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reportagem cultural

- Publicada em 26 de Janeiro de 2023 às 16:37

O centenário de Décio Freitas, o intelectual que libertou a história

Nomes como Zumbi dos Palmares (em estátua na Praça da Sé, de Salvador-BA) ganharam novos contornos na história brasileira a partir da contribuição decisiva de Décio Freitas

Nomes como Zumbi dos Palmares (em estátua na Praça da Sé, de Salvador-BA) ganharam novos contornos na história brasileira a partir da contribuição decisiva de Décio Freitas


/GONZALO RIVERO/WIKIMEDIA COMMONS/REPRODUÇÃO/JC
José Weis, especial para o JC
José Weis, especial para o JC
"Como é que se explica que um dos maiores e mais ricos países do mundo, após haver produzido ao longo de sua história algumas das maiores riquezas do mundo, tenha um dos povos mais deserdados deste mundo?" 
A indignada indagação de Décio Freitas em seu A Comédia Brasileira, livro de 1994, é uma boa forma de introduzir, aos que eventualmente não o conheçam, o pensamento - e a energia - de um intelectual difícil de definir em poucas palavras. Ex-seminarista, advogado, jornalista, escritor e historiador, Décio - que, em 2022, completou cem anos de nascimento - pertencia à estirpe dos grandes intelectuais gaúchos do século passado. Há aqueles que o comparem a Raymundo Faoro, autor de Os Donos do Poder, e Vianna Moog, que escreveu Bandeirantes Pioneiros, sugere o professor e Coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal de Cultura, Sergius Gonzaga. Uma dimensão que, ao contrário do que se possa pensar, não é capaz de esconder - por vezes, acaba mesmo realçando - as diferentes camadas de uma figura sempre pronta para o desafio.
Militante político perseguido pela Ditadura Cívico-Militar (1964-1985), mesmo exilado, o autor de O Socialismo Missioneiro (1982) nunca deixou de procurar, nos seus escritos, algo que explicasse este País. "Décio foi a personalidade mais fascinante que eu conheci. Era um gênio", reforça Sérgius Gonzaga. Logo a seguir, contudo, pondera que era um sujeito "de trato complexo, a ponto de causar cizânias". De perto, ninguém é normal, como cantou Caetano Veloso. E normalidade nunca foi uma característica que se pudesse aplicar a Décio Freitas.
Contar uma parte da trajetória do pensador, falecido em março de 2004, é lançar mão da memória e lembranças de amigos e companheiros. E de seus escritos. Sua obra é - e provavelmente será por muito tempo - uma referência incontornável quando se pesquisa episódios históricos ocorridos no Rio Grande do Sul e no Brasil.
Décio Bergamaschi Freitas nasceu em Encantado, no dia 6 de setembro de 1922. Foi um jovem idealista no tempo em que ser do Partido Comunista Brasileiro era perigoso para militantes e adversários. O PCB, de qualquer modo, ainda estava na legalidade, e Décio foi Secretário de Divulgação do partido em Porto Alegre. Participou da criação de periódicos importantes para a causa, como a revista Libertação e o jornal Tribuna Gaúcha - primeiro jornal diário de esquerda em Porto Alegre, que circulou entre 1945 e 1946. Após o começo nas trincheiras do jornalismo político, Décio atuou na imprensa até o fim da vida, com um texto sempre lembrado por todos com elogios.
"Acompanhei sua trajetória ascensional na Nova República, e também as complicadas relações que mantinha com os amigos e as mulheres. Possuía o dom da indignação moral, mas igualmente o da ruptura e o da fúria, abrandados, de quando em quando, pela procura da amizade e do reencontro. Era, em síntese, o protagonista de um perpétuo romance de peripécias desbordantes. Ora estava com Kadafi no deserto líbio, ora com Ulisses Guimarães no Congresso, ora dançando tango, ora presidindo a Fundação Palmares, sempre envolto em algum intenso caso amoroso. Multiplicava-se, desdobrava-se em mil, como se arrastado pela ânsia de querer explorar todo o potencial do humano". Escrito por Sergius Gonzaga, esse trecho é mais um dos muitos esforços - condenados, talvez, ao insucesso - para definir a personalidade múltipla de Décio Freitas.
Outro amigo de Décio, o professor e jornalista Juremir Machado da Silva, pede licença para traçar um breve perfil. "Sem medo das reações que provocava, ou até gostando dos entreveros, falando dos desafios da esquerda ao longo da ditadura de 1964, especialmente a partir de 1964, alfinetava as ciências sociais com sua obsessão pelo marxismo (...) Depois da queda do muro de Berlim, a esquerda, para ele, devia buscar a 'utopia possível', conduzir o 'Terceiro Mundo' ao desenvolvimento, ainda que ele duvidasse da capacidade de se chegar a um 'Primeiro Mundo'. Outro tema que o obcecava era a 'decadência política gaúcha' e o 'desfalecido orgulho' do Rio Grande do Sul. Décio Freitas faria muitas teses sobre o Brasil atual. O que diria sobre esquerda e direita neste momento de tanta polarização e ódio?"
 

