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reportagem cultural

- Publicada em 01 de Junho de 2023 às 18:52

A dinastia Walper Ruas, uma família fundamental no cinema gaúcho

Tabajara Ruas, Tomás Walper Ruas e Ligia Walper formam uma família cheia de conquistas no audiovisual gaúcho e brasileiro

Tabajara Ruas, Tomás Walper Ruas e Ligia Walper formam uma família cheia de conquistas no audiovisual gaúcho e brasileiro


PAULO RODRIGUES/DIVULGAÇÃO/JC
Geraldo Hasse, especial para o JC
Geraldo Hasse, especial para o JC
A produtora gaúcha Walper Ruas Produções acaba de filmar, em Florianópolis, o longa Edifício Bonfim, com roteiro de Tabajara Ruas e direção de Ligia Walper. É o sétimo filme deles, agora com uma inversão de mando. Unha e carne da firma fundada em 2002, o casal entrou em novo modo operacional, fruto natural da evolução das coisas. Aos 80 anos, depois de dirigir seis filmes, o cineasta nativo de Uruguaiana se coloca mais na retaguarda, abrindo espaço para uma nova etapa profissional de sua parceira de trabalho e vida.
Estreando agora oficialmente na direção de um longa-metragem, essa gaúcha da Capital possui um cartel raro nos bastidores do cinema e da televisão. Formada em audiovisual no curso de Comunicação Social da Ufrgs, onde teve como colegas Giba Assis Brasil e Jorge Furtado (entre outros), começou na produção de programas especiais da RBS TV, como o Galpão Crioulo. Na década de 1980, em sociedade com a colega Alice Urbim, depois diretora da RBS, manteve uma firma chamada Viva Profissões, responsável pelo lançamento de peças teatrais e filmes em Porto Alegre.
Na época em que a Agência Nacional de Cinema (Ancine) custeava mil e um projetos, a dupla também produziu Noite, filme de Marisa Leão baseado na famosa novela de Erico Verissimo. Também deu conta de documentários sobre a colonização alemã e trabalhou em campanhas políticas. Depois, mais para o fim do século XX, Ligia mergulhou na saga da produção de Netto Perde Sua Alma (2001), dirigido por Tabajara Ruas em parceria com Beto Souza.
Quando estes dois extinguiram sua produtora conjunta, o casal fundou a Walper Ruas Produções, desde então responsável pelos filmes nos quais ele atuou como diretor e ela como a principal executiva. Já então se dividiam entre Porto Alegre e Florianópolis, onde construíram a atual residência em terreno comprado há 32 anos num recanto da Lagoa da Conceição.
Além do pioneiro Netto Perde Sua Alma, são quatro filmes prontos - Brizola, Tempos de Luta; Netto e o Domador de Cavalos; Os Senhores da Guerra; e A Cabeça de Gumercindo Saraiva – e dois em fase de montagem: Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez, filmado no Oeste gaúcho no segundo semestre de 2022; e Edifício Bonfim, o misto “cataúcho” que marca a estreia de Ligia na direção geral.
A ideia, segundo Tabajara Ruas, é que os dois filmes (Edificio Bonfim e Juvêncio Gutierrrez), montados a tempo, entrem em festivais a partir de 2024, visando recuperar os custos de produção, estimados em R$ 3 milhões cada um. Para se pagar e dar algum resultado, os filmes precisam colocar-se bem em três frentes:
1) tudo começa com a inscrição em festivais nacionais e internacionais que possam render aplausos do público, comentários favoráveis da mídia, não esquecendo que prêmios ajudam a subir a rampa do sucesso;
2) vencidas as batalhas iniciais, buscam-se contratos com circuitos convencionais de cinema, capazes de oferecer receitas de varejo e propaganda boca-a-boca dos espectadores;
3) por fim, é preciso achar as chaves para penetrar no labirinto das redes de streaming, que pagam no atacado pelo direito de exibição a longos prazos e se tornaram o principal canal de acesso à maioria do público, recolhido às telas pequenas em residências ou a telas maiores em salas especiais.
Em 2023, está descartada a participação -- em agosto – dos novos filmes no Festival de Cinema de Gramado, no qual o pioneiro Netto Perde Sua Alma recebeu o prêmio de melhor filme de 2001.

