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Reportagem Cultural

- Publicada em 20 de Julho de 2023 às 19:27

As casas de Dyonélio, Verissimo, Iberê e outros artistas em Porto Alegre

Casas de artistas que viveram 
em Porto Alegre resistem à 
passagem do tempo; enquanto 
umas têm a memória preservada, 
outras caem no esquecimento

Casas de artistas que viveram em Porto Alegre resistem à passagem do tempo; enquanto umas têm a memória preservada, outras caem no esquecimento


/TÂNIA MEINERZ/JC
Livia Guilhermano, especial para o JC
Livia Guilhermano, especial para o JC
Rua Alcebíades Antônio dos Santos, 110, bairro Nonoai. A casa grande recém pintada, horizontal, tem escadas que levam à porta vermelha no segundo piso. Ganhou novamente as cores branca e cinza, que contrastam com as portas de madeira da varanda, como em 1988, quando foi construída.
Rua General Souza Doca, 131, bairro Petrópolis. Assim como a primeira, também tem dois pisos, com degraus levando à porta no segundo andar. Essa casa, porém, é menor. A tinta rosa da fachada está descascada em várias partes e as telhas estão caindo. Quem passa por ali, possivelmente, nem presta atenção. Quem olha, fica com a impressão que em breve dará lugar a mais um prédio alto.
Rua Oscar Bittencourt, 12, bairro Menino Deus. Não há mais casa ali. A grade que separa o terreno da calçada segue de pé. Mas no lado de lá só resta grama e entulho.
Os três endereços em Porto Alegre, inscritos na história cultural da cidade, passam por situações muito distintas. A primeira construção foi lar e ateliê do artista Iberê Camargo e, hoje, passa por uma revitalização. Em breve funcionará como residência artística.
Já a segunda casa, em estado precário (foto acima), abrigava um dos grandes nomes da literatura brasileira: Dyonélio Machado - fato há pouco descoberto por pesquisadores de sua obra. A história contada nessa reportagem poderia ser outra, mas um parecer recém emitido pelo Conselho do Patrimônio Histórico Cultural impede a demolição dessa casa, o que foi homologado pela prefeitura de Porto Alegre. Quem solicitou a preservação dela foi o movimento Salve Dyonelio, motivado pelo que aconteceu no terceiro endereço.
O sobrado de Caio Fernando Abreu, no Menino Deus, foi demolido em julho do ano passado. A Associação Amigos de Caio Fernando Abreu, um movimento sem fins lucrativos, chegou a formular um documento para pedir o tombamento dela junto à prefeitura, porém não conseguiu salvá-la a tempo, já que havia uma autorização de demolição expedida.
Esse episódio reforçou a atuação de grupos que lutam pela preservação de locais de interesse social e cultural na cidade, segundo avaliação de Lucas Volpatto, presidente do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural. "O patrimônio de história cultural não é só casa. É aquilo tudo que ela representa", afirma, ao explicar que os critérios para preservação de moradias não são meramente arquitetônicos. "Você não interpreta a cultura riograndense sem passar pela obra do Erico Verissimo, por exemplo. Então, esse tipo de mérito está previsto na lei do inventário", completa.
Tantas são as casas, em diferentes pontos da cidade, que pertenceram a um artista ou escritor, servindo de moradia, local de trabalho e inspiração. Enquanto algumas delas pertencem às famílias, outras foram vendidas a terceiros. Enquanto algumas estão prestes a ruir, outras são preservadas.
Nesta reportagem, vamos mostrar algumas delas, já que mesmo quem nasceu ou mora na cidade, muitas vezes, não tem conhecimento desses locais. Quem já ouviu falar que três grandes nomes da nossa literatura das décadas de 1930 e 1940 moravam a poucas quadras de distância? Era o caso de Erico Verissimo, Cyro Martins e Dyonélio Machado, no Petrópolis. Seria impossível esgotar o assunto, apontando cada residência de cada músico, artista visual, escritor… Nossa intenção, nas próximas páginas, é, portanto, provocar o leitor a querer saber mais sobre essas moradias, onde foram criadas obras importantes da cultura gaúcha.
 
