Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

reportagem cultural

- Publicada em 31 de Agosto de 2023 às 19:11

Da Graforréia aos Cascavelletes, Frank Jorge segue em busca de novos ares

De mudança para a Argentina, eterno líder da Graforréia Xilarmônica prepara uma série de lançamentos, entre novidades e discos "perdidos"

De mudança para a Argentina, eterno líder da Graforréia Xilarmônica prepara uma série de lançamentos, entre novidades e discos "perdidos"


/DANI ESPÍNDOLA/DIVULGAÇÃO/JC
Frank Jorge está de malas prontas. E comprou passagem só de ida.
Frank Jorge está de malas prontas. E comprou passagem só de ida.
Ok, é força de expressão - a viagem ainda não tem data marcada -, mas é isso mesmo o que você leu: um dos principais compositores do rock gaúcho resolveu respirar novos ares. Buenos Aires, para ser mais específico.
Pode parecer uma decisão estranha, até mesmo arriscada, para um artista com a carreira já consolidada. Será que bateu um cansaço da capital gaúcha?
"Não se trata de mero deslumbre e nem de insatisfação com Porto Alegre. Tanto eu como a Dani (Espíndola, esposa de Frank) já viajamos muito, mas nunca moramos em outro lugar. Mais do que curtir a Argentina, queremos conhecer melhor a cultura de lá. É uma convicção pessoal de vida, de viver outras realidades, outros cheiros, outros aromas", explica o eterno líder da Graforréia Xilarmônica.
Na verdade, tudo foi bem planejado. Amigo próximo do músico e produtor de seus primeiros discos solo, Iuri Freiberger diz que os dois mantiveram um diálogo recorrente sobre o assunto. "Como sou meio nômade e já morei em várias capitais, incentivei bastante essa mudança. Acho que pode ser muito bom para ele", afirma.
Segundo Frank, o desejo de se aventurar fora do País foi impulsionado por uma série de fatores. Primeiro, o amor herdado dos pais por canções em espanhol; depois, o fato de ter se casado com a filha de um equatoriano; e, por fim, a influência de um programa da extinta Ipanema FM (Circo Beat, apresentado por Fabio Godoh). "A programação trazia muitas músicas que a gente, mesmo morando 'do lado', não conhecia. E ele tinha um discurso de que nós, gaúchos, deveríamos olhar com mais atenção para o Prata. Foi uma coisa que mexeu comigo."
Na mesma época, entre 2010 e 2012, o músico começou a ir com frequência para Rivera, na fronteira com Santana do Livramento, onde comprava discos de artistas como Andrés Calamaro, La Franela e Soda Stereo. Em 2017, ao concluir o mestrado em Ciências da Comunicação, resolveu se dar de presente uma viagem para Montevidéu. Um ano depois, foi a Buenos Aires pela primeira vez.
"No Uruguai, já tinha sido uma loucura, mas quando conhecemos a Argentina, a ficha caiu de vez. A cidade, a cultura… É tudo muito vivo, tanto na dimensão folclórica quanto na de cultura pop. Acabamos voltando seis ou sete vezes desde então", diz, entusiasmado.
Entre idas e vindas, Frank fez algumas apresentações na capital portenha e, junto com Dani (que é professora de inglês, mas acabou se descobrindo poeta durante a pandemia), participou de um sarau, com ótima repercussão. "As coisas foram acontecendo e a gente meio que se 'aquerenciou' por lá. Estou com 56 anos, quase 57, os filhos já adultos. Então pensamos que estava na hora de investir um pouco em nós também", reflete o compositor, pai de Rafael, 31, Érico, 22, e Glória, 19 - os dois mais novos do relacionamento com Dani. Glória e a mãe estão desde junho no tradicional bairro de Palermo, se adaptando à nova rotina e encaminhando o processo de documentação para permanecer no país. Enquanto isso, Érico e Frank seguem em Porto Alegre.
Além de esvaziar o apartamento nos arredores da Redenção, o músico está resolvendo uma série de pendências antes da despedida. No início de julho, deu baixa na carteira de trabalho, após 16 anos atuando como coordenador do curso de Produção Fonográfica da Unisinos. "Quando fiz um rascunho do que no início se chamava Curso de Formação de Produtores e Músicos de Rock, escrevi uma página e meia de Word com base nas minhas próprias experiências no mercado musical. Não é exagero dizer que foi um pioneirismo. Muita gente boa passou por lá, o que me enche de orgulho."
O fim da estabilidade - algo raro na vida de um artista independente - não assusta Frank Jorge. Até porque sua agenda está sempre lotada. Nos últimos meses, ele fez diversos shows, participou de gravações e apresentações de outros artistas e trabalhou em projetos pessoais, parando apenas para visitar a família.
"Eu realmente não estou preocupado por não ter um emprego me esperando na Argentina. Uma das coisas que quero agora é registrar novas composições. Tenho um volume de material para lançar que beira o exagero", ri. Pelo visto, os novos ares já estão fazendo bem a Frank Jorge. 