Bruxaria na Ilha do Desterro

Novo filme da Walper Ruas Produções, Edifício Bonfim mistura suspense, horror e fantasia

Novo filme da Walper Ruas Produções, Edifício Bonfim mistura suspense, horror e fantasia


EDSON FATTORI/DIVULGAÇÃO/JC
Edifício Bonfim é uma construção urbana elaborada por uma trinca de escritores especializados em histórias de mistério, horror e suspense, todos moradores de Porto Alegre: Duda Falcão, 48 anos; Cesar Alcázar, 42; e Christopher Kastensmidt, texano de 52 anos. Reunidos em 2014 com o propósito de escrever para o cinema, eles pediram ajuda a Tabajara Ruas, que os orientou sobre os macetes do movie e, três anos depois, deu forma final ao roteiro, imediatamente colocado na disputa por recursos de editais de cultura.
O projeto foi pensado para ter Porto Alegre como cenário. Para quem está acostumado a fazer cinema, seria fácil colocar um letreiro (Edificio Bonfim) na fachada de um predinho antigo, meio fantasmagórico, em alguma travessa sombria do Bom Fim ou da Cidade Baixa, e aí mesmo dar andamento à filmagem das histórias dos seus moradores e visitantes. Gente esquisita, naturalmente, capaz de cenas e gestos incomuns. Artistas, artesãos. Manos, minas. Bichos-grilos, loucos e tarados, produtos da imaginação de escritores antenados para realidades paralelas.

Tendo falhado as tentativas de obter patrocínio no Rio Grande do Sul, a Walper Ruas buscou outras fontes. Somente em 2019 conseguiu recursos do Fundo Catarinense de Cinema, em convênio com o Fundo Setorial Audiovisual/BRDE e Ancine. E a história foi então adaptada para vingar em Florianópolis, que ofereceu algumas vantagens locacionais como a Lagoa da Conceição e a Ponte Hercílio Luz. Manteve-se o nome do filme, que se passa num pequeno edifício com 30 moradores, além de 50 figurantes, entre eles alguns inspirados em histórias do folclorista Franklin Cascaes (1908-1983), depositário de narrativas de gente antiga da velha Desterro, nome primitivo da ilha que até mantém vivas algumas tradições e superstições açorianas, além de cultivar certo sotaque lisboeta, modernamente vinculado ao chamado 'modo mané' de falar.

Entre as personagens criadas para assombrar os espectadores com pegadinhas de suspense e humor, uma bruxa entra no lugar do pé grande da versão gaúcha da história; uma certa criatura assustadora é abatida por um militar emergente de história em quadrinhos; no final, descobre-se um serial killer, personagem praticamente inevitável em histórias contemporâneas de horror. Resumindo, nas palavras do co-autor Duda Falcão: “A primeira história está mais para o suspense sobrenatural, a segunda para o fantástico e a terceira para o horror psicológico, inspirado na vertente encabeçada por Edgar Allan Poe”.

Estava tudo encaminhado para a filmagem começar no primeiro semestre de 2020, quando o horror da pandemia da Covid-19 obrigou à suspensão dos preparativos, somente retomados em 2023, com atores e figurantes locais e uma equipe misturando catarinenses e gaúchos, num total de 70 pessoas. Evocando tanto o bairro Bom Fim de Porto Alegre como a igreja do Senhor do Bonfim de Salvador, o filme usou como fachada referencial o prédio do Hotel Il Campanario, no bairro Jurerê Internacional, na região norte da ilha.
Entre os protagonistas destacam-se a florianopolitana Gabi Petry, atriz de 36 anos conhecida como estrela do seriado Texas, produzido no Irã, além de Sandro Maquel, Vinicius Wester, Elianne Carpes, Wellington Moraes, Matteo Mazzon e Giwa Coppola. “Estou muito satisfeita com o elenco, todos profissionais de Santa Catarina muito focados e competentes”, resumiu Ligia Walper, num elogio indireto à diretora de elenco Dea Busato.
Um dado relevante da história é que Edifício Bonfim acabou se tornando um projeto tocado por uma maioria feminina: além de Ligia Walper e Dea Busato, a equipe teve Liliane Motta da Silveira na direção de arte; Anete Wilke na direção de produção, compartilhada com Pedro Gomes; Roberta Reis na produção executiva; e Marian de La Vega, no figurino. Todas experientes, como destacou a diretora geral: “Com muitas já trabalho há mais de 20 anos”. Na direção de fotografia atuou Edison Fattori.