 

Pela memória de Dyonélio Machado

Após movimento em prol da sua preservação, primeira casa própria de Dyonelio e família não pode ser demolida

Após movimento em prol da sua preservação, primeira casa própria de Dyonelio e família não pode ser demolida


/LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
"Quando a gente vai a outros países, a gente conhece a casa do Goethe, a casa do Borges… Na nossa cidade, com exceção da Casa de Cultura Mario Quintana, a gente não tem a experiência de visitar esses espaços." Jonas Dornelles, doutorando em Teoria da Literatura pela Pucrs, fala diante de dezenas de pessoas na Praça Mafalda Verissimo, no Petrópolis. Aquela tarde de 20 de maio foi escolhida para chamar a população a caminhar pelo bairro, onde viveram a poucas quadras de distância Erico Verissimo, Cyro Martins e Dyonélio Machado. Enquanto a casa de Erico está bem cuidada, a de Cyro não existe mais - deu lugar a um condomínio - e a de Dyonelio está em más condições.
A caminhada foi uma iniciativa do grupo Salve Dyonélio, criado para evitar a derrubada da moradia onde o escritor escreveu importantes livros da sua carreira. Naquele dia ainda não se sabia, mas o movimento seria bem sucedido. Isso porque agora, em julho, foi confirmada a inclusão da moradia na lista de imóveis que devem ser preservados na cidade.
O movimento foi criado por Jonas Dornelles, que estuda a obra do autor. Foi preciso muita pesquisa para achar a residência, já que naquela época a rua tinha outro nome - se chamava Dona Carola. "Acabei encontrando num site de uma imobiliária, por muita sorte, uma propaganda do terreno, na qual tinha a escritura original da casa com a assinatura do Dyonélio. Vi que estavam vendendo o terreno, e não a casa. Decidi começar a campanha".

Jonas Dornelles estuda obra do autor e deu início ao movimento Salve Dyonélio

Jonas Dornelles estuda obra do autor e deu início ao movimento Salve Dyonélio


LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
Naquele momento, estava aberto o prazo para solicitar a inclusão de edificações no inventário do bairro Petrópolis, para apreciação do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural do município. "O inventário é um grande conjunto de bens que foram analisados e que merecem um dia serem tombados ou preservados", explica Lucas Volpatto, presidente do Compahc. Assim, as construções listadas no inventário (dentro da classificação "estruturação") não podem ser demolidas, nem ter suas características externas modificadas. Essa é considerada uma etapa anterior ao tombamento, no qual o imóvel deve ser preservado integralmente.
O movimento Salve Dyonélio protocolou a documentação junto ao órgão e, no dia 17 de novembro de 2022, saiu o inventário do bairro, com a casa incluída. No entanto, o proprietário do imóvel ingressou com um recurso pedindo a reversão desse processo. Em nota à nossa reportagem, ele argumentou que não sabia nada sobre a casa quando a comprou e, ao ver o quanto estava danificada, enviou fotos à prefeitura alegando que não poderia ser recuperada. O Compahc, no entanto, emitiu parecer contrário ao recurso e manteve a casa entre os imóveis que não podem ser demolidos.
O movimento comemora a decisão e planeja, no futuro, transformá-la em um espaço cultural ou uma instituição, buscando parcerias com pesquisadores e órgãos financiadores para levantar recursos. De acordo com Jonas Dornelles, foi ali que Dyonélio Machado viveu com a esposa Adalgiza e os filhos Cecília e Paulo, em um momento muito importante da sua vida. Após a publicação de sua obra-prima Os Ratos e de um período preso no Rio de Janeiro (a ditadura do Estado Novo estava vigente), ele volta a Porto Alegre para morar naquela casa. Publica uma de suas principais obras, O Louco do Cati, em 1942. Nesse período, ele está recuperando a sua imagem pública, estremecida com a prisão. Além de escrever obras importantes ali - como Deuses Econômicos, a qual levou 10 anos para publicar -, também foi deputado estadual, médico na Santa Casa e diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro.
A história da morada foi contada na caminhada de 20 de maio. A estudante de Direito Letícia Valer compareceu, movida pela preocupação com a preservação histórica e cultural da cidade. "O Rio Grande do Sul é vanguardista em muitas coisas. O Dyonélio trouxe a psicanálise pra cá. Tem muitas coisas que os gaúchos acabam esquecendo". "É interessante essa reconstrução da história dele, que foi um autor perseguido politicamente. Essa caminhada é uma maneira de chegar às obras dele e difundir as discussões sobre os livros, o que é o mais importante", completou outro participante, o antropólogo Guillermo Gomez.
 

