Ana Esteves, especial para o Jornal do Comércio
Aumentar o índice de participação do mercado segurador no Produto Interno Bruto (PIB) do País, reduzindo a chamada lacuna de proteção (protection gap), tornou-se um dos maiores desafios do setor. Dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) dão conta de que, incorporando a previdência aberta, a capitalização e toda a saúde suplementar, os seguros representam apenas 6,4% do PIB. “Reduzir esse gap é o maior desafio estratégico do mercado segurador brasileiro da atualidade, pois esse patamar é claramente insuficiente para o tamanho e a complexidade da nossa economia, e inaceitável do ponto de vista social”, afirma o diretor Técnico de Estudos e Relações Regulatórias da CNseg, Alexandre Leal. Para ele, o percentual baixo significa que uma parcela do patrimônio das famílias e da capacidade produtiva das empresas está desprotegida contra eventos inesperados. Em momentos de crise, como as enchentes recentes no Rio Grande do Sul, essa fragilidade se traduz em maior dependência do Estado e em uma recuperação mais lenta e custosa para a sociedade.
Entre os motivos para a baixa adesão estão o baixo nível de renda da população brasileira, a falta de cultura de gestão de risco e educação deficitária sobre a importância do seguro que, muitas vezes, é visto como um custo dispensável e não como um investimento em proteção. “De fato, essa lacuna é mais acentuada em alguns segmentos. O seguro residencial, por exemplo, tem uma penetração muito baixa, desproporcional à quantidade de imóveis no País, pois o risco da casa é negligenciado ou a cobertura é considerada cara, o que é um equívoco”, informa Leal. Além disso, o seguro rural não atende toda a cadeia produtiva nem a totalidade das culturas, o que deixa o agronegócio vulnerável a eventos climáticos. Por fim, as coberturas contra desastres naturais em geral, que deveriam ser mandatórias em áreas de risco, sofrem com a falta de consciência de risco e com a ausência de políticas públicas de mitigação de risco que tornariam o seguro mais acessível.
Para se ter uma ideia, na Europa os índices de cobertura chegam, em alguns casos, a 10% do PIB, basicamente por serem países com uma renda per capita superior à brasileira. Para Leal, a falta de uma cultura de planejamento de longo prazo também é um fator importante. “Lá há uma tradição de seguros que remonta a séculos. Além disso, a infraestrutura de mitigação de riscos (como obras de drenagem e prevenção de enchentes) é mais robusta, o que reduz o custo final do seguro”. No Brasil, as barreiras estruturais persistem: o custo é elevado devido à alta sinistralidade e, em alguns ramos, à carga tributária sobre o prêmio. A burocracia no processo de sinistro, embora esteja sendo resolvida com a digitalização, ainda gera ceticismo. “Do ponto de vista da regulação, estamos avançando com o novo Marco Legal, que busca simplificar e dar mais segurança jurídica, mas o desafio regulatório é garantir que haja flexibilidade para criar produtos simples e acessíveis”, complementa o especialista.
Entre as maneiras de tornar o seguro mais atrativo, estão o desenvolvimento de novos produtos e o aperfeiçoamento daqueles já existentes, visando atender às necessidades dos clientes quanto à proteção contra riscos. Além disso, ocorre um movimento de “regionalização” que tem mudado a forma de se comunicar com o cliente. Utilizando canais e um linguajar que seja mais próximo da realidade e preferências de uma determinada região. Ao mesmo tempo, a demanda da classe média emergente é vista como um dos motores de crescimento mais promissores do setor. Este público já tem uma maior consciência de risco e possui um patrimônio a proteger, seja um carro, uma pequena empresa ou a casa própria, mas ainda é sensível a preço. “Para essa classe, o setor oferece produtos híbridos e modulares: apólices que combinam o essencial do Seguro de Vida com coberturas básicas de acidentes pessoais ou que adicionam serviços de assistência (encanador, eletricista) ao Seguro Residencial. A contratação digital e transparente é o principal atrativo para esse segmento”, diz Leal.
Para o executivo, a educação financeira e a ampliação da cultura do seguro são a resposta de longo prazo para a lacuna de proteção. O setor apoia e participa de diversas iniciativas nesse sentido, visando inserir o conceito de proteção e planejamento de riscos desde cedo nas escolas e em programas de alcance nacional. A tecnologia também tem colaborado para reduzir a lacuna, a partir de plataformas digitais que facilitam o acesso, resultando em produtos com menor custo de distribuição e maior personalização. O uso de sensores, dados climáticos em tempo real e inteligência artificial abre caminho para modelos de subscrição mais precisos e inclusivos, que podem reduzir custos e ampliar a cobertura de públicos tradicionalmente negligenciados.
O vice-presidente Corporativo da Icatu Seguros e presidente da Rio Grande Seguros e Previdência, César Saut, disse que a lacuna se estabelece porque o mercado não se comunica com um propósito, mas com produtos. A saída seria fazer com que o produto seja uma consequência de propósito. “O meu propósito é proteger vidas. O meu propósito é proteger vidas de risco social. Risco social de uma morte prematura, de um acidente ou da sobrevivência. Como é que eu vou desenvolver produto e processo para cumprir o meu propósito. Temos que fazer produtos diferentes para desiguais”, avalia.