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Publicada em 15 de Fevereiro de 2024 às 18:57

Diretor e roteirista Jorge Furtado completa 40 anos de sucesso no cinema e televisão

Um dos maiores nomes do audiovisual gaúcho, Jorge Furtado comemora 40 anos como diretor e roteirista com muito trabalho pela frente

Um dos maiores nomes do audiovisual gaúcho, Jorge Furtado comemora 40 anos como diretor e roteirista com muito trabalho pela frente

LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
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Livia Guilhermano, especial para o JC *
Livia Guilhermano, especial para o JC *
 
É um dia quente e nublado de janeiro na capital gaúcha. A sala de reuniões, no segundo andar da Casa de Cinema de Porto Alegre, exibe uma grande quantidade de kikitos e troféus, bem acima da janela. Os cartazes de alguns dos filmes de maior sucesso da produtora — como O mercado de notícias (2014), O homem que copiava (2003) e Meu tio matou um cara (2004) — cobrem a parede ao lado da mesa. Ali, o cineasta Jorge Furtado recebe a reportagem do Jornal do Comércio para uma conversa sobre sua trajetória, planos futuros e opiniões sobre a realidade brasileira e o cinema.
Diretor e roteirista, ou roteirista e diretor. Jorge Furtado não abre mão de fazer as duas atividades, paralelamente. Quando passa muito tempo escrevendo, sente falta do set. Após encarar longas horas de gravação, subindo e descendo morros e tendo noites de insônia, sempre volta ao silêncio do escritório. "Eu só sou diretor porque eu era roteirista e queria fazer do meu jeito. Eu nunca dirigi um roteiro que eu não escrevi. Não faria isso. Mas já escrevi muitas vezes para outros diretores", conta.
São mais de 30 filmes, entre curtas e longas, e mais de 20 projetos para a TV, além de dezenas de prêmios. Em 2024, Furtado está completando 40 anos de carreira no cinema. Seu primeiro trabalho, Temporal, foi lançado em 1984 (codirigido por José Pedro Goulart). Ainda este ano, a Casa de Cinema, administrada por Furtado, Ana Luiza Azevedo, Nora Goulart e Giba Assis Brasil, celebra os 35 anos de Ilha das Flores, o curta-metragem que projetou o trabalho do grupo para o cenário nacional e internacional.
Este ano será ainda mais especial por tudo o que está por vir, em especial no mês de maio. É quando o longa Virgínia e Adelaide deve ficar pronto. Gravado em Porto Alegre, a previsão é de que chegue aos cinemas no segundo semestre. Baseado em fatos reais, o filme conta a história do encontro de duas mulheres, em 1937, um ano após a chegada de Adelaide ao Brasil, fugindo da perseguição nazista aos judeus. Juntas, elas fundaram e popularizaram a psicanálise no País e lutaram contra o racismo. Furtado divide a direção com Yasmin Thayná.
Mas maio também é o mês de uma estreia muito aguardada no cinema brasileiro. Grande Sertão, adaptação da obra de Guimarães Rosa, tem o roteiro de Furtado e de Guel Arraes e a direção de Arraes — que já levou prêmio de melhor diretor pelo filme em um festival na Estônia. A obra se destaca por transpor o universo de violência dos jagunços do sertão nordestino para os dias atuais, no território da periferia urbana, onde atuam as milícias. O filme acompanha a trajetória de Riobaldo (Caio Blat), que entra para o crime por amor a Diadorim (Luisa Arraes).
Ainda em maio, iniciam as gravações de outro longa: Motel Pérola, uma comédia romântica. Já para a televisão, alguns projetos foram aprovados, mas ainda não podem ser divulgados. Uma série está prevista para estreia em 2025.
Assim, o ano será de muito trabalho para Furtado e, segundo ele, de recuperação do setor audiovisual brasileiro. "Nós estamos nos recuperando de um furacão, que foram os últimos quatro anos. Tinha muito dinheiro do Fundo do Audiovisual que estava sendo arrecadado e que não era distribuído, mas agora está sendo liberado. Eu já ouvi falar em 750 longas que virão em 2024 e 2025, filmes que estavam represados. Só espero que essa enxurrada que vem aí encontre o seu público."
Furtado lembra que desde 2003, ano de O homem que copiava, a bilheteria do cinema nacional só caiu, em parte pela mudança de hábito do público: muitas pessoas acabam assistindo a filmes pelo streaming — e há muitas obras interessantes sendo feitas diretamente para as plataformas digitais. Mesmo assim, acredita em uma recuperação nas salas de exibição. Na semana em que recebeu a reportagem do JC, Minha irmã e eu, de Susana Garcia, atingiu a marca de 1 milhão de espectadores nos cinemas.
 

