Ana Esteves, especial para o Jornal do Comércio
Nesta entrevista concedida para o Jornal do Comércio, a advogada Anne Wendler, sócia do escritório Rücker Curi, avalia o Marco Legal.
Jornal do Comércio - Qual é a avaliação da sobre a aprovação e sanção da Lei 15.040/2024? E de que forma o setor participou da construção do texto?
Anne Wendler - A Lei 15.040/2024 representa um avanço extremamente positivo para o País. A existência de uma lei específica para o contrato de seguro é um passo importante para modernizar a regulação do setor, conferindo maior segurança jurídica e clareza nas relações entre segurados e seguradoras. Trata-se de um movimento que já ocorreu em diversos outros países, reconhecendo a relevância social e econômica do seguro como instrumento de proteção e estabilidade. Além disso, a nova lei revoga as disposições do Código Civil sobre o tema, atualizando conceitos e algumas práticas que já não refletiam a realidade contemporânea do mercado segurador. O processo de elaboração do texto contou com diálogo e participação do setor, com apoio técnico da Susep, do governo e de diferentes representantes do mercado de seguros, o que contribuiu para a construção de um marco legal mais equilibrado, moderno e alinhado às melhores práticas internacionais.
JC - Quais são os principais avanços trazidos pelo novo marco legal?
Anne Wendler - Entre os principais pontos positivos estão a definição mais clara das regras contratuais, o reforço da transparência e a delimitação precisa dos direitos e obrigações das partes envolvidas. A lei também contribui para aumentar a segurança jurídica e uniformizar práticas que antes eram tratadas de forma dispersa, seja por normas infralegais, seja pela jurisprudência. Ao positivar regras detalhadas sobre prazos, carências, sinistros e responsabilidades contratuais, a lei moderniza a base jurídica do setor e traz mais previsibilidade às relações securitárias. Por outro lado, justamente por detalhar tantos aspectos da operação, a nova legislação tem exigido um movimento intenso de adequação interna por parte das seguradoras e corretores, com a revisão de fluxos de regulação de sinistro, ajuste de prazos, atualização de sistemas e treinamento de todos os profissionais envolvidos. Outro ponto de atenção é a positivação de responsabilidades dos corretores, que passam a ter obrigações expressas quanto ao cumprimento de prazos, como o de cinco dias para determinadas comunicações, o que também requer ajustes operacionais e alinhamento entre os diversos agentes do mercado.
JC - A Lei 15.040/2024 altera os prazos para análise e pagamento de sinistros. Como as seguradoras estão se preparando para atender esses prazos? O setor vê risco de aumento da judicialização devido à interpretação de novos dispositivos da lei?
Anne Wendler - As seguradoras têm se mobilizado intensamente para adequar seus processos internos aos novos prazos de análise e pagamento de sinistros. O setor vem investindo em treinamento de equipes, revisão de fluxos operacionais e atualização das condições gerais e particulares dos contratos, de modo a garantir o cumprimento dos prazos legais e reforçar a transparência na regulação de sinistros. Outro ponto de atenção tem sido a atualização do rol de documentos exigidos, a constar expressamente nas condições contratuais, permitindo que os segurados saibam exatamente quais informações precisam ser apresentadas para a análise do sinistro. Naturalmente, há preocupação quanto à aplicação prática dessas regras em seguros de maior complexidade, como os contratos de grandes riscos, em que a regulação exige análises técnicas detalhadas, perícias prévias e a participação de diversos agentes. Embora exista o risco inicial de questionamentos judiciais na interpretação de alguns dispositivos novos, o setor está preparado e empenhado em aplicar a lei de forma segura e eficiente.
JC - Acredita que os novos critérios de solvência e exigências regulatórias podem impactar especialmente seguradoras de pequeno e médio porte?
Anne Wendler - A Lei não trata diretamente de critérios de solvência ou de exigências regulatórias para o funcionamento das seguradoras. Esses aspectos continuam sob a competência da Susep, que já realiza monitoramento rigoroso e contínuo da solvência das companhias, conforme normas prudenciais específicas. Entretanto, é possível que a implementação da nova lei — especialmente no que envolve adequação de processos, revisão de produtos e atualização de fluxos internos — leve a uma atuação mais próxima da Susep junto às seguradoras, oferecendo suporte técnico e reforçando a fiscalização para assegurar a correta adaptação ao novo marco legal.
JC - As exigências da nova legislação favorecem a consolidação do mercado?
Anne Wendler - A Lei 15.040/2024 tem como principal propósito fortalecer o mercado de seguros, contribuindo para um ambiente mais sólido, transparente e previsível, o que tende a estimular o desenvolvimento do setor, a criação de novos produtos e a ampliação do acesso ao seguro por diferentes nichos da sociedade. A expectativa é de que a lei consolide ainda mais o mercado, favorecendo a inovação e a expansão sustentável. Embora alguns agentes do setor tenham manifestado preocupações pontuais, especialmente quanto às regras sobre arbitragem previstas na nova lei — sob o argumento de que poderiam gerar cautela entre algumas resseguradoras — não há indícios concretos de que isso venha a ocorrer.