Graças a uma parceria com o curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Edifício Bonfim acolheu 13 estagiários na equipe de produção, entre eles Tomás Walper Ruas, escalado como co-diretor. Matriculado desde 2020, ele perdeu aulas e sessões de estudos durante a interrupção da frequência física de alunos e professores. “Apesar dos esforços da universidade com o ensino remoto, a qualidade saiu prejudicada num curso tão prático e coletivo como o de cinema”, diz ele. Mesmo sabendo que é possível aprender muito nos sets de filmagens (e, no seu caso, em casa), está disposto a recuperar perdas teóricas no segundo semestre deste ano e até o fim do curso.
Os alunos da UFSC participaram de todo o trabalho em diferentes áreas – arte, figurino, fotografia, logística, maquiagem e efeitos especiais, estes executados por Johnny Left, sob demanda e orientação da diretora de arte Liliane Motta da Silveira. A definição da trilha musical ficou para depois da filmagem, encerrada na primeira semana de maio.

Três escritores saídos das sombras

Christopher Kastensmidt, um dos responsáveis pelo argumento do filme Edificio Bonfim

Christopher Kastensmidt, um dos responsáveis pelo argumento do filme Edificio Bonfim


TANIA MEINERZ/JC
Habitantes de Porto Alegre, os três autores do argumento de Edificio Bonfim têm carreiras individuais, cada um com seus livros e demais projetos, mas já trabalharam juntos. Em 2010 Duda Falcão e Cesar Alcázar fundaram a Argonautas Editora, dedicada à literatura fantástica, que encerrou as atividades em 2018. Junto com Christopher, Cesar e Duda organizaram o evento nacional Odisseia de Literatura Fantástica, realizado em Porto Alegre. Tempos depois, por volta de 2014, surgiu a ideia, compartilhada por Tabajara Ruas, de desenvolver um projeto que fugisse da ficção baseada na história do Rio Grande do Sul (como Netto Perde sua Alma e A Cabeça de Gumercindo Saraiva). Assim nasceu o Edifício Bonfim.
Vivendo de literatura, Cesar faz a curadoria do selo policial Seara Vermelha, da Editora Avec, fundada em 2014 em Porto Alegre por Arthur Vecchi; Duda Falcão, doutor em educação, dá aulas e consultoria de escrita; Christopher, nascido em Houston, de onde o Homem partiu para a Lua, mora em Porto Alegre há 22 anos e ganha a vida fazendo games.
Do alto do edifício mágico, os três aguardam o desfecho da sua mirabolante entrada no cinema. Apenas Duda Falcão acompanhou um dia das filmagens finais, na primeira semana de maio. Ficou entusiasmado. “Acho que a Lígia vai estrear muito bem na direção e, sem dúvida, o Tabajara é um mestre que nos proporcionou essa bela oportunidade de trabalho”, disse ao JC.

Juvêncio perde sua vida

Após décadas atuando na produção, Ligia Walper (à direita, ao lado do filho Tomás) dirige o longa Edifício Bonfim

Após décadas atuando na produção, Ligia Walper (à direita, ao lado do filho Tomás) dirige o longa Edifício Bonfim


