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Publicada em 09 de Outubro de 2025 às 13:50

Seguro Rural: a proteção que falta no campo

Cobertura visa proteger produtores das interpéries climáticas

Cobertura visa proteger produtores das interpéries climáticas

Paulo Ernani Peres Ferreira/Embrapa Trigo/Divulgação/JC
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar
A agricultura tem um traço que a distingue de quase todas as outras atividades econômicas: é feita a céu aberto. A cada safra, o produtor depende da chuva que vem ou que falta, das geadas fora de hora, de enchentes inesperadas e até do excesso de calor. É nesse cenário de riscos permanentes que o seguro rural deveria funcionar como o colchão de proteção da renda no campo. No Brasil, porém, a cobertura ainda é limitada - e, no Rio Grande do Sul, um dos estados mais vulneráveis aos extremos climáticos nos últimos anos, a retração recente deixa os agricultores mais expostos do que nunca.
A agricultura tem um traço que a distingue de quase todas as outras atividades econômicas: é feita a céu aberto. A cada safra, o produtor depende da chuva que vem ou que falta, das geadas fora de hora, de enchentes inesperadas e até do excesso de calor. É nesse cenário de riscos permanentes que o seguro rural deveria funcionar como o colchão de proteção da renda no campo. No Brasil, porém, a cobertura ainda é limitada - e, no Rio Grande do Sul, um dos estados mais vulneráveis aos extremos climáticos nos últimos anos, a retração recente deixa os agricultores mais expostos do que nunca.
O mecanismo é simples de explicar: o seguro rural serve para indenizar perdas de produtividade causadas por fatores climáticos ou pragas, permitindo ao produtor honrar financiamentos e manter o fluxo de caixa mesmo em anos de frustração. “O seguro é fundamental, tão importante quanto o crédito rural”, resume Elmar Konrad, vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Conforme ele contextualiza, o Estado conviveu nos últimos anos com secas históricas e, mais recentemente, com a enchente de 2024, que devastou lavouras. “Sem seguro, todo o prejuízo recai sobre o produtor e sobre a economia regional.”
Os números ajudam a dimensionar a fragilidade. Segundo o Atlas do Seguro Rural, do Ministério da Agricultura, o Brasil já chegou a registrar mais de 210 mil apólices dessa modalidade ativas em 2021, com cerca de 13 milhões de hectares protegidos. Em 2024, esse volume caiu para 135 mil apólices e pouco mais de 7 milhões de hectares segurados.
O Rio Grande do Sul acompanhou a tendência, mas com retração ainda mais intensa: de 40 mil apólices em 2021 para pouco mais de 25 mil três anos depois. A área segurada recuou de 2,3 milhões para 1,1 milhão de hectares, e o valor protegido caiu de R$ 12 bilhões para cerca de R$ 8 bilhões.
A explicação passa por dois fatores combinados: os cortes na subvenção federal e o aumento do risco climático. Quando há recursos públicos suficientes para subsidiar parte do prêmio, a base de produtores contratando cresce rapidamente. Quando o orçamento encolhe, como ocorreu depois de 2021, a cobertura cai. “Já chegamos a ter subvenção de 60% do prêmio. Hoje, em algumas culturas, não passa de 20%”, observa Konrad. A consequência é imediata: o seguro encarece, os níveis de cobertura diminuem e muitos agricultores desistem da contratação.

Expectativa por recursos federais

No início deste ano, o governo federal anunciou a liberação de R$ 12 bilhões para renegociação de dívidas rurais, por meio de medida provisória. A medida foi recebida como alívio parcial, mas está longe de resolver o problema. “Só o Rio Grande do Sul acumula dívida próxima de R$ 27 bilhões”, destaca Konrad. A Farsul calcula que seriam necessários ao menos R$ 18 bilhões apenas para atender os produtores gaúchos. Além disso, aponta falhas na regulamentação que excluíram municípios fortemente agrícolas da lista de beneficiados.
Para o futuro, o dirigente deposita expectativas no Projeto de Lei 2159/2021, que tramita no Senado e propõe mecanismos que podem proteger às resseguradoras em caso de catástrofes, reduzir a saída dessas empresas do mercado e estabilizar os custos. “O seguro rural precisa ser encarado como política de Estado, não como recurso pontual”, conclui Konrad.
Enquanto isso, a memória das perdas recentes pesa. No Rio Grande do Sul, mais de 70% das contratações de seguro se concentram nos grãos - soja, milho, trigo e arroz. São culturas altamente sensíveis ao clima, que respondem por boa parte da renda agrícola do Estado. Quando ficam sem proteção, toda a cadeia produtiva e o consumo local sofrem.
Conforme a Farsul, o caminho para a consolidação do seguro rural no Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul, passa por três variáveis críticas: orçamento de subvenção previsível, produtos adaptados às necessidades regionais e estabilidade regulatória que dê confiança às seguradoras. Até lá, o campo segue exposto - e cada safra permanece como um jogo de alto risco, cujo ou todo mundo ganha ou todo mundo perde.

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