Verdadeiro patrimônio do rock gaúcho

Frank Jorge (esq) faria história com a Graforréia Xilarmônica, ao lado de Marcelo Birck, Alexandre Birck e Carlo Pianta

Frank Jorge (esq) faria história com a Graforréia Xilarmônica, ao lado de Marcelo Birck, Alexandre Birck e Carlo Pianta


/FERNANDO DIAS/DIVULGAÇÃO/JC
"Amigo punk, escute este meu desabafo
Que a esta altura da manhã já não importa o nosso bafo
Pega a chinoca, monta no cavalo e desbrava essa coxilha
Atravessa a Osvaldo Aranha e entra no Parque Farroupilha".
Hit maior da Graforréia Xilarmônica, Amigo Punk traz referências a um cenário que já era íntimo de Frank Jorge bem antes de a composição se tornar uma espécie de hino. O músico se criou na Tomaz Flores, uma ruazinha que desemboca na Redenção - para os desavisados, o Parque Farroupilha da letra.
Nascido em 20 de setembro de 1966, Jorge Otávio Pinto Pouey de Oliveira é o caçula de seis filhos. O pai, Mário, natural de Uruguaiana, conheceu sua mãe, Marlene, quando se mudou para Porto Alegre para estudar Medicina. O jovem casal viajava muito para participar de congressos na Argentina e no Uruguai, trazendo na bagagem uma variedade de discos, de tango a Beatles.
"Vivi em um ambiente de rádio, desenho animado, quadrinhos… Um pacotão de cultura pop desde cedo", recorda Frank. Nesse cenário, a música sempre esteve presente, nas horas boas e nas ruins. "Meu pai faleceu em 1968, aos 45 anos, de câncer. E minha avó materna, que ajudava muito a minha mãe, morreu logo depois. Então a música meio que era uma forma de extirpar o luto".
Frank teve seu primeiro contato com instrumentos musicais ao arranhar um violão e um berimbau "avariados" que haviam pertencido a algum parente. Já morando no bairro Mont' Serrat, viu um amigo de suas irmãs tocando violão e resolveu fazer aulas. Com uma herança deixada pelos avós paternos, comprou um piano. "Estava com 14, 15 anos, e completamente enlouquecido pela música".
Embora já tivesse um certo conhecimento musical, o jovem Jorge Otávio ainda não havia vivenciado a experiência de ter uma banda. Isso viria a acontecer em 1983. Com apenas duas composições gravadas, o Prisão de Ventre é mais lembrado por revelar nomes como Luis Henrique 'Tchê' Gomes, futuro guitarrista do TNT, e os irmãos Alexandre e Marcelo Birck, vizinhos de Frank na Tomaz Flores. Juntos, os três fariam história com a Graforréia. 

Capa do EP 'Os Cascavelletes', de 1988

Capa do EP 'Os Cascavelletes', de 1988


ABREU DISCOS/REPRODUÇÃO/JC
Antes disso, participaria de uma das bandas mais cultuadas do rock oitentista: os Cascavelletes. De 1986 a 1989, assumiu o baixo em uma formação que incluía o baterista Alexandre Barea e os ex-TNT Nei Van Sória e Flávio Basso. Foi nessa época que surgiu o nome artístico.

"Não sei se pelas minhas expressões faciais ou pelo meu jeito tímido, esquisito, um amigo de futebol no Colégio Piratini começou a me chamar de Frank", diz. "Posteriormente, no Prisão de Ventre, ficou definido que cada um deveria ter um nome artístico, e o meu era Frank Malone. Quando surgiu o convite pra tocar nos Cascavelletes veio a ideia de Frank Jorge, que remete a cantores com nome composto: Fred Jorge, Roberto Carlos, Reginaldo Rossi…", compara.

