular, por aptidão geográfica, pelas características de clima ou pelo estofo aprimorado de geração em geração, o Rio Grande do Sul segue hegemônico na produção nacional, como demonstram os números reunidos nesta publicação, e protagonista dos benefícios econômicos gerados a partir do mundo do vinho.
De nada adiantariam "as horas de frio, tão fundamentais para a produção das uvas, os solos argilosos e de origem vulcânica" - como elenca Renê Tonello, presidente do Conselho de Administração da Cooperativa Vinícola Aurora - não fosse a predisposição para o trabalho, atributo dos imigrantes italianos, como acrescenta Vignatti: "temos todos esses aspectos geográficos e topográficos que formam o terroir, mas também reunimos condições culturais, que é a ação".
"Temos diversas regiões no Sul com clima e solo que são perfeitas para a elaboração de vinhos e espumantes. Essas regiões propícias, aliadas à evolução constante da qualidade no método de elaboração, tanto no campo, quanto na vinícola, resultam em produtos de destaque", argumenta Eduardo Valduga, enólogo e diretor do Grupo Famiglia Valduga.
Com uma imagem consolidada no universo vitivinícola, por essa soma de terra e suor, tradição e pioneirismo técnico, o Rio Grande do Sul acaba como destino obrigatório para quem é apaixonado por vinhos. "A relação das pessoas com o vinhos através do enoturismo é cativante. Elas descobrem que por trás de cada rotulo e garrafa existem histórias e um conteúdo fantástico", empolga-se Franco Perini, CEO Casa Perini, ele próprio um praticante do enoturismo.
Familiares, operadas por pequenas empresas ou grandes conglomerados, não há uma vinícola que já não tenha compreendido a força desse segmento de viagens. "O enoturismo é a oportunidade de criar conexão entre a marca e o público, de traduzir toda a história que está envasada em cada garrafa. Ajuda a mostrar que o produto é feito de pessoas para pessoas, e que, mais do que a relevância econômica, é social e culturalmente muito importante para a região, o Estado e o País", resume Renê Tonello. No caso da Vinícola Aurora, a projeção para 2023 é superar o fluxo de 2022, quando recebeu 241,8 mil visitantes.
Desse fluxo, são favorecidos outros segmentos da economia. "Cada vez mais a gente percebe a importância do enoturismo", reconhece Flaviana Chioquetta Yamaguchi, gerente de marketing da Laghetto Hotéis. "O impacto é mais visível em Bento Gonçalves. Tanto que a gente está abrindo um novo empreendimento, o Reserva dos Vinhedos, dentro do Vale. Esse fluxo tem aumentado também em Gramado e Canela, onde operam mais de 12 vinícolas. A região de Bento é muito procurada por casais; Gramado e Canela, é mais por famílias", afirma ela.
A cultura cativante em torno do vinho que atrai turistas abraça com legitimidade a gastronomia, evidentemente. E acaba como um cartão de visitas para quem atua no ramo de restaurantes. A força do vinho foi fundamental, por exemplo, na expansão da rede Di Paolo de restaurantes. "Os turistas, quando nos visitam aqui no Rio Grande do Sul, perguntam quando vamos abrir uma loja em seus Estados. Assim começamos nosso projeto de expansão, com uma logística própria de vários produtos que são produzidos aqui, preservando a originalidade e a experiência autêntica da típica cozinha italiana da Serra Gaúcha", conta o sócio fundador da marca, Paulo Geremia, ele próprio descendente de uma família de imigrantes italianos vinda em 1890 da Província de Vicenza, na região do Vêneto (ITA). A rede tem 14 unidades, em mais três Estados além do RS: PR, SC e SP (este último com previsão de abertura de mais duas lojas no ano que vem).
Completando 50 anos de Brasil, o argentino Adolfo Lona, enólogo na Adolfo Lona Vinhos e Espumantes, acrescenta um aspecto definitivo para explicar o potencial próspero de tudo o que gira em torno da bebida: "O consumidor é extremamente apaixonado e envolvido", atesta, com a experiência de quem ministra cursos desde 1988. "Ao longo dos anos, aprendi que o consumidor é progressivo. Pode hoje saber pouco sobre vinhos, mas amanhã sabe um pouco mais. Se a gente não progredir com ele, a gente termina criando tabus e se distanciando dele", acredita.
Em síntese, as vinícolas voltadas também ao enoturismo acabam como cenário de um encontro repleto de expectativas: de quem produz e de quem consome. Porque a degustação, ponto alto da tour de qualquer turista, também preenche de significado o trabalho de vitivinicultores e enólogos, como destaca Lona. "Não tenho uma etapa preferida na elaboração dos vinhos, mas é evidente que a degustação é o momento principal. Porque é quando você avalia um vinho ao qual dedicou todo o ano ou uma safra. Se ali o vinho não estiver agradável, fácil de beber, tudo o que veio antes não atingiu o objetivo. Porque a razão de nossa existência é o consumidor", destaca.
 