Descobrindo a direção

Jorge Furtado (em imagem no set de Real Beleza, em 2014) cursou Medicina antes de ser capturado pelo cinema

Jorge Furtado (em imagem no set de Real Beleza, em 2014) cursou Medicina antes de ser capturado pelo cinema

FÁBIO REBELO/DIVULGAÇÃO/JC
Não precisou de muito tempo para perceber que não tinha vocação para ser médico. Sim: Medicina foi a primeira escolha de Jorge Furtado ao entrar na faculdade. Estudava na Fundação Católica (hoje UFCSPA), em Porto Alegre, quando se descobriu cinéfilo. "Eu era um espectador totalmente amador. Eu via filmes e nem sabia que tinha diretor. E aí, de repente, eu fui ver filmes que fugiam totalmente da lógica do cinema de Hollywood", conta. Começou a frequentar o Cine Bristol, que ficava na avenida Osvaldo Aranha, dentro do complexo Baltimore. Era um cinema de rua, que exibia ciclos de diretores estrangeiros, como Truffaut, Godard e Resnais. "De repente, eu via cinco em uma semana. Quem nasceu no século XXI não sabe, mas a única maneira de ver filmes era no cinema. Então, eu ia quase todos os dias para não perder", diz.
Furtado faz parte de uma geração que se viu retratada em Deu pra ti, anos 70, filme de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, rodado em Porto Alegre, em 1981. O longa é fruto de um movimento que começou a se formar em Porto Alegre, de jovens que começaram a filmar em Super-8. Ao ver o filme, Furtado pensou: "Eu também posso fazer isso".
Foi assim que deixou a faculdade de Medicina e fez vestibular para Artes Plásticas e Jornalismo, que cursou por três anos. Começou a produzir um programa chamado Quizumba, na TVE, junto com outros alunos da Ufrgs — entre eles Ana Luiza Azevedo, sócia da Casa de Cinema. O programa antecipa algo que se repete na trajetória de Furtado: a mistura entre ficção e documentário. "O programa tinha um tema que era tratado de várias maneiras. Tinha matéria, entrevista, clipe, referências e uma ficção de 10 minutos", lembra.
No entanto, era muito trabalho para 30 minutos de programa que só seriam vistos uma única vez. Assim, o grupo decidiu fazer um filme, abrindo uma pequena produtora, a Luz Produções. Filmado em 35mm, Temporal (1984) foi baseado em um conto de Luis Fernando Verissimo.
O segundo curta assinado por Jorge Furtado e João Pedro Goulart foi O dia em que Dorival encarou a guarda (1986). Na época, Furtado havia retornado à TVE, após dois anos como diretor do Museu de Comunicação Hipólito da Costa. Mas precisou se despedir novamente. "Voltei de Gramado com uma justa causa." Ele lembra que não foi liberado para ir ao Festival, quando soube que estava concorrendo, mas foi assim mesmo. A Júlia era recém-nascida e o Pedro tinha dois anos. "Eu estava com dois filhos pequenos, demitido, sem um tostão, mas com oito kikitos." Depois, Furtado trabalhou com publicidade, mas nunca deixou o cinema.
 