A passagem pelos Cascavelletes foi curta, mas produtiva. O músico participou de quase todas as gravações da banda, da histórica Vórtex Demo, em 1987, até o único álbum completo, Rock'a'ula, de 1989. "Foram três anos intensos, que me geraram muito conhecimento do mercado. Mas, mesmo tendo uma boa relação com todos, me sentia deslocado. Era uma banda cheia de regras: 'isso pode, isso não pode'. Experimentações que o Flávio faria em sua carreira solo (como Júpiter Maçã), naquela época, eram proibidas", afirma.

A formação original voltou a se reunir uma única vez, em 2007. Mais adiante, Frank integraria a Tenente Cascavel, com outros ex-membros do grupo e do TNT. Volta e meia eles se juntam para celebrar sucessos desse período tão fértil para o rock no Estado.

'Na Graforréia não havia limites'

Graforréia Xilarmônica, da esquerda para direita: Carlo Pianta, Frank Jorge, Marcelo Birck e Alexandre Birck

Graforréia Xilarmônica, da esquerda para direita: Carlo Pianta, Frank Jorge, Marcelo Birck e Alexandre Birck


/FERNANDO DIAS/DIVULGAÇÃO/JC
Experimental até no nome, escolhido a partir de uma brincadeira com palavras aleatórias de um dicionário, a Graforréia Xilarmônica se tornou a primeira oportunidade para Frank Jorge desenvolver um trabalho mais autoral. Se nos Cascavelletes havia emplacado três composições - todas em coautoria -, na nova banda ele assumiria esse papel com mais naturalidade, além de cantar e tocar baixo. Grande parte das músicas foi feita em parceria com o guitarrista Marcelo Birck, evidenciando o entrosamento dos amigos de infância.
"Conheço o Jorge antes de a gente sequer pensar em tocar um instrumento. Foi quando começamos a nos reunir para curtir um som e comprar discos que surgiu a ideia de ter banda. Firmamos várias parcerias importantes, composições que permanecem até hoje", diz Marcelo.
Alexandre 'Alemão' Birck, que também acompanha Frank em sua carreira solo, hoje no formato de banda e sopros, considera o amigo um compositor acima da média. "Sem dúvida, é um cara muito relevante, com um trabalho bem sedimentado. E uma das músicas que ele fez com meu irmão marcou tanto que ainda toca nas rádios após todos esses anos", observa o baterista.
Presença garantida nos shows da Graforréia (e de Frank), Amigo Punk traz uma letra nonsense mesclando elementos da Porto Alegre urbana dos anos 1980 com a linguagem tradicionalista, inclusive na melodia. É o cartão de visitas da banda, que nunca impôs restrições à "mistureba" de estilos.
"Todos tinham uma formação musical diversificada para caramba. O cara podia ser fã de progressivo e de pós-punk ao mesmo tempo, e também de Roberto Carlos. Não tinha limites, dava pra fazer samba, rock, brega e colocar umas linhas dissonantes", observa Frank.
Contando ainda com o ex-DeFalla Carlo Pianta na outra guitarra, o quarteto fez seus primeiros shows em 1987, refletindo a irreverência sonora no visual colorido que adotava nos palcos. No ano seguinte, lançou a demo Com Amor, Muito Carinho, que trazia versões embrionárias de futuros hinos, como Dênis, Colégio Interno e, claro, Amigo Punk.
Entre participações em coletâneas e shows, a Graforréia chegou à década de 1990 ainda sem um registro oficial. Isso viria a mudar graças ao falecido produtor Carlos Eduardo Miranda. À época trabalhando na Banguela Records - uma subdivisão da Warner formada por integrantes dos Titãs para lançar bandas independentes -, ele levou os conterrâneos para o selo. Coisa de Louco II foi lançado já em 1995, recebendo boas críticas e tendo certa projeção na MTV, com o clipe de Você Foi Embora. Mas, naqueles tempos, morar no Centro do País era quase uma obrigação para fazer sucesso.
"A gente circulava bastante, ia direto para São Paulo, dava entrevistas. Só que não fizemos uma coisa que várias bandas fizeram, de se mudar para lá. Nesse aspecto, acho que nos faltou maturidade para entender que o trabalho musical precisava de mais investimento de tempo e dedicação", admite Frank.
Em 1998, a Graforréia lançou seu segundo e último disco, Chapinhas de Ouro, que inclui clássicos como Eu e a já citada Colégio Interno. Encerrou as atividades dois anos depois, reunindo-se eventualmente para shows comemorativos. Seu repertório impactou gerações e até mesmo artistas contemporâneos. O mais notório exemplo é o Pato Fu, que regravou Nunca Diga, de Coisa de Louco II, e transformou Eu em um dos grandes hits de 2001.
"Isso é muito legal e mostra a generosidade dos artistas de valorizar um compositor de outro cenário e que não é necessariamente um hitmaker, como o Lulu Santos. Tem semanas que todos os dias me mandam um vídeo de alguém tocando Amigo Punk", orgulha-se Frank, que também já teve faixas de sua carreira solo gravadas por nomes como Ira!, Wander Wildner e Toni Platão.
 