 
 
 
 
 

Hegemonia como marca

Em uma média simples a partir de números do Sistema de Declarações Vinícolas, cada vinícola que elaborou produtos em 2023 gerou cerca de  850 mil litros de vinhos e espumantes

Em uma média simples a partir de números do Sistema de Declarações Vinícolas, cada vinícola que elaborou produtos em 2023 gerou cerca de 850 mil litros de vinhos e espumantes

/TÂNIA MEINERZ/JC
Os números desta página e da próxima fazem parte de levantamento do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS) e do Painel de Produção Vinícola do Rio Grande do Sul, lançado em setembro, com dados históricos do setor desde 2004.
As informações contidas no painel são declaratórias, abastecidas mensalmente pelas mais de 540 empresas vinícolas gaúchas ativas cadastradas no Sisdevin/Seapi-RS e registrados no Ministério da Agricultura e Pecuária. O grau de adesão é próximo a 100%, já que no País há obrigatoriedade do cadastro vinícola para a produção de produtos derivados da uva. O Rio Grande do Sul é o único Estado com sistema próprio e parceria com o Governo Federal para controlar a própria produção. Portanto, tem informações fidedignas com relação à produção vitícola gaúcha para a indústria, não considerando uvas para consumo in natura.
O gráfico sobre o volume de produtos totais ao longo desses quase 20 anos exibe um traço regular à exceção de 2016, com uma depressão acentuada. A baixa para 204,4 milhões de litros se deve à seca no Estado, que prejudicou a produção de uvas.
Já as informações do Consevitis-RS, quando relativas a nível nacional, foram levantadas em conjunto com outros Estados recentemente. "Sempre é bom ressaltar que esses dados são estimados. Foram divulgados perante os setores políticos na defesa do setor frente à reforma tributária. Podemos seguir usando, pois temos também essa referência", explica Eduardo Piaia, diretor executivo do Consevitis-RS.
Quando se olha para a produção, os números dependem da estratégia da vitivinícola. Mesmo que o empreendimento tenha uma estrutura maior, pode ter uma produção menor, mais focada em qualidade. "Pelo painel de indicadores do Sisdevin, tivemos 539 vinícolas que vinificaram e 457,79 milhões de litros de produtos totais. Se fizermos uma média simples, teríamos 850 mil litros de média para cada vinícola que elaborou produtos em 2023", aponta Piaia.
Com relação a emprego, estudo de 2018 da União Brasileira de Vitivinicultura apontou que cada hectare de vinhedo gera um emprego direto e dois indiretos apenas na produção, sem contar os postos de trabalho no restante da cadeia produtiva (que inclui distribuidores, varejistas e setores de hospitalidade, como no enoturismo).

"A grande maioria das propriedades produtoras de uvas tem o trabalho anual baseado na própria família, por isso falamos em agricultores familiares. Para cada propriedade, geralmente são três ou quatro pessoas da família envolvidas. Nos períodos de colheita, é que muitas famílias necessitam de mão de obra de fora da propriedade", destaca Piaia. Das vinícolas da Serra Gaúcha entrevistadas para esta publicação, apenas três concordaram em comentar performance e, dessas, apenas uma citou números. Por meio de seu representante, a Casa Perini se limitou a dizer que a retomada dos eventos pós-pandemia deve contribuir com o seu faturamento, visto que espumantes ("a fortaleza de nossa empresa") são associadas a comemorações. A cooperativa Garibaldi, a exceção de 2020, afirmou que nos últimos anos tem atingido suas metas e objetivos, com expectativa de crescimento em 2023 puxado por espumantes. Por fim, a Vinícola Aurora diz comemorar seu melhor desempenho da história, com
R$ 756 milhões em faturamento em 2022. "Nossa expectativa é atingir o primeiro bilhão em 2026", diz Renê Tonello presidente do Conselho de Administração da cooperativa.