A hospitalidade dos Verissimo

A casa de Erico e Mafalda Verissimo fica no bairro Petrópolis

A casa de Erico e Mafalda Verissimo fica no bairro Petrópolis


/LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
Luis Fernando está sentado na varanda. A filha Fernanda e a neta Lucinda passam por ali com a cachorrinha Meg. Lucia me convida para entrar e mostra cada ambiente daquela casa carregada de história. A residência da família Verissimo, na Felipe de Oliveira, 1.415, está em ótimo estado. A fachada mantém o arco característico da arquitetura estilo californiano e azulejos portugueses. Por dentro, "muitos móveis estão fora do lugar", avisa a anfitriã. É que algumas reformas foram necessárias recentemente, incluindo na emblemática biblioteca de Erico Verissimo, que aparece em diversas fotos do escritor.
Lucia Verissimo tem na memória os anos que ali viveu e também as histórias que lhe foram contadas pelos sogros. A casa foi construída pela Caixa Econômica Federal, numa época em que o bairro Petrópolis era pouco habitado. Quando Erico e Mafalda Verissimo compraram o imóvel, em 1942, era uma edificação pequena. Foi ampliada em 1953, quando foram morar nos Estados Unidos. Voltou a abrigar a família em 1956. "Tinham paixão pela casa. Recebiam os amigos. A sala de visitas era essa daqui, a salinha da entrada".
O pequeno cômodo já reuniu nomes ilustres, todos amigos do casal: Sérgio Buarque de Holanda, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Josué Guimarães, Tônia Carrero, Eva Wilma, Ulisses Guimarães e dezenas de outros artistas e intelectuais. "Foi encontrado um copo do Hotel Everest, que ficou muito tempo ali. Depois de anos, se descobriu que era do Vinícius de Moraes, quando veio com o Toquinho visitar o Erico. Ele levava o copo de whisky para todo o lado", conta.
 
 

A biblioteca de Erico Verissimo foi reformada; segue ali a poltrona onde o autor sentava para corrigir as páginas de O tempo e o vento

A biblioteca de Erico Verissimo foi reformada; segue ali a poltrona onde o autor sentava para corrigir as páginas de O tempo e o vento


LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
Enquanto a filha de Erico e Mafalda, Clarissa, optou por morar nos EUA, o filho, Luis Fernando, decidiu viver em Porto Alegre. Lucia e ele se conheceram no Rio de Janeiro. A ideia inicial era não ficar muito tempo no Rio Grande do Sul, mas acabaram se apegando à vida naquela casa. "Tínhamos a Fernanda, que era recém-nascida, em 1966. Então, a dona Mafalda e o senhor Erico ficaram com os fundos da casa e nós com a parte da frente. Era uma casa divertida, porque todo dia tinha visita", lembra Lucia. Depois de Fernanda, vieram Mariana e Pedro. Os três cresceram ali.

Quem também nasceu naquela casa foi Ana Terra e Capitão Rodrigo. A maior parte da trilogia O tempo e o vento foi criada por Erico Verissimo na máquina de escrever que tinha ali, assim como outras obras, como Incidente em Antares. Da mesma forma, o filho Luis Fernando Veríssimo produziu muito no escritório. Por muito tempo, ele trabalhou na redação de Zero Hora e na agência de publicidade MPM, mas muitas de suas crônicas, assim como O analista de Bagé, saíram do espaço nos fundos da casa.