Um homem, muitas bandas

Projeto com Plato Divorak (direita) sairá em disco de vinil

Projeto com Plato Divorak (direita) sairá em disco de vinil


/ANNA CHRISTELLO/REPRODUÇÃO/JC
Embora seu trabalho mais celebrado seja à frente da Graforréia Xilarmônica, Frank Jorge participou de muitas bandas. Na década de 1990, se aventurou por diversos projetos, desde o "cover de luxo" Black Master, ao lado de músicos como Tonho Crocco, da Ultramen, até parcerias com Julio Reny - primeiro, na Julio Reny Guitar Band, e depois no supergrupo Cowboys Espirituais, que contava ainda com o ex-TNT Marcio Petracco.
"O Frank é um compositor excepcional, um amigo que vou carregar sempre no coração. Tivemos algumas parcerias antológicas no primeiro disco dos Cowboys. Depois, seguimos estradas diferentes, mas cada encontro é marcado por beijos, abraços e boas recordações", elogia Reny.
A quantidade de material é tanta que algumas coisas ficaram pelo caminho. É o caso do único registro do projeto Frank Jorge e os Obsoletos, Dias Melhores, Augustos Amigos - o primeiro single, Passos no Cimento, saiu em julho. O disco foi gravado em 1989 com o baixista Alemão Jef, que o encontrou entre suas fitas K7 antigas, e o baterista Bayard Duarte, ex-Prisão de Ventre.
Até o fim do ano, mais um disco "perdido" finalmente verá a luz do dia, e no formato vinil. Trata-se de uma parceria com Plato Divorak, ícone da psicodelia gaúcha com o qual Frank Jorge chegou a tocar na Père Lachaise e registrar uma jam em CD-R (Amnésia Global, de 2003). Originalmente gravado em 1998, Futuristas Antiquados ou Todavia Crocantismo trará Frank & Plato e A Empresa Pimenta - que ainda conta com Régis Sam no baixo e Jazzner Messa na bateria - em um repertório que ganhou status de cult.
Convidado pelo Jornal do Comércio para um depoimento, Plato respondeu de um jeito que lhe é peculiar: recitando uma carta para o amigo. Segue um trecho:
"Nos shows do Instituto Goethe, ou nas rodas de som nos Altos da Borges, como Frank & Plato, senti toda a maestria e a musicalidade dele com o nosso estilão 'acústico-rústico', percorrendo Beatles e Rolling Stones, pop, ballads, new wave, mod, flamenco, influências literárias e trocadilhos que estariam no nosso CD Amnésia Global. (...) E 'vocalizes' altamente inspirados, preparando o trabalho para as matizes elétricas da atual investida do sonho, Futuristas Antiquados ou Todavia Crocantismo."
 

Outras crocâncias

Livro Crocâncias inéditas foi lançado no ano de 2001

Livro Crocâncias inéditas foi lançado no ano de 2001


SAGRA LUZZATO/DIVULGAÇÃO/JC
Fora dos palcos, Frank Jorge trilhou vários caminhos. Seu gosto pela literatura, que o levou a cursar Letras na Pucrs, acabaria gerando um convite de Katia Suman para ler crônicas na Ipanema FM. A ideia deu tão certo que inspirou a radialista a criar o Sarau Elétrico, hoje um clássico do Ocidente. Além da dupla, a primeira formação contava ainda com o escritor Luís Augusto Fischer.
"Entendi que deveria haver um equilíbrio, por isso pensei no professor Fischer para trazer um tipo de conhecimento intelectual, mais 'cabeção'. E, do outro lado, o Frank, que além de músico talentosíssimo, tem um humor bastante peculiar. Durante sete anos, ele trouxe um lado mais pop para o Sarau, sempre com estilo e crocância, para usar um termo que ele gosta", ressalta Katia.
A experiência inspirou Frank a escrever quatro livros em sequência: Realidades e Chantillys Diversos (2000), Crocâncias Inéditas (2001), Vida de Verdade (2002) e Sem Aparente Significado Especial (2004). Hoje, ele vê essa produção com um olhar mais crítico. "Alguns textos ainda funcionam, mas a maioria ficou datado. Não digo que não vou escrever outro livro, mas hoje tenho mais urgências relacionadas à música."
A passagem pelo Sarau Elétrico levou a uma nova proposta, desta vez para trabalhar no programa Radar, da TVE, e na FM Cultura, em 2001. Após três anos, assumiu a direção da Usina do Gasômetro. Já em 2005, foi convidado pelo amigo e poeta Fabrício Carpinejar para atuar na Secretaria de Cultura de São Leopoldo. A partir daí, se construiu a relação com a Unisinos, que resultou na criação do curso de Produção Fonográfica.
"Sou muito grato pelas oportunidades que tive. Com o tempo, tu vais te tornando de certa forma um mecenas do teu próprio trabalho artístico. Isso me possibilitou atuar sempre em algum local que tenha relação com cultura, com a arte", acredita Frank.
 