WALPER RUAS PRODUÇÕES /DIVULGAÇÃO/JC
Nos dois anos em que estiveram impedidos pela pandemia de juntar dezenas de pessoas no imaginário Edificio Bonfim, Tabajara e Ligia se dedicaram a trabalhar no planejamento das filmagens de Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez, que acabou se tornando a bola da vez dentro da realidade orçamentária da WR Produções. Pronto desde 1997, o roteiro foi retocado, agora com a participação mais intensa de La Walper.
O roteiro é baseado no romance homônimo, lançado em 1990 e inspirado num episódio trágico envolvendo um membro da família de Marcelino Tabajara Gutierrez Ruas, nome completo do escritor-cineasta. Foi esta a primeira e única vez em que ele elaborou uma narrativa não baseada em personagens da história do Rio Grande do Sul. A novela ganhou elogios rasgados de críticos e escritores. O jornal literário Rascunho o classificou como um dos trinta melhores livros da ficção brasileira. O poeta uruguaio Washington Benavidez o considerou “um clássico latino-americano”. Bem ao gosto do diretor, o filme tem fumaças de western.
O projeto era rodar em Uruguaiana, a cidade onde Juvêncio Gutierrez perdeu a vida nos anos 1950. Entretanto, ao voltar à cidade natal, em pleno inverno de 2022, para dar início aos trabalhos, o diretor se deu conta de que o cenário imaginado já não existia. Os trens não circulavam mais e a estação ferroviária de Uruguaiana havia desaparecido – demolida, como também aconteceu em outras cidades gaúchas. Decepção, raiva e angústia. Acabrunhado diante de uma Uruguaiana desfigurada, Tabajara deixou-se abater pelo frio e a tristeza. O que parecia um resfriado foi diagnosticado como Covid-19. O mesmo problema alcançou Ligia. O casal havia sido trivacinado, mas precisou ficar de molho por uma semana, enquanto integrantes da equipe de produção buscavam locações para filmar.
A saída foi encontrada na vizinha Cacequi, pequena cidade ferroviário que preservou os cenários adequados para as filmagens: a estação, os trilhos, trens passando em alguns momentos do dia, conectando o noroeste missioneiro ao porto de Rio Grande. A boa acolhida da prefeita Ana del Lomo ajudou no aluguel de casas para hospedar a equipe por dois meses. No fim das contas, as dificuldades de filmagem despertaram os brios de toda a equipe.
No papel-título, trabalha Murilo Rosa, compartilhando cenas com Marcos Breda e Werner Schunemann, que defendem papéis secundários. Como narrador (um adolescente), destaca-se Antonio Zeni, ator juvenil natural de Novo Hamburgo. “Esse guri é muito bom, tem futuro”, diz o diretor, ao mostrar ao JC trechos do primeiro copião, que ficou com 160 minutos (a edição definitiva não deverá passar de 120).
O filme começa com um inevitável comboio ferroviário se deslocando vagarosamente na ponte metálica construída em 1890 sobre o rio Santa Maria. Um homem a cavalo se move a passo muy lento na estrada deserta, eucaliptos no fundo, contra a luz do amanhecer. Irrompe o som de uma milonga cantada por Bebeto Alves, o roqueiro uruguaianense privilegiado pela trilha musical de Humberto Gessinger, que deu grande visibilidade a músicos nativos como Pirisca Greco. Pela amostra, parece um filme à altura do livro que lhe deu substância.

Novos projetos

Tabajara Ruas, Ligia Walper e Tomás Walper Ruas têm uma série de projetos em vista para o futuro

Tabajara Ruas, Ligia Walper e Tomás Walper Ruas têm uma série de projetos em vista para o futuro


PAULO RODRIGUES/DIVULGAÇÃO/JC
Enquanto monta Juvêncio e Bonfim, a Walper Ruas dá andamento a novos trabalhos, como a produção de documentários sobre o mundo do surfe nos principais cenários praianos do planeta.
Contratada pelo canal Woohoo, via edital, a produtora montou uma equipe que tem Alexandre Iglesias na direção e a retaguarda de produção de três pessoas, dirigidas por Ligia. A série sobre a música do surfe (Rock Surf Cangurus), incluindo Austrália e Brasil, compreende oito capítulos de 28 minutos cada; a série sobre a história do bodyboarding terá 8 capítulos de 28 minutos; e, por fim, a série de 11 capítulos de 28 minutos sobre o que acontece nos campeonatos da WSL e no seu entorno, o que abrange arte, gastronomia, música e turismo.
Enquanto isso, rolam novos editais no mundo do surfe, no qual vem se inserindo Tomás Walper Ruas, que já fotografou duas etapas, em Havaí e Portugal. A equipe acaba de concluir as filmagens na Austrália e segue para El Salvador no início de junho. Depois, África do Sul, Saquarema e Califórnia.
A onda do surfe como alvo cinematográfico cresceu desde que esse esporte foi acolhido pelas Olimpíadas de 2020. É nesse campo de trabalho que aposta agora a família ancorada em Florianópolis e que mantém ainda sua base em Porto Alegre. Inscrever-se em editais no mercado de audiovisual é o meio mais rápido (e concorrido) de captar recursos para sobreviver. “Essa família vive do cinema”, resume a jornalista Duda Hamilton, que assessora a produtora no eixo Floripa-Porto Alegre.