Unidos pela vontade de viver de cinema

Jorge Furtado, apoiado por Nora Goulart, filma um cérebro em Ilha das Flores

Jorge Furtado, apoiado por Nora Goulart, filma um cérebro em Ilha das Flores

ARQUIVO CASA DE CINEMA/DIVULGAÇÃO/JC
Sentindo a necessidade de se profissionalizar, a Luz Produções e outras três produtoras resolveram se unir, em 1987, formando uma cooperativa, uma espécie de condomínio de produtoras. "A gente já tinha feito alguns filmes, mas não tínhamos sede. Guardávamos as cópias embaixo das nossas camas. Nos unimos em busca de uma estrutura mínima", recorda Giba Assis Brasil. Segundo Furtado, no início, fazer cinema em Porto Alegre "era uma loucura". "Considerando que as câmeras não tinham vídeo assistido. Tu filmavas, sem ver exatamente o que estava acontecendo, mandava para São Paulo e ia ver o resultado em uma semana: se a cena está boa, se está em foco, se a atriz está bem", recorda.
Esses foram os primórdios da Casa de Cinema, que fez história no setor audiovisual. "A experiência anterior aos anos 1980, de fazer cinema, era bem precária. Nada do que envolve a cadeia dos serviços necessários para a realização de um filme existia no Rio Grande do Sul. O que havia era muito incipiente, embora se fizesse cinema, sim", comenta Fatimarlei Lunardelli, jornalista, crítica de cinema e professora da Unisinos. "A Casa representa o início de um projeto mais ambicioso, almejando o modelo do filme comercial." Barbosa (1988) foi o primeiro curta realizado na sede da Casa de Cinema. E Ilha das Flores (1989) levou o nome da cooperativa para lugares que nem se imaginava.
 

Os porcos continuam no poder

Jorge Furtado durante a realização do emblemático curta Ilha das Flores

Jorge Furtado durante a realização do emblemático curta Ilha das Flores

CARLOS GERBASE/DIVULGAÇÃO/JC
Tudo começou com o Projeto F*da-se (leia-se: "vamos fazer um filme de qualquer jeito"). Foi assim que os jovens realizadores chamaram a proposta de fazer um curta para concorrer em Gramado, sem orçamento. Eles fizeram um concurso interno, em que cada um escreveu um roteiro. Venceu a história de um tomate que é descartado no lixo, chegando a uma ilha onde seres humanos se alimentam do que foi considerado impróprio para a alimentação dos porcos: Ilha das Flores.
O Brasil vivia a hiperinflação e o cinema brasileiro, uma produção muito baixa. O filme explicou de forma inovadora o ciclo econômico da sociedade capitalista e a consequente desigualdade social: com um narrador explicando tudo de forma didática, a partir de um encadeamento de ideias, estilo presente em outros filmes de Furtado. "Ele antecipou um pouco o hipertexto… Aquilo de tu clicar em uma palavra, que leva a uma coisa. Essa coisa leva a outra, que leva a outra…", avalia o roteirista e diretor.
O filme levou nove prêmios no Festival de Gramado e também foi vencedor no Festival de Berlim. "Foi um filme que projetou não só o trabalho do Jorge, mas o cinema do Rio Grande do Sul mundialmente", avalia Fatimarlei Lunardelli, lembrando que ele foi eleito, no Festival de Clermont-Ferrand, um dos 100 filmes de curta-metragem mais importantes da história do cinema. "Em todo lugar que eu vou, como Espanha, Venezuela, tem sempre alguém que diz que viu o filme na escola ou que o usou em sala de aula. Ele tem mais de 100 cópias nos sites de streaming. A gente nunca censurou e provavelmente teria perdido oportunidades de trabalho se assim fizesse," afirma Giba Assis Brasil, montador do curta. "Se tu entrares no Letterbox, que é um site de comentários sobre filmes, vais ver que tem alguém que viu o filme hoje. Ele é visto todos os dias", diz Furtado.
Talvez o sucesso se deva, além do estilo e da estética, à atualidade do tema. "Enquanto o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, tem 30 milhões de pessoas passando fome. Esses alimentos são exportados. A soja, por exemplo, vai para a China, que usa para alimentar os porcos. Os porcos continuam no poder", analisa Furtado.
 