A casa está no inventário do Petrópolis e não pode ser demolida, por escolha da própria família Verissimo. "A minha sogra, quando falavam em fazer qualquer coisa na casa, dizia: over my dead body (só por cima do meu cadáver)", lembra Lucia. "Não pretendemos sair daqui. Só no dia que eu morrer, mas aí acho que os filhos ficam."

Recuperando a essência de Iberê

Iberê Camargo e a esposa Maria Coussirat no segundo piso do ateliê

Iberê Camargo e a esposa Maria Coussirat no segundo piso do ateliê


/ACERVO PESSOAL EMIL BERED/REPRODUÇÃO/JC
A casa modernista, de linhas retas, extensa nas laterais é imponente. Mesmo assim, quem olha de frente, na rua tranquila e arborizada do bairro Nonoai, em Porto Alegre, não percebe que atrás dela existe uma construção de dois andares, onde trabalhava um dos maiores artistas visuais do Rio Grande do Sul.
A residência de Iberê Camargo e da esposa Maria Coussirat foi uma encomenda ao arquiteto Emil Bered. O pintor pediu uma casa, com um ateliê, em um local com condições adequadas à criação e preservação de obras de arte. Foi acertado, portanto, que Bered ficaria encarregado de encontrar o terreno. O arquiteto projetou a residência de forma que o ateliê fizesse divisa com uma área de preservação ambiental.
"Parece que estou em uma nave espacial, e isso diz tudo!", foi o comentário de Iberê ao entrar na casa pela primeira vez. Quem conta o episódio é o próprio Emil Bered, hoje com 97 anos. "Cabe registrar também que a casa foi tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Isso também diz tudo", comenta. Bered também lembra que Iberê fez questão que ele deixasse sua assinatura na parede, logo na entrada, "pois todo artista deve assinar a sua obra".
O ateliê de Iberê acaba de ser reformado, mantendo as características originais. O primeiro andar, ele dedicava à gravura. O segundo, à pintura, com lugar para conservação das obras e dos materiais. Esse segundo espaço é um salão amplo, com pé direito alto e claraboias. As janelas permitem a entrada de bastante luz. Um lugar de muitas lembranças para Eduardo Haesbaert, que foi contratado pelo artista como impressor, em 1990: "O Iberê me recebeu na porta, às 11 horas, e olhou no relógio: 'Foi pontual. Passou no primeiro teste'. Ele pegou minha mão: 'A mão é seca, para tirar a cópia. Passou no segundo'. Fiquei até o fim com ele. Quando ele gostava de alguém, ele queria próximo. E foi ali que eu vi um ateliê profissional. Era uma organização incrível. O Iberê tinha uma coisa de deixar tudo limpo, né? Termina, limpa".
Eduardo se tornou parte da família. Foi ele que exigiu que a roseira e os pés de laranja-lima de dona Maria não fossem tocados nesta reforma. Após a morte de Iberê, ele desenvolveu um trabalho com a esposa do artista de receber artistas visitantes e oferecer aulas de gravura ali no ateliê. Eles também abriam a casa para alunos e visitantes. 

Lembranças da casa do Glória

Casa de Teixeirinha em Porto Alegre tinha até piscina em forma de cuia e virou ponto de peregrinação para fãs

Casa de Teixeirinha em Porto Alegre tinha até piscina em forma de cuia e virou ponto de peregrinação para fãs