Romântico de carteirinha

Ao lado de Fernanda Takai, em 2001, no lançamento do primeiro disco solo

Ao lado de Fernanda Takai, em 2001, no lançamento do primeiro disco solo


/ACERVO PESSOAL IURI FREIBERGER/REPRODUÇÃO/JC
As dissonâncias abrem espaço para o romantismo; as roupas coloridas são substituídas por um visual "na estica", quase sempre de terno e gravata. Já presente nos tempos de Graforréia Xilarmônica, a influência de Roberto e Erasmo Carlos se acentua na carreira solo de Frank Jorge. Em Carteira Nacional de Apaixonado (2000), ele até brinca com isso na música Serei Mais Feliz (Vou Largar a Jovem Guarda). O disco ainda conta com pérolas como Cabelos Cor de Jambo - da tirada "um pouco de talento não faz mal a ninguém" -, Homem de Neanderthal (regravada pelo Ira!) e uma nova versão de Nunca Diga, sucesso da Graforréia que já tinha cara de Frank solo.
Mesmo ancorado no formato clássico de canção, Carteira Nacional de Apaixonado traz experimentalismos e uma certa latinidade. Parceiro de Black Master e baterista da cultuada banda Tom Bloch, Iuri Freiberger acredita que esse é um dos principais méritos do disco, que marcou sua estreia na produção. Iuri também fez as vezes de tecladista nos shows de lançamento - um deles, no Ocidente, contou com a fã e amiga Fernanda Takai, do Pato Fu.
Em Vida de Verdade (2003) e Volume 3 (2009), Frank solidifica seu estilo, com letras irônicas e melodias grudentas. Já Escorrega Mil Vai Três Sobra Sete (2016) tem uma pegada mais punk, enquanto Histórias Excêntricas ou Algum Tipo de Urgência (2018) retoma as raízes, em um processo de composição iniciado após o músico abrir um show de Paul McCartney.
Em 2021, sai Nunca Fomos Tão Lindos. Gravado em parceria com o renomado produtor Alexandre Kassin, o álbum traz as composições de Frank Jorge sob batidas disco, tecnobrega e synthpop. Um ponto fora da curva, sem dúvida.
“Teve gente que me perguntou: ‘bah, mas tu não tens as demos sem barulhinhos de videogame?”, ri. “Acho que o Kassin fez um trabalho excelente, quis ir muito além do rock beatle, Jovem Guarda, que é muito meu ponto de partida. Eu brinco que, quando começo a compor uma música, ela sempre parece uma música do Roberto Carlos. Para o artista, é bom manter um certo grau de desafio, fazer algo interessante e não se repetir”, pondera.
 
Além de toda essa discografia, quem explorar as plataformas de streaming vai encontrar uma grande quantidade de singles e uma playlist intitulada “Frank em busca da América Latina Jorge”. São seis faixas em espanhol, que já davam indícios da mudança para Buenos Aires. Será que o próximo passo é compor um álbum inteiro nesse idioma?
 
“É uma ideia, mas não está nos planos ainda. Por enquanto, o que tenho é a projeção de uns três discos diferentes, com cerca de 30 músicas por gravar”, explica. Como a mudança de ares realmente parece ter inspirado o cara, só nos resta aceitar a despedida. ¡Buen viaje y hasta luego, amigo Frank!
 

