“Seguro é um guarda-chuva: você compra para não usar. Já a previdência é uma poupança de longo prazo para usar lá na frente”. A metáfora da professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Máris Caroline Gosmann ajuda a separar dois instrumentos que caminham juntos, mas cumprem papéis diferentes: o seguro cobre imprevistos como morte, doença, invalidez, incêndio ou roubo; a previdência acumula recursos que serão transformados em renda futura. São complementares - não substitutos.
Nos bastidores dessa engrenagem está o atuário, profissional que calcula preços e reservas para que as promessas de hoje sejam cumpridas amanhã. Ele trabalha com mutualismo, lei dos grandes números e probabilidade. No seguro, poucos terão sinistro, mas com alto impacto. Na previdência, o desafio é a longevidade: pagar renda vitalícia mesmo a quem viver bem mais que a média.
“É por isso que os cálculos precisam ser sólidos e que orientação profissional faz diferença - tanto para evitar coberturas desnecessárias quanto para entender taxas e regras de resgate”, observa Máris, que trabalha justamente na área das Ciências Atuariais.
O mercado e as escolhas das famílias
Apesar de avanços recentes, o Brasil ainda engatinha em proteção financeira. Dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) mostram que, em 2024, as provisões técnicas somaram R$ 1,96 trilhão, o equivalente a 15,6% do PIB. A arrecadação foi de R$ 435,5 bilhões, e as empresas pagaram R$ 241,42 bilhões em indenizações, resgates e sorteios.
Ainda assim, estima-se que apenas 20% da população tenha algum tipo de cobertura. O contraste é evidente: entre as maiores economias do mundo, o País ocupa apenas a 19ª posição global no mercado segurador.
Na previdência aberta, 2025 trouxe um choque: entre janeiro e agosto, a captação líquida despencou 76,5% em relação a 2024 (de R$ 42,6 bi para R$ 10,0 bi). O motivo foi a cobrança de 5% de IOF sobre aportes no VGBL, que afastou especialmente investidores de maior volume.
“A captação hoje representa só 25% do que víamos no mesmo período do ano passado”, relata Marcelo Malanga, diretor estatutário da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). “Criou-se um ‘gap’ de produto num instrumento central para sucessão patrimonial e planejamento de longo prazo”, segue.
Apesar do freio, a base permanece sólida: a captação bruta somou R$ 111,2 bilhões até agosto, em linha com o histórico de VGBL e PGBL, e o número de planos ativos já supera 13,6 milhões. No seguro de pessoas, os prêmios chegaram a R$ 44,5 bilhões de janeiro a julho (+7,8% sobre 2024), com sinistros pagos de R$ 10 bilhões no mesmo período. O recado é claro: há demanda por proteção, mas também muito espaço para crescer.
Uma pesquisa da Fenaprevi com o Instituto Datafolha, realizada em setembro do ano passado, reforça esse quadro. Quando perguntados sobre como pretendem se sustentar após a aposentadoria, 37% dos brasileiros citaram o INSS como principal fonte de renda e apenas 13% mencionaram a previdência privada. Entre os que dizem contar com o benefício público, poucos sabem quanto vão receber: só 35% informaram um valor, com média de R$ 2.218. A maioria admite que terá de cortar gastos para caber no orçamento.
Outro dado revelador: apenas 39% dos entrevistados possuíam algum seguro ou plano de previdência em 2024. Dentro desse grupo, só 9% tinham previdência privada e 18% seguro de vida. Já a prioridade ao patrimônio material salta aos olhos: muitos brasileiros protegem o carro, mas deixam a família descoberta. Confrontados com a pergunta “seu carro vale mais do que sua vida?”, 68% dos que tinham seguro veicular e não tinham seguro de vida afirmaram que repensariam a escolha.
Em resumo, o problema central não é falta de interesse, mas a baixa educação financeira e a dificuldade de transformar intenção em ação. Há consciência sobre riscos, mas falta planejamento consistente.
Tendências, tecnologia e decisão prática
O envelhecimento populacional e as limitações do regime público são forças estruturais que impulsionam o setor. “Previdência e seguro de vida são os dois únicos instrumentos capazes de administrar a incerteza da longevidade”, resume Malanga. “O seguro protege quem depende de você hoje; a previdência garante sua renda, independentemente de quanto tempo viva”, destaca.
A tecnologia tende a acelerar esse processo. “Modelos com inteligência artificial permitem personalizar preços e produtos a partir de milhões de dados em tempo real, tornando o cálculo mais justo”, explica Máris. A tendência é ver planos e seguros sob medida, com governança e sustentabilidade cada vez mais exigidas por clientes e investidores.
A cobrança de IOF nos aportes do VGBL reduziu o fôlego da captação em 2025 e reacendeu o debate sobre o ambiente regulatório. Para a Fenaprevi, o desafio é equilibrar segurança jurídica e inovação sem desincentivar o poupador - sobretudo em um País onde a maioria depende do INSS e admite que terá de apertar o cinto ao se aposentar.
Mas há uma decisão que não depende de Brasília: começar. Vale investir pouco, desde que seja todo mês. E vale ter acompanhamento: comparar taxas, ler o regulamento, entender como o fundo investe e evitar resgates por impulso. No seguro, ajustar o capital para que a família não precise vender patrimônio ou reduzir drasticamente o padrão diante de um imprevisto.
Em português claro: o seguro protege o hoje; a previdência compra o amanhã. Um sem o outro deixa brechas - e é justamente nessas brechas que nascem as maiores dores financeiras das famílias brasileiras.
Be-a-bá: diferenças entre os modelos
1) Para que serve
• Seguro: indenizar eventos incertos (morte, invalidez, doença grave, perda de renda, acidentes, incêndio, roubo). O prêmio reflete o risco individual: idade, saúde, profissão, histórico, valor do bem.
• Previdência: acumular para aposentadoria e pagar renda no futuro. O que pesa é o tempo de contribuição, a rentabilidade dos fundos e a expectativa de vida.
• Previdência: acumular para aposentadoria e pagar renda no futuro. O que pesa é o tempo de contribuição, a rentabilidade dos fundos e a expectativa de vida.
2) Quando usar
• Seguro: já - especialmente se você tem dependentes ou renda que não pode faltar.
• Previdência: quanto antes, melhor. O juro composto e a disciplina dos aportes fazem o trabalho pesado ao longo dos anos.
• Previdência: quanto antes, melhor. O juro composto e a disciplina dos aportes fazem o trabalho pesado ao longo dos anos.
3) Como escolher
• Seguro: ajuste coberturas (morte, invalidez, doenças graves, diária por incapacidade), valor segurado e prazo ao seu perfil. Evite contratar “por impulso” um pacote que não conversa com suas necessidades - erro comum.
• Previdência: compare taxas (carregamento, administração, performance), fundos (perfil de risco, consistência) e regras de resgate/portabilidade. Planeje a fase de renda (prazo certo, vitalícia, reversível a cônjuge). A orientação de um corretor/consultor ajuda a evitar decisões enviesadas.
• Previdência: compare taxas (carregamento, administração, performance), fundos (perfil de risco, consistência) e regras de resgate/portabilidade. Planeje a fase de renda (prazo certo, vitalícia, reversível a cônjuge). A orientação de um corretor/consultor ajuda a evitar decisões enviesadas.