ACERVO FUNDAÇÃO TEIXEIRINHA/DIVULGAÇÃO/JC
“A gente segura o Teixeirinha até 15 dias fora de casa. Depois, ele começa a incomodar para ir embora”. Márcia Teixeira lembra de ouvir os empresários do pai dizerem essa frase. Ele passava muito tempo na estrada, “mas quando estava em casa, era pai em tempo integral”, diz a filha e diretora executiva da Fundação Teixeirinha. Foi ali, na Rua Oscar Pereira, 5260, que ele a ensinou a andar de bicicleta e a nadar, na piscina em formato de cuia.
O cantor, compositor, radialista, trovador e produtor de cinema levou a cultura gaúcha para o resto do Brasil e para o exterior. Foi justamente no auge do sucesso, quando Coração de Luto estourou, em 1959, que Teixeirinha ganhou dinheiro para comprar aquela casa. "Comprou para a minha mãe e as minhas irmãs, junto com uma kombi, pois se a música não desse certo, ele faria carreto", conta Márcia, que ainda não era nascida. Mas Teixeirinha tinha pela frente uma carreira de muito sucesso.
A casa era de Zoraida - esposa com quem o músico ficou até o fim da vida - e de suas quatro filhas: Margareth, Elizabeth, Fátima e Márcia. Mas é interessante o fato de todos os filhos de Teixeirinha terem morado ali. Sirley, a mais velha, era filha de uma ex-namorada. Ela viveu com Zoraida, o pai e as irmãs, até se casar. Já Victor Mateus Filho e Líria, filhos de Ezi, mulher com quem teve um relacionamento anterior a Zoraida, foram morar ali com o objetivo de terminar o ensino médio em Porto Alegre. Alexandre e Liane ficaram um ano com a família, enquanto a mãe morava nos Estados Unidos. Eles eram filhos de Mari Terezinha, parceira de música, com quem Teixeirinha teve um relacionamento extraconjugal. "Sempre nos demos bem. Minha mãe tratava todos os filhos do pai como tratava a gente", conta Márcia Teixeira.
Teixeirinha gostava de ver a casa cheia. Comprou os terrenos ao redor. Construiu um galpão para receber os amigos. Nas datas comemorativas, reunia até 80 pessoas. Em alguns anos, a família já contava com 13 mil metros quadrados de terras. "Ele fez um lago e botou um casal de capivaras. Tinha faisão, vaca, cavalo…", lembra Márcia. Também mandou construir uma piscina, que era para ter o formato de violão. O engenheiro errou na hora de construir e acabou fazendo uma piscina em forma de cuia. A planta da piscina foi parar na universidade Sorbonne, na França, pois era inusitada para a época.
Quando soube que estava com câncer, o músico pensou em vender a casa. Mas quando viu a neta brincando em volta da piscina, voltou atrás. Deixou o imóvel para as quatro filhas que teve com Zoraida. “O pai foi um homem além do tempo dele, porque ele deixou tudo organizado: as músicas dentro da editora dele, para que a gente recebesse os direitos; a Teixeirinha Produções, onde estavam os contratos de gravadora, os filmes…”, reflete Márcia. Com a morte da mãe, o futuro da casa está para ser decidido.
“Uma das minhas irmãs e eu queremos que a casa fique pra Fundação, mas a gente também é consciente que é o maior patrimônio que a minha mãe deixou,” avalia Márcia. Nesse momento, a família está no meio do processo de inventário, enquanto decidem o que fazer com o espaço. Uma das ideias é transformar a casa e a piscina em sede da Fundação Teixeirinha e vender o restante do terreno. “A casa tem as coisas dele, os móveis feitos à mão, 20 mil cartas de fãs em caixas… O meu desejo é que a casa fique pra História,” completa.

O arquiteto Emil Bered pôde ver a casa-ateliê que projetou para Iberê Camargo reformada, aos seus 97 anos.

O arquiteto Emil Bered pôde ver a casa-ateliê que projetou para Iberê Camargo reformada, aos seus 97 anos.


ACERVO PESSOAL EMIL BERED/REPRODUÇÃO/JC
Quando Maria faleceu, a casa tornou-se sede da Fundação Iberê Camargo. Depois, ela serviu de depósito de catálogos. Agora, o ateliê reformado vai receber artistas, dentro do programa de residência artística da Fundação. Além de trabalhar e aprender a técnica da gravura, o visitante também vai residir no local, já que o ateliê conta com um pequeno apartamento, que antigamente era do zelador da casa. "Ele vai ter o privilégio de ter um ateliê monumental à disposição. Vai poder entender um pouco esse pequeno mundo do Iberê," diz Emilio Kalil, diretor da fundação.