Discografia de Frank Jorge

Capa de 'Carteira Nacional de Apaixonado', em sua nova versão em vinil

Capa de 'Carteira Nacional de Apaixonado', em sua nova versão em vinil


MONSTRO DISCOS/REPRODUÇÃO/JC
Cascavelletes

Os Cascavelletes (1998, EP)
Rock’a’ula (1989)

Graforréia Xilarmônica

Coisa de Louco II (1995)
Chapinhas de Ouro (1998)
Ao Vivo (2006)

Cowboys Espirituais

Cowboys Espirituais (1998)

Frank Jorge

Carteira Nacional de Apaixonado (2000)
Vida de Verdade (2003)
Volume 3 (2008)
Escorrega Mil Vai Três Sobra Sete (2016)
Histórias Excêntricas ou Algum Tipo de Urgência (2018)
Nunca Fomos Tão Lindos (2021, com Kassin)

Tenente Cascavel

Eletrizante Radar (2019, EP)

Frank & Plato

Amnésia Global (2003)

Frank & Plato e A Empresa Pimenta

Futuristas Antiquados ou Todavia Crocantismo (gravado em 1998, com lançamento previsto para 2023)

Frank Jorge e os Obsoletos

Dias Melhores, Augustos Amigos (gravado em 1989, com lançamento previsto para 2023)

Uma carta de Plato para Frank

Quem conhece o trabalho de Plato Divorak sabe: o ídolo psicodélico imprime uma assinatura bastante particular em tudo o que faz. E isso não é apenas no aspecto musical, mas também na parte gráfica, com cartazes, zines e colagens.

Por isso, não surpreende que, ao ser convidado pela reportagem do Jornal do Comércio para dar um depoimento sobre Frank Jorge, ele tenha optado por recitar um texto de sua autoria, escrito exclusivamente para homenagear o amigo. Pelas limitações de espaço, não foi possível publicar a íntegra da carta na edição impressa, mas optamos por colocá-la no site, com pequenas edições.

Plato também já foi personagem de uma reportagem cultural do caderno Viver, escrita pelo jornalista Cristiano Bastos e publicada no ano passado. Você pode ler a matéria aqui.


“Frank Jorge possuía uma real garage band nos anos 80, chamada Os Obsoletos, com uma mescla de bom humor e rock. O suor da juventude e o ritmo louco marcaram sua presença e excelentes shows. A K7 deles, lançada pela Vórtex, era disputada a tapa. Jefferson, o baixista, tocava como Bruce Foxton, do The Jam.

Sentado ao lado dele, nos shows do Instituto Goethe, ou nas rodas de som nos Altos da Borges, como Frank & Plato, senti toda a maestria e a musicalidade dele com o nosso estilão ‘acústico-rústico’, percorrendo Beatles e Rolling Stones, pop, ballads, new wave, mod, flamenco, influências literárias e trocadilhos que estariam
no nosso CD Amnésia Global.

Jovem Guarda futurista. Yeah, yeah, yeah! E ‘vocalizes’ altamente inspirados, preparando este trabalho para as matizes elétricas da atual investida do sonho, Futuristas Antiquados ou Todavia Crocantismo. E tudo num colorido de 25 anos de história. E o nome do grupo? Frank & Plato e A Empresa Pimenta, enfim, prestes a lançar seu primeiro disco de vinil.

Frank também pactuou com Julio Reny e com os Cowboys Espirituais a jornada cafajeste no interior de si mesmo, as ballads, os sons orientais e os pops dos anos 80 e 90. Fizeram chover como trovão no molhado.

Sem contar a mítica Graforréia (...) estive nos primeiros shows, ali por 88, no Ocidente. Eu, com um paletó à la Frank Lydon azul do meu pai, ergui o punho e disse: “Colégio internooooo”. E eles tocaram mesmo essa música!

Quando estavam lançando Coisa de Louco II, um CD que ensinou toda uma geração de rockers, e depois o Chapinhas de Ouro, em 91 (na verdade, o disco foi lançado em 1998), no Fim de Século, tocaram um tema de thrash metal durante cinco minutos, meu povo! Um junk metal totalmente infernal, no meio de suas músicas, numa espécie de protesto sônico. Esta foi a Graforréia de tantas jornadas, com Alemão Birk na bateria, um malandro sônico, Carlo Pianta, pai de toda uma geração de músicos, que havia tocado no De Falla..

Enfim, bandas não faltaram para o nosso querido Frank!’

*Daniel Sanes é jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Já foi repórter e editor no Jornal do Comércio. Hoje, atua como freelancer.