No âmbito tradicional do cinema-ficção, a Walper Ruas tem pronto o roteiro de O Fascínio, baseado no romance de T. Ruas publicado em 1997 pela Record, que o editou com 142 páginas no tamanho pequeno (20x14cm), em corpo grande (12/14), na tipologia bruce old style. Belo livro. Com uma arquitetura mais econômica, essa história caberia em 100 páginas. Fugindo de personagens da História sulina, a trama rola no pampa contemporâneo, onde o advogado Bertholino Rodrigues dirige sua camioneta Mitsubishi rumo à fronteira, onde vai receber um campo como herança. Sem maiores detalhes, há também um roteiro chamado Pais de Gardel.

O sonho de uma geração

Netto Perde sua alma marcou carreira cinematográfica de Tabajara Ruas

Netto Perde sua alma marcou carreira cinematográfica de Tabajara Ruas


PIEDRA SOLA/DIVULGAÇÃO/JC
Se foi antes de tudo um profissional da escrita, tendo passado pelo jornalismo e a publicidade antes de se dedicar à ficção literária, por que Tabajara decidiu enveredar pela complexa arte do cinema? “Acho que quis realizar a fantasia da nossa geração”, diz ele, referindo-se à juventude dos anos 1960, aquela que matou aulas para não perder sessões de cinema; e passou dias e noites em repúblicas estudantis e mesas de bares discutindo a possibilidade de fazer a revolução e/ou organizar a resistência à ditadura militar.

Em consequência de seu posicionamento político e temendo ser preso por sua militância na Ação Popular (AP), o próprio Taba, como é chamado pelos amigos, fugiu para o Uruguai, passou pela Argentina e o Chile, somando dez anos no exílio, de onde voltou em 1981, após concluir na Dinamarca o curso de arquitetura iniciado na Ufrgs. Ainda em Copenhagen, estudou cinema. Também viveu e trabalhou nas ilhas de São Tomé e Príncipe, na África.

Em depoimento ao JC, Tabajara Ruas elencou suas principais referências no cinema: o norte-americano John Ford, mestre do faroeste; o inglês David Lean, que o marcou pela direção de Lawrence da Arabia; e o baiano Glauber Rocha, que entrou para a história do cinema graças a Deus e o Diabo na Terra do Sol. Observando esses e outros cineastas, firmou a convicção de que a mitologia é mais forte do que a História. Daí a frase com que costuma justificar suas narrativas: “Eu gosto de História, mas sou ficcionista”.

A vida fora do Brasil lhe rendeu o primeiro convite para escrever um roteiro de cinema. Foi em 1978 em Portugal. Depois os projetos se sucederam alternando livros, roteiros e filmes. Nos primórdios de sua carreira no cinema, Taba cedeu (de um episódio do seu livro O Amor de Pedro por João) o argumento para o curta O Dia em que Dorival Encarou o Guarda, de João Pedro Goulart e Jorge Furtado (1986). Com 14 minutos, o filme ganhou prêmios e elogios no Brasil e em outros países. Na ficha de Dorival, encontram-se outros nomes, como Giba Assis Brasil e Henrique Freitas Lima, que passariam a fazer parte da história do cinema gaúcho.
Antes de dirigir seu primeiro longa, Tabajara dividiu com o diretor Sergio Silva o roteiro de Anahy de las Missiones (1997) e participou com outros dois colegas do roteiro de Concerto Campestre, de Henrique Freitas Lima (2004), baseado em romance histórico (ambientado em 1860) de Luiz Antonio de Assis Brasil.
Tocando livros e filmes em tropeadas mistas, manteve parcerias literárias com o jornalista Elmar Bones (Netto Perde Sua Alma e A Cabeça de Gumercindo Saraiva); com o diretor de cinema Beto Souza (Netto Perde Sua Alma); e o repórter-ensaísta José Antonio Severo, autor do livro Os Senhores da Guerra, roteirizado e filmado em 2014. Nesse meio tempo, foi consultor de produção em mais de um projeto de Jaime Monjardim para a TV Globo, a começar por A Casa de Sete Mulheres, romance de Leticia Werchovski, seguido pelo seriado O Tempo e o Vento, baseados na obra de Erico Verissimo.
Em todos esses trabalhos, desde 1990, teve ao seu lado, compartilhando ideias e tarefas, a companheira Ligia Walker, que no seu tempo de produtora de TV chegou a fazer cursos de roteirização na própria Globo, cujas novelas, desde os anos 1960, exercem influência sobre o cinema e a dramaturgia do Brasil. 
Baseado em sua longa experiência como escritor de roteiros tirados de obras alheias e autor de narrativas ficcionais convertidas em filmes, Taba esclarece que a maioria das pessoas se engana ao pensar que um livro denso rende automaticamente um bom roteiro para filme. A transposição de um gênero literário para outro não é automática nem simples. Ele resume tudo numa frase: “Uma boa página de roteiro dá um minuto de filme”. Aos 80 anos, depois de tanta peleia, ele não perdeu o élan: “Eu poderia não trabalhar mais e viver como um aposentado, mas não tenho planos de parar”.