O primeiro artista visitante virá da França em setembro, enquanto um brasileiro deve ir para a Europa em contrapartida. O intercâmbio é uma parceria com a Aliança Francesa. A seleção dos artistas participantes se dará por editais. "Eu acho que tem uma energia, que o artista vai sentir. Vai viver onde o Iberê viveu. Vai ver o que ele viu…", diz Haesbaert. "É um projeto dentro do espírito que ele sempre defendeu. O Iberê sempre olhou para os outros artistas de uma forma muito acolhedora", complementa Kalil. O próximo passo será a reforma da casa principal, onde o artista e a esposa residiam. A ideia é que seja um espaço de pesquisa e visitação. Para isso, a Fundação busca agora recursos junto a apoiadores e leis de incentivo.

Casas abrigaram artistas importantes em Porto Alegre

A casa onde Cyro Martins viveu, por três anos, na Rua Borges do Canto, deu lugar a um prédio

A casa onde Cyro Martins viveu, por três anos, na Rua Borges do Canto, deu lugar a um prédio


/LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
Elis Regina - O largo onde a cantora viveu, no IAPI, foi batizado com o nome dela. Elis nasceu e cresceu na casa de número 21 do conjunto residencial da rua Rio Pardo.
Josué Guimarães - Na rua Riveira, 104, bairro Petrópolis, ainda é possível encontrar a casa onde o escritor morou com a família.
Teixeirinha - A casa na Rua Oscar Pereira, 5.260, tinha até piscina em forma de cuia e se transformou em ponto de peregrinação para fãs. Quando morreu, em 1985, o músico deixou o imóvel para as quatro filhas que teve com Zoraida, sua esposa. Desde a morte da mãe, as filhas aguardam pelo inventário para decidir o futuro da casa; uma das hipóteses é que vire sede da Fundação Teixeirinha.
Mario Quintana - O escritor viveu em alguns hotéis de Porto Alegre. O mais conhecido deles foi o Majestic, hoje CCMQ. Os últimos anos de sua vida foram no Porto Alegre Residence, que hoje se chama Eko Residence Hotel. Localizado na avenida André da Rocha, ele possui um quarto temático sobre o poeta.
Cyro Martins - O escritor e psicanalista comprou um terreno do amigo Erico Verissimo, na esquina das ruas Borges do Canto com a Ferreira Viana, no Petrópolis. A casa que construiu deu lugar a um condomínio. Também viveu em um apartamento na Praça Júlio de Castilhos, Moinhos de Vento.
Moacyr Scliar - A casa onde o escritor passou a infância não existe mais. Ficava na rua Fernandes Vieira, entre a Henrique Dias e a Osvaldo Aranha, no bairro Bom Fim, tão presente em suas obras.
Zoravia Bettiol - A casa onde a artista nasceu segue preservada, mas não pertence mais à família (rua Santa Cecília, 1.971). Sua atual residência conta com ateliê e galeria, abertos ao público (rua Paradiso Biacchi, 109, Ipanema).
Vasco Prado e Zoravia Bettiol - Depois de casados, os artistas moraram na rua Luiz Voelcker, 527, bairro Três Figueiras, onde tinham um ateliê. Mas a residência mais conhecida do casal, com ateliê e galeria, hoje é sede do colégio João Paulo I, na Zona Sul.
Ado Malagoli - o imóvel onde funcionava o ateliê do artista, na rua Antão de Faria, 24, no bairro Bom Fim, chegou a ser reformado e transformado em um centro cultural, em 2021, mas atualmente está fechado.
 

* Livia Guilhermano é jornalista, repórter e apresentadora do programa Estação Cultura (TVE/RS), mestre em Comunicação e Informação (Ufrgs).