Casa de Cinema apresenta

Sócios da Casa de Cinema de Porto Alegre, em foto de 2018: Giba Assis Brasil (esq), Nora Goulart,  Jorge Furtado e  Ana Luiza Azevedo

Sócios da Casa de Cinema de Porto Alegre, em foto de 2018: Giba Assis Brasil (esq), Nora Goulart, Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo

MARCO QUINTANA/ARQUIVO/JC
Enquanto Ilha das Flores recebia o prêmio em Berlim, o Plano Collor era instituído no Brasil. Quando os realizadores voltaram, a Embrafilme havia deixado de existir e não havia fontes de financiamento para o cinema. Com isso, algumas pessoas que trabalhavam naquele condomínio de produtoras buscaram novos rumos. Em 1991, a Casa foi transformada em uma única produtora.
"Se não fosse o Ilha, talvez a gente tivesse desistido", diz Furtado. O curta abriu portas fora do Brasil: a produtora fez filmes para TVs de outros países, como Inglaterra e Alemanha. Foi também a partir dele que Furtado recebeu o convite da Rede Globo para ser roteirista — contrato que mantém até hoje.
Dentro da Casa, Furtado escreveu e dirigiu filmes de sucesso como O homem que copiava, Meu tio matou um cara, Saneamento Básico: o filme… Projetos coletivos, como ele gosta de frisar. "A gente estabeleceu um jeito de produzir, que eu acho que é meio particular do Rio Grande do Sul. Mesmo que tenham um diretor ou autor, é um cinema de turma".
A Casa se mantém sem fazer publicidade — uma prerrogativa do grupo na sua fundação. Segundo Furtado, não é uma questão de preconceito: "se tem publicidade, ela acaba tomando conta da produtora, pois envolve dinheiro, demanda, prazos… então, achamos que, se a gente fosse fazer publicidade, íamos acabar não fazendo cinema".
Hoje a produtora conta com quatro sócios: Furtado, sua esposa, Nora Goulart, Ana Luiza Azevedo e Giba Assis Brasil. Produz filmes, programas de televisão e séries para empresas como Rede Globo, HBO e Netflix.
Nora Goulart avalia que a trajetória da produtora é marcada pela persistência, diante das dificuldades enfrentadas pelo cinema brasileiro ao longo das últimas décadas. "A gente sempre teve um olhar para o que estava acontecendo no Brasil, para o que a gente queria falar para o nosso País. A gente sempre lutou muito por políticas públicas e isso se refletia nos nossos filmes", afirma.
 

Por mais representatividade

Em obras como Meu Tio Matou Um Cara (foto) e o recente Virgínia e Adelaide, Furtado atua para consolidar a presença de pessoas negras como protagonistas

Em obras como Meu Tio Matou Um Cara (foto) e o recente Virgínia e Adelaide, Furtado atua para consolidar a presença de pessoas negras como protagonistas