O setor vinícola em números

• R$ 5 bilhões é o que a cadeia vitivinícola movimenta na economia brasileira.
• 85% dos R$ 5 bi movimentados no país é responsabilidade do Rio Grande do Sul (R$ 4,25 bilhões).
• 70 mil é aproximadamente o número de agricultores envolvidos na produção de vinhos no Brasil.
• 59,5 mil agricultores vitivinícolas estão no Rio Grande do Sul.
• 50 mil é o total aproximado de hectares em solo brasileiro destinados ao cultivo de uvas; no Rio Grande do Sul, são 42,5 mil hectares.
• 1 mil vinícolas operam no país.
• 100 mil é a estimativa, no país, de pessoas empregadas direta ou indiretamente na cadeia.
• 539 é o número de vinícolas ativas no Estado e que apresentaram movimento nos últimos três anos.
• 457,79 milhões de litros é o volume total de todos os produtos elaborados a partir de uvas no RS em 2023.
• 850 mil litros é a média de produção de cada vinícola que elaborou produtos em 2023.
• Desde 2004 até agora, o Rio Grande do Sul tem registrados 8,24 bilhões de litros de produtos derivados da uva.
• Nessa base histórica (2004 até agora), os 5 municípios campeões na produção, em litros, são Flores da Cunha, Bento Gonçalves, Farroupilha, São Marcos e Garibaldi.
• Em 2023, neste Top 5, a única diferença é que Garibaldi e São Marcos trocam de posição.
• Os 5 municípios com maior número de vinícolas são Flores da Cunha (113), Bento Gonçalves • (57), Caxias do Sul (54), Garibaldi (39) e Farroupilha (27). Bento Gonçalves e Flores da Cunha também lideram na produção de uvas.
•  664.989.808,38 quilos é o total de uvas produzidas para industrialização na safra 2023.
•  Deste total, 15% (99.738.086,01) são viníferas e 86% (565.243.922,37) são americanas ou híbridas. Isabel e bordô são os cultivares que predominam majoritariamente.
•  216.104.587,9 litros é o total de vinhos elaborados (mesa e finos) na safra 2023 (redução de 10,92% ante a safra 2022).
•  13.785.320,63 litros é o volume da elaboração de bases para espumante e espumantes na safra 2023 (alta de 15,6%, quando comparado à safra 2022).
 

Qual a melhor notícia dos últimos tempos para o setor e o seu maior desafio?