Do 13 de maio ao 20 de novembro

Documento confidencial do 3º Exército, de 1976, mostra que Décio Freitas, Oliveira Silveira e o Grupo Palmares foram monitorados pela ditadura

Documento confidencial do 3º Exército, de 1976, mostra que Décio Freitas, Oliveira Silveira e o Grupo Palmares foram monitorados pela ditadura


/REPRODUÇÃO/JC
"Inevitavelmente, todo status quo se crê eterno: já não haverá mais história", adverte Décio na apresentação de Cabanos - Os Guerrilheiros do Imperador, de 1978 em segunda edição, que fala dos episódios de resistência e do combate aos que não aceitavam a Independência na então província do Pará. Sua disposição para conhecer e rever a História, nos mais diferentes temas e abordagens, deu muito trabalho à sua privilegiada memória - e a avidez por compreender esses assuntos ate as minúcias resultou em obras que marcaram época.
"Em fins do século XVI, negros revoltados do atual estado de Alagoas - àquele tempo integrante da capitania de Pernambuco - estabeleceram uma comunidade livre nas terras altas da região. Esta comunidade cresceu e prosperou na Serra da Barriga. Mais tarde, outros negros fundavam novas comunidades em diversos pontos do território pernambucano - um total de 14 comunidades mais ou menos populosas. Cerca de meados do século XVII, todas estas comunidades se confederaram, formando um Estado Negro que durou até fins do século, desafiando o poder colonial português", remonta Décio, em trecho famoso de A Comédia Brasileira. "A solução era o quilombo, a sociedade igualitária à margem da sociedade dominante", acrescentaria, em entrevista de 1979.
Autor sempre estribado em pesquisas e farta documentação, Décio foi na direção de Zumbi no livro Palmares - La Guerrilla Negra (Montevidéu, 1971), escrito e publicado ainda no exílio. Na volta, Décio publicaria nova edição, revisada e ampliada: Palmares - A Guerra dos Escravos (Editora Movimento, Porto Alegre, 1973). E seguiu sua trajetória em desmistificar o que via como uma "construção ideológica" em torno do tema. Foi a partir da busca dos fatos em torno de revoltas populares no período colonial, e de uma investigação minuciosa sobre a história do Quilombo dos Palmares, que Décio levantou informações que ajudaram a mudar o foco da celebração da identidade negra em nosso País.
Do dia 13 de Maio, quando foi assinada a Lei Áurea em 1888, os olhares se voltaram para a data em que Zumbi, o líder de Palmares, foi morto: 20 de novembro de 1695. Foi a partir desse novo marco, e da mobilização antirracista que crescia no início da década de 1970, que o Movimento Negro - em especial nas figuras do Grupo Palmares de Porto Alegre e do poeta, professor e ativista Oliveira Silveira - fez de 20 de novembro o Dia Nacional da Consciência Negra. Um protagonismo que, é claro, rendeu olhar severo da ditadura, com direito a arquivos recentemente revelados que provam o quanto Décio, Oliveira e outros nomes do Grupo Palmares estavam sob permanente investigação.
Da história que Décio Freitas recuperou desde os tempos do exílio no Uruguai, ficou a lenda de Palmares e a personagem de Zumbi. Segundo o autor, "o negro Zumbi, o mais famoso chefe dos palmarinos, havia sido criado até os 15 anos por um padre da vila de Porto Calvo (Alagoas), que lhe ensinara a ler e escrever, não apenas o português, mas também o latim". Décio viveu e estudou por um tempo no Nordeste, em especial no estado de Alagoas, e foi lá que obteve acesso direto a muitas fontes de pesquisa.
Para Décio, a questão étnica e racial no Brasil explica a profunda diferença social econômica que, até hoje, atinge os pretos e mestiços no Brasil. Em matéria publicada pela revista Tição, de agosto de 1979, foi enfático: "o racismo é uma ideologia, um mecanismo de opressão, para sustentar a escravidão". Um status quo - termo que gostava de utilizar nos seus textos - que mudou pouco, e lentamente, desde 1988.
 