Pode-se supor que ele não tenha mais nada a passar a Ligia, mas na realidade está ocorrendo uma transição geracional na família Walper Ruas, que se esforça para fazer filmes econômicos, com custo de cerca de R$ 3 milhões – Edifício Bonfim não passou de R$ 1,9 mi. Nos últimos 25 anos, além de fazer filmes, o casal Taba-Ligia criou dois filhos que cresceram entre livros e filmagens, aparecendo às vezes como figurantes em cenas triviais ou ajudando em tarefas de bastidores. Lucas, o mais velho, acaba de se formar em educação física e é atleta de rúgbi; o caçula Tomás, de 21 anos, pegou gosto pela fotografia e está disposto a seguir a carreira dos pais.
Obras editadas
Tabajara Ruas é reconhecido como um dos mais importantes escritores do Sul. Durante a edição da 47ª Feira do Livro de Porto Alegre em 2001, recebeu o Prêmio Erico Verissimo, concedido pela Câmara Municipal de Porto Alegre, pelo conjunto de sua obra literária.

Romances
A região submersa
O Amor de Pedro por João
Os Varões Assinalados
Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez
Netto Perde sua Alma(Troféu Açorianos de melhor romance/1996)
O fascínio
O Detetive Sentimental
A Trilha da Lua Cheia (com Nei Duclós)
Cinco dos seus romances foram traduzidos em outros países: A região submersa (Dinamarca e Portugal), Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez (Colômbia e Uruguai), Netto Perde Sua Alma (Uruguai e Portugal), O fascínio (Uruguai e Portugal), A Cabeça de Gumercindo Saraiva, ElCerco (Uruguai)

Ensaios
Mario(com Armindo Trevisan e Dulce Helfer)
A Cabeça de Gumercindo Saraiva(com Elmar Bones)
Solar dos Câmara,RS: Caminhos, Luzes e Sombras

Crônica
Um Porto Alegre

Quadrinhos
História de Curitiba eAGuerra dosFarrapos(ambos com Flavio Colin)
Histórias de Porto Alegre(com Edgar Vasques e Liana Timm)

Folhetins
A Segunda Existência de Terry Lennox
1835:A Grande Epopéia
O Labirinto Invisível

Traduções do dinamarquês de textos infantis: O Patinho Feio, As Novas Roupas do Imperador, O Intrépido Soldadinho de Chumbo (de Hans Christian Andersen) e da peça Vamos transar? (do Grupo Rodemor).

FILMES
Longas
Netto Perde sua Alma(2001), co-diretor com Beto Souza
A Cabeça de Gumercindo Saraiva
Os Senhores da Guerra
Brizola Tempos de Luta (documentário)
Netto e o Domador de Cavalos
Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez (a ser lançado em 2024)
Edifício Bonfim (roteiro final; lançamento previsto para 2024)
Anahy de las Misiones, de Sérgio Silva, 1997 (roteiro final)
Concerto Campestre, de Henrique de Freitas Lima, 2004 (roteiro)
Garibbaldi in America, minissérie da Laz Produções, 1998 (roteiro)
A Antropóloga, de Zeca Pires, 2002 (roteiro)

Curtas
Paulo e Ana Luiza em Porto Alegre, de Rogerio Ferrari, 1998 (roteiro)
Manhã, de Zeca Pires, 1989 (roteiro)
Ilha, de Zeca Pires, 2001 (roteiro)

Argumentos
O Dia em que Dorival Encarou o Guarda, de José Pedro Goulart e Jorge Furtado, 1987
Duelo, de Jaime Lerner, 1998
 
* Geraldo Hasse é jornalista. Nascido em Cachoeira do Sul, formou-se em Pelotas. Escreveu uma dezena de livros sobre agricultura, economia, história e meio ambiente.