Adolfo Lona, enólogo na Vinícola Adolfo Lona
Melhor notícia: O surgimento de uma nova região produtora muito promissora: o norte de São Paulo e o sul de Minas Gerais. Isso é resultado de um fator importante: a dupla poda, ou poda de inverno, ou poda invertida. Para mim, foi significativo porque ampliou os horizontes de produção de vinhos no Brasil, antes muito restrita a áreas ligadas à temperatura. Tirando a região sul, o Brasil não tem inverno. Sem a poda invertida, era um País limitado. Agora, fugindo das chuvas de verão e tendo um inverno cálido, sul de Minas e norte de São Paulo têm colheita de inverno. Se desmistificou um pouco a máxima do paralelo 30. Agora não tem muito isso. E surge mais gente nova se interessando por produção, ampliando a oferta de bons vinhos nacionais. Para mim, isso é marcante.
Desafio: Conseguir uma união setorial. Até hoje não se tem. O Brasil não consegue superar sua pequena porcentagem no mercado de vinhos. Hoje o mercado é ocupado por 87% de vinhos importados. Me refiro a vinhos finos. E os 13% são vinho nacional. Nos espumantes, isso é ao contrário, predomina o brasileiro. Isso derruba de certa forma aquele velha sentença de que o brasileiro é preconceituoso com produto nacional. Eu acho que, se ele dá preferência ao espumante do País, é porque entende ser um bom produto. No caso do vinho, não. Então o setor precisa trabalhar arduamente para que isso se modifique. Não podemos fazer legislação que nos tire credibilidade, como já foi feito, criando "reserva', 'reservado", "nobre". São tipos de vinho que estão mal definidos. Precisamos trabalhar mais unidos. Se quisermos que se supere os dois litros per capita/ano, não é fazendo a pessoa que já bebe beber mais, mas atraindo novos consumidores.
Eduardo Valduga, enólogo e diretor do Grupo Famiglia Valduga
Melhor notícia: Quando os nossos produtos são valorizados, consideramos uma ótima notícia. E nos últimos tempos isso vem acontecendo com bastante frequência. Concursos na América Latina e na Europa estão reconhecendo os vinhos e os espumante brasileiros.
Desafio: Os desafios são diários. Começamos pelo campo em que precisamos do clima como aliado, desde a poda no inverno até a vindima no verão. Uvas bem maturadas e com qualidade para o desenvolvimento de grandes rótulos dependem disso. Outro grande desafio é seguirmos inovando ano a ano, nos adaptando ao mundo que está mudando rapidamente, assim como o comportamento dos consumidores.
Maiquel Vignatti, gerente de Marketing da Cooperativa Vinícola Garibaldi
Melhor notícia: Tivemos muitas boas notícias, difícil responder só uma. Destaco a percepção da qualidade do nosso vinho pelo consumidor brasileiro, o aumento da percepção da imagem do vinho brasileiro frente ao cenário internacional através de premiações e certificações, além das feiras voltadas ao setor, como a WSA, a ProWine e diversos eventos regionais Brasil afora.
Desafio: Temos alguns desafios em várias esferas. No campo, é a ascensão de novas variedades, já que o Brasil ainda tem muito potencial a ser explorado e é o que a gente está fazendo agora. Na indústria, a evolução da vinificação de pequenas parcelas de vinhedos. Também temos a questão do ganho de qualidade e da percepção da qualidade, além de investimentos em tecnologia e inovação. Além disso, temos desafios na esfera fiscal, com as entidades do setor articulando com os órgãos governamentais para buscar uma melhor situação tributária. Outro desafio é criar algumas políticas de proteção ao vinho nacional. E, na seara ambiental, tem a sustentabilidade, a adaptação a uma nova realidade climática, que tem mexido muito no clima com chuvas em excesso e secas prolongadas. Precisamos estar preparados.
Franco Perini, CEO Casa Perini
Melhor notícia: Podemos elencar mais de uma, dependendo do aspecto. No mercado, o período da pandemia proporcionou mais espaço e a certeza que o consumidor brasileiro toma vinho, claro não ainda com médias globais. A pandemia fechou as fronteiras, então indicou um número mais real do que é o consumo no Brasil. Não tinha o contrabando da bebida acontecendo com a veemência atual. Também citaria a redução de 35% do percentual alíquota de IPI paga pelo vinho, no governo anterior. No atual governo, cito o movimento de enquadrar o vinho como um complemento alimentar, gerando mais competitividade e mais acesso do consumidor. Outro aspecto positivo é um tanto controverso, porque é fruto do aquecimento global que precisa ser combatido, mas o fato é que as mudanças climáticas do planeta favoreceram a região produtora.
Desafio: Sabemos que é muito difícil, mas o primeiro desafio é estancar o contrabando de vinhos - especialmente o argentino entrando pela fronteira seca - porque isso torna o mercado desigual, tira totalmente a competitividade. E depois essa luta de transformar o vinho como complemento alimentar, o que enquadraria o produto em uma pauta tributária mais confortável para a indústria e, consequentemente, para o consumidor.
Renê Tonello, presidente do Conselho de Administração da Cooperativa Vinícola Aurora
Melhor notícia: A retirada da substituição tributária (ST) em alguns estados foi uma das melhores notícias que tivemos setorialmente. Os três estados da região Sul, além de dois grandes mercados como São Paulo e Rio de Janeiro e mais a Bahia, retiram a ST para a comercialização de vinhos. A ST prevê que a indústria recolha o ICMS não somente sobre a venda dos vinhos, espumantes e sucos aos mercados, mas também a comercialização do varejo ao consumidor final. Ou seja, o tributo é descontado todo na vinícola, e não em cada etapa da cadeia de circulação. Isso prejudica demais os negócios, penalizando os fluxos financeiro e operacional das empresas. Com a retirada da ST em alguns estados, a indústria passou a ter um prazo maior para pagamento do ICMS, o que proporciona maior capital de giro aos negócios.
Desafio: Temos um desafio setorial permanente de aumentar a cultura do vinho no País. Nosso consumo per capita é de pouco mais de 2 litros por pessoa/ano. O volume é considerado baixo em relação a outros países produtores, como França, Portugal e Argentina, que superam o consumo de 30 litros per capita por ano. Atrelado a isso, temos uma redução no consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens.
 

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