Rio Grande do Sul, da utopia à degola

Detalhe da capa do livro 'O homem que inventou a ditadura no Brasil', de Décio Freitas, sobre Julio de Castilhos

Detalhe da capa do livro 'O homem que inventou a ditadura no Brasil', de Décio Freitas, sobre Julio de Castilhos


/EDITORA SULINA/DIVULGAÇÃO/JC
Desde antes dos tempos da Guerra dos Farrapos, o povo gaúcho gosta de uma refrega de vez em quando. Não é à toa que, volta e meia, se crie por aqui um aspirante a ditador. Ou mesmo ditadores gaúchos, como foi o caso de Getúlio Vargas e três dos presidentes militares nos tempos da Ditadura - Costa e Silva, Médici e Geisel. Décio Freitas focou na figura de Júlio de Castilhos, que governou o Estado sob lemas do positivismo de Augusto Comte, como a 'monocracia' e a 'ditadura científica' - e que tinha na estante de seu gabinete as obras completas do inspirador, em castiço francês - em O Homem Que Inventou a Ditadura No Brasil (1999).
Um bom conhecedor da arte em mexer em vespeiros, Décio recorre a recursos literários. O principal responsável pela narrativa de seu livro é Ambrose Bierce, jornalista norte-americano que teria vindo à Região do Prata e, depois, ao Rio Grande do Sul, alertado da possibilidade e iminente guerra civil.
Todavia, Ambrose Bierce (ou Décio Freitas, em um sofisticado disfarce de repórter estrangeiro) não deixa por menos ao descrever Júlio de Castilhos: "orçava nesta altura pelos 32 anos, era de pequena estatura e gorducho". Mais adiante: "Castilhos não admitia um governo eficiente sem oposição eficiente. O insidioso morbo do poder absoluto produzia aquele tipo de insanidade. Castilhos pensava e agia com a característica má-fé inconsciente de todos os ideólogos". Nas páginas, surge um Júlio de Castilhos que pensava agia como um ditador, que "escreveu praticamente sozinho a Carta Constitucional de 1891", "um bárbaro togado", conforme sintetiza Décio Freitas (aí sim, de cara 'limpa') na contracapa de seu livro.
Um dos aspectos mais terríveis da guerra civil que acabou acontecendo no território gaúcho entre 1893 e 1895 foi o período da degola. Para os adversários federalistas e republicanos, não havia prisioneiros capturados: uma vez feitos cativos, eram simplesmente submetidos à prática da degola. Ambos os líderes, Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, sabiam dos crimes, assistiam de longe e nada faziam a respeito.

Detalhe da contracapa de 'O Brasil inconcluso', de Décio Freitas

Detalhe da contracapa de 'O Brasil inconcluso', de Décio Freitas


EST EDITORA/DIVULGAÇÃO/JC

Não é o único episódio de carnificina sobre o qual Décio Freitas se debruçou. O caso que ficou conhecido como 'o açougueiro da Rua do Arvoredo', entre 1863 e 1864, é narrado quase em forma de ficção em O Maior Crime da Terra (1996). No livro (que, segundo Décio, foi escrito a partir das consultas aos autos do processo), surge a história de uma série de crimes promovidos por José Ramos, nascido em Santa Catarina, ex-soldado, que acabou expulso da sua guarnição, em quartel de Porto Alegre. Ramos poderia ser o que se denomina hoje um serial killer, tendo assassinado pelo menos seis pessoas.