ANA LUZ/DIVULGAÇÃO/JC
Quem não lembra do André, operador de fotocopiadora que se apaixonou por Silvia, sua vizinha, e decidiu fazer cópias de notas de dinheiro para mudar de vida? Sabiam que o papel que projetou o ator Lázaro Ramos não foi criado especialmente para ele? Não havia sequer indício no roteiro de Jorge Furtado sobre o personagem ser negro. Lázaro foi escolhido simplesmente porque foi o melhor ator a fazer teste para aquele papel de O Homem que Copiava.
O filme ganhou prêmios em Portugal, Cuba, Estados Unidos e Índia, entre outros países, e levou quase 700 mil espectadores brasileiros às salas de cinema. Foi o segundo longa de Furtado para o circuito comercial — Houve uma vez dois verões foi gravado quase ao mesmo tempo. Foi também a primeira aparição de Lázaro na grande tela e o início de uma longa parceria entre os dois.
Furtado avalia que o debate sobre a presença negra no cinema é "absolutamente fundamental". O filme que acaba de gravar, Virgínia e Adelaide, conta com uma protagonista negra, a Virgínia, interpretada por Gabriela Corrêa. É o 15º projeto de Furtado com protagonistas negros, desde O dia em que Dorival encarou a guarda (1986).
Em alguns casos, o papel não era obrigatoriamente para um ator negro, mas em outros, sim, quando a questão racial era importante no enredo. Em Meu tio matou um cara, por exemplo, Duca, que vem de uma família negra de classe média, fala que é o único garoto negro da escola. "Eu acho que as duas coisas são importantes. Tu tens que fazer filmes que falam sobre o racismo e filmes em que o personagem é simplesmente negro e que o assunto não é esse", avalia.
Furtado diz que só conseguiu produzir Mister Brau, série da Globo, quando surgiram atores e atrizes negros de muito sucesso, como é o caso de Lázaro Ramos e Taís Araújo, que interpretam um cantor bem sucedido e sua esposa e empresária. Já é possível notar um crescimento no número de filmes e séries com protagonistas negros. "O Brasil é um país muito racista, com uma maioria negra, que não está representada de maneira nenhuma. Nem nas assembleias, nem na Câmara, nem nas telas, nem nas diretorias. Então, enquanto isso não mudar, nós nunca vamos mudar nossa desigualdade. A gente precisa de uma segunda abolição e o audiovisual é fundamental para isso", diz Furtado.
O cineasta participa há seis anos do laboratório de narrativas negras e indígenas da Festa Literária das Periferias (Flup) e tem acompanhado o surgimento de muitos filmes interessantes de diretores, roteiristas e protagonistas negros e indígenas. Resta, segundo ele, que a legislação preveja reserva de vagas nas equipes para mulheres, negros, indígenas, trans e pessoas com deficiência. "Todos os filmes e produções culturais, que têm incentivo de dinheiro público, deveriam ter cota. Acho que a gente tem que forçar a participação dessas parcelas da população. Alguns concursos e editais têm, mas não é a regra."
 

Grande Sertão

Em Alce & Alice, série da Box Brasil, Jorge Furtado viveu experiência como ator

Em Alce & Alice, série da Box Brasil, Jorge Furtado viveu experiência como ator

BOX BRAZIL/DIVULGAÇÃO/JC
Para muitos, é o maior romance da literatura brasileira. Para Furtado, é o maior já escrito em língua portuguesa. Não há dúvidas quanto à grandiosidade de Grande Sertão: Veredas e o tamanho da empreitada em transformá-lo em filme. Para escrever o roteiro, o cineasta deixou a série Sob Pressão, da Globo, para trabalhar por um ano inteiro só nele. A dedicação se justifica pelas duas premissas que guiaram Furtado e Guel Arraes: ambos queriam trazer a história, que se passa no sertão, para a atualidade e o cenário da periferia brasileira; também queriam manter ao máximo o texto original.
Parece até impossível. É que a linguagem regional de Guimarães Rosa pode ser desafiadora. Mas Furtado garante que seguiu à risca a missão: "Eu já fiz 40 adaptações que foram filmadas e nenhuma delas é tão fiel ao texto quanto essa".
Para exemplificar, o cineasta mostra um vídeo no celular, uma montagem. Primeiro, aparece a imagem do rapper paulista Mano Brown falando sobre a realidade de violência nas favelas: "Ser preto é muito perigoso. Você podia morrer sem saber o porquê". Em seguida, surgem trechos de Grande Sertão: "Sertão é onde não tem limite de nada; é onde manda quem é forte". Após o vídeo, Furtado conclui: "o texto de Guimarães Rosa fala sobre o Brasil".
"Acho que (nas salas de cinema) vai ser uma surpresa, porque as pessoas vão entender a potência daquela linguagem. Vendo os personagens falarem, fica mais fácil de entender. A qualidade do texto do Guimarães é absurda", diz.
Assim, Furtado mantém a proposta de fazer crítica social, em sintonia com o momento. "O trabalho do Jorge tem uma autoralidade; está sempre sintonizado com o tempo histórico", observa Fatimarlei Lunardelli. Chegou a vez de discutir violência urbana, com Grande Sertão, e racismo, com Virgínia e Adelaide.
 