Aí entra um comparsa, um cidadão alemão de nome Carlo Claussner, açougueiro que sugeriu uma maneira de fazer desaparecer os vestígios do mortos: fazer linguiça dos restos mortais. O livro é resultado de um trabalho iniciado em 1948, quando Décio publicou, no Diário de Notícias, em forma de folhetim, a série O açougue humano da Rua do Arvoredo. A obra, garantiu, surgiu em pesquisas no Arquivo Histórico do Estado e no Arquivo Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Também foi atrás de registros insólitos, como os de um diplomata francês e de um juiz maranhense que viveram em Porto Alegre na época. Conseguiu documentos inéditos e vasculhou dezenas de processos criminais do período para entender como "funcionavam as coisas". Tudo isso foi relatado ao Jornal ABC Domingo, em 1996, após receber questionamentos sobre a fonte de suas informações.
Não é o único episódio de carnificina sobre o qual Décio Freitas se debruçou. O caso que ficou conhecido como 'o açougueiro da Rua do Arvoredo', entre 1863 e 1864, é narrado quase em forma de ficção em O Maior Crime da Terra (1996). No livro (que, segundo Décio, foi escrito a partir das consultas aos autos do processo), surge a história de uma série de crimes promovidos por José Ramos, nascido em Santa Catarina, ex-soldado, que acabou expulso da sua guarnição, em quartel de Porto Alegre. Ramos poderia ser o que se denomina hoje um serial killer, tendo assassinado pelo menos seis pessoas.
Aí entra um comparsa, um cidadão alemão de nome Carlo Claussner, açougueiro que sugeriu uma maneira de fazer desaparecer os vestígios do mortos: fazer linguiça dos restos mortais. O livro é resultado de um trabalho iniciado em 1948, quando Décio publicou, no Diário de Notícias, em forma de folhetim, a série O açougue humano da Rua do Arvoredo. A obra, garantiu, surgiu em pesquisas no Arquivo Histórico do Estado e no Arquivo Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Também foi atrás de registros insólitos, como os de um diplomata francês e de um juiz maranhense que viveram em Porto Alegre na época. Conseguiu documentos inéditos e vasculhou dezenas de processos criminais do período para entender como "funcionavam as coisas". Tudo isso foi relatado ao Jornal ABC Domingo, em 1996, após receber questionamentos sobre a fonte de suas informações.
 

A confraria das quintas-feiras

Juremir Machado da Silva (e), Décio e o filósofo francês Edgar Morin

Juremir Machado da Silva (e), Décio e o filósofo francês Edgar Morin


/ACERVO PESSOAL JUREMIR MACHADO DA SILVA/REPRODUÇÃO/JC
"O Décio não saía de casa sem uma boa tese para instigar amigos e inimigos", recorda Juremir Machado da Silva, que conheceu Décio quando ainda era aluno de um curso pré-universitário. Foi durante uma palestra, conta Juremir, que ele descobriu que estava diante de um intelectual diferente. A amizade dos dois começou um tempo depois. "Ele me telefonava todas as manhãs e a gente conversava muito sobre tudo", recorda. Isso incluía visitas do autor de O Maior Crime da Terra a Paris, nos tempos em que Juremir morava e trabalhava como correspondente na capital francesa.
Para Juremir, o talento e dedicação em pesquisar e bem escrever, causava inveja nos historiadores de formação acadêmica. Décio era autodidata, o que pode ser origem de parte das críticas mais ácidas que recebeu. "Tentavam diminuir o valor de seu trabalho", alfineta Juremir.
O professor Luis Oswaldo Leite - que ajudou a formar gerações de estudantes da Ufrgs - lembra Décio Freitas como um exímio contador de histórias - uma fama, aliás, confirmada por quase todos os que conviveram com ele. "Tinha um talento louvável como escritor, era brilhante", recorda Leite. Além de ressaltar o talento e a verve que Décio tinha, capaz de encantar a todos os circunstantes, o mestre, um dos que compartilhava dos quase lendários almoços de quinta-feir, faz uma afirmação tão simples quanto enfática: "foi um dos maiores historiadores do Rio Grande do Sul e Brasil".
Sobre os almoços, é claro, cabe explicação. Havia um encontro semanal de grandes intelectos e apreciadores da boa mesa, no antigo restaurante Copacabana, localizado na Praça Garibaldi, em Porto Alegre. A confraria foi uma iniciativa do também professor e historiador, primeiro Secretário de Cultura da Capital, Joaquim Felizardo. Os encontros aconteciam às quintas-feiras e reuniam personalidades como Voltaire Schilling, Luís Augusto Fischer, Arnaldo Campos e Sérgius Gonzaga. Em uma roda de brilhantismo e conhecimento, todos se encantavam e se deliciavam com as historias e teses de Décio Freitas.
O jornalista Juarez Fonseca completa a listas dos ilustres convivas, citando algumas das mulheres que participavam: Ecléa Fernandes, Ayde Porto, Silvia Moreira e Nídia Guimarães, entre outras. O autor de Aquarela Brasileira lembre que começou a participar da confraria por volta de 1988, convidado pelo professor Joaquim Felizardo. Além das histórias mirabolantes, porém muito bem narradas por Décio, Juarez lembra que ele era o único que fumava um cigarro durante o almoço, "apesar da reclamação de todos". Uma mistura de encanto e incômodo que, a seu modo, não deixa de explicar um tanto da personalidade de nosso retratado.
 