Filmografia (quase) completa de Jorge Furtado

Cinema
Curtas-metragens
1984 - Temporal (diretor e roteirista)
1986 - O Dia em que Dorival encarou a guarda (diretor e roteirista)
1988 - Barbosa (diretor e roteirista)
1989 - Ilha das Flores (diretor e roteirista)
1990 - Memória (roteirista)
1991 - Esta não é a sua vida (diretor e roteirista)
1994 - Veja bem (diretor e roteirista)
1994 - A matadeira (diretor e roteirista)
1997 - Ângelo anda sumido (diretor e roteirista)
1999 - Três minutos (roteirista)
2000 - Sanduíche (diretor e roteirista)
2004 - Oscar Boz (diretor e roteirista)
2007 - Rummikub (diretor e roteirista)
2010 - Velázquez e a teoria quântica da gravidade (diretor e roteirista)
Longas-metragens
1995 - Felicidade é… Estrada (diretor e roteirista)
2000 - Tolerância (roteirista)
2001 - Caramuru, a invenção do Brasil (roteirista)
2002 - Houve uma vez dois verões (diretor e roteirista)
2003 - Benjamim (roteirista)
2003 - O homem que copiava (diretor e roteirista)
2003 - Lisbela e o prisioneiro (roteirista)
2003 - Os Normais: o filme (roteirista)
2004 - Meu tio matou um cara (diretor e roteirista)
2005 - O coronel e o lobisomem (roteirista)
2007 - Saneamento básico: o filme (diretor e roteirista)
2008 - Romance (roteirista)
2010 - Antes que o mundo acabe (roteirista)
2010 - Até a vista (diretor e roteirista)
2014 - O mercado de notícias (diretor e roteirista)
2015 - Real beleza (diretor e roteirista)
2017 - Quem é primavera das neves (diretor e roteirista)
2018 - Rasga coração (diretor e roteirista)
2019 - Aos olhos de Ernesto (roteirista)
2022 - Vai dar nada (diretor e roteirista)
2022 - O debate (roteirista)
2024 - Virgínia e Adelaide (diretor e roteirista)
2024 - Grande Sertão (roteirista)
Televisão

1990 - Delegacia de mulheres (roteirista)
1991 - Dona Silvia não gostava de música (diretor e roteirista)
1993 - Agosto (roteirista)
1994 - Memorial de Maria Moura (roteirista)
1995 - A comédia da vida privada (diretor e roteirista)
1996 - Os sete sacramentos de Canudos (diretor e roteirista)
1999 - Luna caliente (roteirista)
2000 - A invenção do Brasil (roteirista)
2001 - Brava gente (diretor e roteirista)
2001 - Os normais (roteirista)
2002 -2017- Cidade dos homens (roteirista)
2003 - Cena aberta (roteirista)
2004 - Fraternidade (roteirista)
2006-2007 - Antônia (roteirista)
2006 - Central da periferia (roteirista)
2008 - Ó Paí, Ó (roteirista)
2009 - Decamerão: a comédia do sexo (diretor e roteirista)
2010 - Clandestinos: o sonho começou (roteirista)
2011 - A mulher invisível (roteirista)
2011 - Homens de bem (diretor e roteirista)
2011 - Fronteiras (roteiro)
2012 e 2014 - Doce de mãe (diretor e roteirista)
2015 - Mister Brau (roteirista)
2016 - Nada será como antes (roteirista)
2017-2022 - Sob pressão (roteirista)
2020 - Todas as mulheres do mundo (roteirista)
2020 - Amor e sorte (roteirista)
2022 - Gilda, Lúcia e o bode (roteirista)

* Livia Guilhermano é jornalista, repórter e apresentadora do programa Estação Cultura (TVE/RS), mestre em Comunicação e Informação (Ufrgs).

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