Deciologias

Detalhe de desenho feito por Iberê Camargo para o amigo Décio Freitas, em 1991, presente no acervo da Fundação Iberê

Detalhe de desenho feito por Iberê Camargo para o amigo Décio Freitas, em 1991, presente no acervo da Fundação Iberê


/FABIO DEL RE/VIVAFOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Tanto Sergius Gonzaga quanto Luís Augusto Fischer têm a mesma opinião sobre a escrita de Décio Freitas: se tivesse mais tempo, produziria uma importante obra de ficção. Um texto bem feito, refinado, "com algo de Balzac", menciona Sergius. Luís Augusto Fischer diz que o intelectual "era também um fabulista, um criterioso inventor de situações verossímeis". Mas é o jornalista Juarez Fonseca quem resume: "Décio tinha dois corações, um de historiador, outro de ficcionista."
Tantas eram as histórias que, juram amigos, faltou pouco para Décio Freitas ganhar um volume só delas, assinado por um dos gigantes da palavra latino-americana. Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio que escreveu As Veias Abertas da América Latina, quando vinha a Porto Alegre fazia sempre uma visita ao amigo Décio Freitas. Tal era a admiração que Galeano, garante Sergius, estava reunindo textos e histórias sobre Décio, os quais dizia que publicaria sob o título de Deciologias. "Inclusive as impublicáveis", brinca Sergius Gonzaga.
"Desconfio de intelectuais que têm sempre as mesmas ideias", teria dito Décio em uma ocasião, quando, segundo Sérgius, o autor de A Revolução dos Malês deu tal conselho a jovem estudante que o visitava. Um conselho que faz sentindo, vindo de quem vem: a última obra, publicada de forma póstuma em 2005, trata de uma das mais importantes revoltas da Regência no Brasil, que ocorreu no Pará entre 1835 e 1840 - e traz o provocador título de A Miserável Revolução das Classes Infames. Ninguém poderá acusar Décio Freitas de fazer as coisas sem paixão, ou de deixar nas entrelinhas o que pensava sobre as coisas do mundo. "Como testemunha da vida brasileira, Décio Freitas acompanha tudo com inteligência e discernimento de quem muito cedo tomou posições sobre as questões candentes do seu tempo", acentua Fischer.
 

Bibliografia de Décio Freitas

Detalhe da capa de Palmares - A guerra dos escravos, de Décio Freitas

Detalhe da capa de Palmares - A guerra dos escravos, de Décio Freitas


/EDITORA GRAAL/REPRODUÇÃO/JC
Em sua maior parte esgotada, acessar a obra de Décio Freitas não é uma tarefa fácil. Porém, os bons sebos revelam surpresas aos que queiram entrar em contato com o legado bibliográfico desse historiador e escritor- ao menos, enquanto não se concretizam projetos de reeditar parte de sua obra.
 Palmares - A Guerra dos Escravos (1971)
 Insurreições Escravas (1975)
 Escravos e Senhores-de-Escravos (1977)
 Cabanos - Os Guerrilheiros do Imperador (1978)
 O Escravismo Brasileiro (1980)
 O Capitalismo Pastoril (1980)
 Escravidão de Índios e Negros no Brasil (1980)
 O Socialismo Missioneiro (1982)
 A Revolução dos Malês (1985)
 Brasil Inconcluso (1986)
 A Comédia Brasileira (1994)
 O Maior Crime da Terra (1996)
 O Homem Que Inventou a Ditadura no Brasil (1999)
 A Miserável Revolução das Classes Infames (2005)
 
 
* José Weis é jornalista, tendo escrito para diferentes veículos do Rio Grande do Sul e do Brasil.